QUESTÃO DE HONRA

No tempo em que a honra e a retidão de caráter faziam parte da vida das pessoas, eram comuns a confiança na palavra empenhada e a certeza de que as promessas seriam cumpridas independentemente das circunstâncias.

Tudo aquilo que fosse falado a sério, podia-se ter a certeza de que iria ocorrer e assim foi com o roubo que aconteceu na casa do dono da venda.

O senhor Francisco de Assis era muito querido e respeitado por todos, principalmente por nunca negar auxílio a quem quer que fosse ou vender fiado para aquelas pessoas que, reconhecidamente, eram necessitadas e que, mais dia menos dia, pagavam tudo até o último centavo.

Por essa época também os ladrões, quando existiam, eram ladrões de galinhas, daqueles ladrões pés de chinelo que roubavam quaisquer roupas ou objetos que tivessem sido esquecidos nos quintais. Não eram como os de hoje em dia que roubam milhões, muitos milhões e, com as caras mais cínicas do mundo vão à televisão dizer que é mentira da polícia ou dos denunciantes e que refutam veementemente as “mentiras” envolvendo seus nomes.

O crime sempre existiu e continuará existindo enquanto houver ser humano sobre a Terra e, no mundo do crime também existe hierarquia e controle sobre as atividades dos seus membros.

Seu Mamede, homem reservado e de poucas conversas era respeitado por todos, mas por portas travessas, se dizia que ele era contrabandista e chefe de quadrilha de bandidos.

Se era, realmente, nunca ninguém pode provar, mas quando ele ficou sabendo que a casa do bodegueiro havia sido assaltada, foi até lá e em particular, perguntou os detalhes, tipo, a hora provável e os materiais subtraídos e se havia algum dano adicional além do prejuízo e do susto.

O roubo tinha sido do sábado para o domingo.

Essa conversa aconteceu na segunda feira pela manhã.

No fim desse mesmo dia, dona Rosa, esposa do bodegueiro estava recolhendo a roupa seca do varal quando ouviu baterem palmas no portão. Admirada por ver uma carroça puxada a cavalo e um homem negro que ela nunca tinha visto, perguntou o que ele queria.

É para entregar uma encomenda.

Respondeu o homem negro que, auxiliado por outro homem sarará, bem mais magro e menor, com o olho roxo, bastante inchado e o que se podia ver do corpo cheio de hematomas tirou da carroça e colocou nos devidos lugares a radiola com os discos, o relógio de parede da sala de visitas, o rádio e os talheres de prata da sala de jantar, no quarto do casal a mala cheia de roupas, a caixa de joias e, com a voz sumida dos arrependidos, entregou o saco de papel com o dinheiro que havia sumido da gaveta do criado mudo dizendo que um chaveiro viria na manhã seguinte consertar a fechadura estragada da porta da cozinha.