Rufião

Rufião era um cara, ou melhor, o cara. Pensa num sujeito boa ponta, não se sabe se estilo Angélica ou Sabrina Sato. Mas o cara fazia e acontecia. Seu nome o precedia. Ne verdade diziam que se chamava Rufino, mas o certo, se é que existe essa coisa de certeza, era que Rufião era a alcunha que pipocava na comunidade. O camarada andava alinhado, pisava no risco da calçada, um verdadeiro finório, se bem que nem era tão magro assim. Adorava um carteado e não era de perder quando estava reunido em uma mesa de jogo. Nunca foi rico, pois dizia que era melhor ter boa saúde, mas o fato é que era gastador, talvez caridoso. Fazia o capital circular no mercado popular, sendo bem recebido em qualquer casa da vizinhança. Tinha aquele estilo de bom malandro só que sem chapéu.

No bar do Joca era uma celebridade, emborcava cada rabo de galo e sem fazer cara feia. Jogava uma sinuca que diziam ter aprendido com o próprio Rui Chapéu. Adorava rasgar o pano e tinha o taco próprio, sempre vinha com uma história de ter um giz especial. Assoviava em dó menor. Parecia cantarolar todos os dias, faça chuva ou faça sol. Contava cada caso que se passava por entendido e até quando não conhecia o assunto dava palpite de especialista. Caminhava com aquela malemolência característica de quem leva a vida na flauta, apesar de gostar mesmo de um violão. Não tocava nem apito. A lábia do sujeito era ferrenha e certa vez conseguiu receber um seguro que nem sequer tinha feito. Olhava no olho e despejava a lorota, com aquela seriedade que só os mais cínicos conseguem sustentar.

Num dia qualquer bateu a caçoleta, quer dizer, foi pro saco, morreu mesmo. Dizem que foi acidente. Levou seis tiros, coisa de bala perdida que de repente encontra a gente. Um amor à primeira vista. No enterro do cabra foi um choro ressentido que deixaria muito famoso com inveja. Até hoje o povo lamenta a morte dessa figura única e ilustre, que acabou virando lenda. Dizem que vez o outra é possível ver o camarada visitando o terreiro de Dona Zefa. Ainda se mantém alinhado e dizem que gosta de oferenda com charuto caro e bebida fina. Tem certos hábitos que nem a pós vida consegue extirpar. Um brinde a Rufião Peito de Aço. Já que assim passou a ser chamado depois do incidente que foi seu acidente. Na igreja viviam fazendo uma missa aquilo e outra acolá pra celebrar o finado, com quantias generosas doadas para a santa casa, que só fazia zelar por esse boêmio querubim.

No último ano, ocorreu uma festa daquelas de deixar gente na sarjeta por uma semana. Alguns mais excêntricos propuseram a confecção de uma estátua que seria colocada na praça central para honra a memória desse baluarte da cultura local. Sua fama acabou gerando pesquisas feitas por estudiosos, que buscavam entender a cultural popular a partir desse mártir. Há quem diga que se continuarem botando fé, pode até ser canonizado, com direito a reconhecimento do Papa e tudo mais. O milagre atribuído foi de ter engravidado uma virgem e ter sido pai de uma penca de crianças, que foram agraciadas com seu sobrenome. Não se sabe ao certo se era de origem portuguesa, turca ou africana, mas a certeza era que a vó tinha descendência indígena e que chegou a expulsar colonizadores em tempos primevos, o que explica sua condição de desbravador. Salve Rufião! Descanse em paz!

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 28/04/2017
Código do texto: T5984151
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