*Osmar, o amigo da onça.

Osmar, o amigo da onça.

Não me lembro mais do ano e muito menos do mês, mas sei que, um dia, eu fiquei sem trabalho no Exército. Sem absolutamente nada para fazer e com a incumbência de bater ponto todos os dias na entrada e na saída.

Os dias se faziam intermináveis e o que, para muitos, seria o céu, para mim, era um verdadeiro tormento. Na sala técnica, por iniciativa minha, eu ajudava um ou outro colega que precisasse sair, cobrindo-lhes a ausência. Embora não corresse risco algum de ser demitido, aquela não era uma situação confortável para mim.

Até que, um belo dia, mandaram-me prestar auxílio no almoxarifado e isso, sem dúvidas, me soou como um alívio.

Osmar, o meu novo chefe, era daquele tipo que eu chamo de ‘homem-ímã’, ou seja, uma pessoa que atrai a atenção de todos, com charme e naturalidade. Assim era Osmar. Tinha uma expressão sempre serena, era gentil por natureza e prestativo por vocação. Foram essas as minhas impressões nos primeiros dias, para desengano de minha já tão conturbada alma.

Na verdade, Osmar era um gozador, que passava o dia todo atormentando os funcionários do setor, menos a mim, por dois motivos simples. Primeiro, porque eu estava ali só para organizar uma saída e entrada de material que estava parado há meses; e depois, porque de tão assoberbado que eu andava, não me sobrava tempo nem pra respirar. Eu mal conversava e pouco dava ouvidos às conversas alheias.

No entanto, um caso ali me intrigava. Apesar de não haver um calendário de pagamentos, no dia 30 de cada mês a folha era fechada e o pagamento saía a qualquer momento. Numa dessas, o pagamento foi realizado na segunda-feira, dia 1º.

Muita gente morava em outras cidades vizinhas, como era o caso de Inácio, que morava em Campo Maior, a 80 quilômetros de Teresina. Osmar e Inácio eram amigos de longas datas.

Naquele dia, vi quando Inácio entrou no nosso setor e falou para Osmar:

– Osmar, eu quero que você me preste um favor: acabei de receber o pagamento, mas só irei pra casa no final de semana. Estou com medo de ficar com essa grana no bolso e acabar gastando. Guarde pra mim, que na sexta-feira eu virei pegar ou mandarei meu filho.

Osmar recebeu o dinheiro, ainda amarrado com ligas, e sem sequer contabilizá-lo, guardou-o em sua gaveta, sem fazer nenhum comentário.

E a vida seguiu seu curso. Na sexta-feira combinada, o filho do Inácio apareceu e quando perguntou a Osmar pelo dinheiro do pai, ele lhe respondeu:

– Meu rapaz, seu pai só pode estar brincando. Eu não sou Banco do Brasil, nem Caixa Econômica para ficar guardando dinheiro de ninguém. Mesmo porque aqui não tem estrutura pra isso. Sinceramente, não sei do que você está falando.

Ora, se o rapaz estava incrédulo, eu estava passado no alho e óleo! Eu vira todos os acontecimentos e previa agora que o mundo iria desabar.

Dez minutos depois, retorna o rapaz, acompanhado do seu pai, Inácio, que já chegou despejando poucas e boas...

– Que história é essa, Osmar? Você dizer que não lhe entreguei dinheiro algum? Todos são testemunhas de que lhe entreguei, sim.

Nesse momento, Osmar virou-se para mim e perguntou-me se eu era testemunha daquele absurdo. Eu não imaginava que aquela encrenca fosse arrebentar logo em cima de mim! Logo eu, que estava ali apenas passando uma chuva, agora iria ter que depor contra meu chefe imediato.

– Osmar, veja bem, eu nada tenho com isso e preferia ficar bem longe disso... Mas a verdade é que eu vi, sim, quando Inácio lhe entregou, na segunda-feira, um maço de cédulas, ainda amarrado com ligas de borracha, pedindo para que você o guardasse, pois estava com medo de gastar, caso ele ficasse com o dinheiro no bolso. Eu vi quando você guardou em sua gaveta.

– Então, Mozá! Foi exatamente o que eu disse. Ele me entregou, dizendo que estava com medo de gastar, mas não me perguntou se eu estava também. Eu não estava, aliás, eu nunca tive medo de gastar dinheiro, porque dinheiro não serve mesmo pra outra coisa. Não tenho culpa se ele me confundiu com instituição financeira. Gastei todo, não sobrou nem uma banda...Agora, a única coisa que posso fazer é pagar de três vezes, a começar no próximo mês!

A essa altura, já tinha gente se acabando de rir da desgraça alheia... Mas aquilo, pra mim, serviu como um grande aprendizado.

Um mês depois de terminada minha missão, retornei, aliviado, para minha seção de origem.

São coisas de minha terra!