CASA MAL ASSOMBRADA

CASA MAL ASSOMBRADA

Era uma casa muito grande, com alpendre, muitas árvores ao redor e um pequeno lago ali bem próximo. Nada que convencesse alguém que ali não houvesse algum morador. Mas a casa já havia anos estava vazia. Ninguém morava nela porque diziam ser uma casa mal assombrada.

Continuava fechada e sem ninguém, à espera que algum aventureiro tivesse a ousadia de quebrar o encanto que diziam existir ali.

E tinham várias histórias sobre ela. Todas assustadoras; é claro!

Quem conhecia a casa e um pouco de sua história, ao cair da tarde, ninguém mais passava por ali.

Diziam os mais antigos que aquela casa pertenceu a um senhor muito rico e que não tinha herdeiros..

Enquanto viveu morou nesta casa. Tinha dois capangas muito bem armados que cuidavam de sua segurança.

Todo dinheiro da venda de gado e produtos da fazenda eram guardados em potes de barro e enterrados num quarto próprio que tinha nesta casa. Já tinha ali vários potes cheios até a boca, tudo em moedas de prata e ouro como era naquele tempo. Eram moedas de muito valor.

Os potes cheios eram cobertos com uma fina camada de terra argilosa que ali permanecia como segurança.

Mas quem é vivo, também é mortal.

Ninguém nunca conseguiu explicar os motivos que numa manhã chuvosa e de muito frio ele foi encontrado morto em sua casa com uma corda amarrada em seu pescoço. Tinha um palmo de língua para fora e com o alpendre ara baixo ele morreu quase que ajoelhado. Mistério! Os olhos pareciam querer saltar para fora os cabelos eriçados como estivesse sentindo enorme calafrio antes de seu final. Coisa horripilante. Nada lhe foi roubado.

Como não tinha herdeiros, seus bens ficaram por conta do estado.

A maior lembrança do rico fazendeiro era aquela enorme casa que a partir de então ninguém conseguia sequer se aproximar dela. Ninguém se achava capaz de entrar e conhecer a casa por dentro.

Ali num quarto reservado havia grande quantia em dinheiro enterrado. Era prata e ouro que estava encantado, como diziam os mais antigos.

E começaram a surgir coisas estranhas.

Quem passava pela estrada via incêndio aos fundos da casa em pleno dia. Fumaça negra subia e o barulho do fogo era imenso. Mas à medida que alguém tentava se aproximar o barulho ia cessando, a fumaça também e não se via nada de fogo. Era pura ilusão. Nada estava acontecendo. Lá dentro se ouvia cachorro latir, coruja piava. Às vezes até papagaio fazia algazarra falando o que ninguém entendia e cantarolando também. Se estivesse fora da casa ouvia o barulho lá dentro, se estivesse dentro ouvia o barulho lá fora. Era coisa assustadora, mesmo. Pessoas pulavam no lago, crianças choravam ,pessoas resmungavam, gritavam ,assobiavam. Coisa do demo mesmo.

Devido ao abandono a casa abrigava corujas, morcegos, gambás, aves noturnas, mariposa coisa do gênero.

Distante daquele lugar havia um senhor muito corajoso que ganhava a vida à duras penas tocando tropas pela estrada, carregados de queijo, farinha de mandioca e rapadura que vendia nas feiras. Mas nada disso era dele não. Recebia do patrão dono da tropa um mísero salário que mal davam para sustentar a mulher e os cinco filhos todos pequenos. E ai dele se não cuidasse bem dos animais e se não prestasse conta direitinho ao seu patrão. Era duramente castigado. Tinha que ouvir todo desabafo do rancoroso patrão.

Certo dia, Tiburcio como era conhecido, após chegar cansado de sua viagem, foi dormir e teve um sonho fantástico. Aliás, não era sonho. Era uma visão.

O velho fazendeiro apareceu dizendo que por ser ele um homem de coragem seria a pessoa certa para tirá-lo do sofrimento pelo qual passava por ter deixado tanto dinheiro enterrado e que agora estava encantado. Nunca dividiu nada com ninguém e agora precisava entregá-lo a alguém para que ele se livrasse do sofrimento que passava. Estavam acorrentadas enormes pedras no pescoço, algemas abrasivas, sendo torturado constantemente. Tudo porque enquanto viveu era muito apegado aos seus bens materiais. Estava agora padecendo a espera que alguém tivesse a coragem de desenterrar todo aquele dinheiro que ele havia enterrado com medo que fosse roubado.

Em sonhos o fazendeiro explicou tudo como Tiburcio haveria de proceder. Dia e hora, tudo marcado e combinado. Era o que faltava para sua liberdade.

Disse que o encardido estaria lá para fazer o possível de impedir que ele desencantasse toda fortuna o que daria direito à sua liberdade. Seria uma situação difícil, mas que ele não precisava se intimidar. Se ele assim fizesse seria então o dono de toda aquela fortuna por ele deixada. Com isso ele seria o homem mais rico daquela região. Mas era preciso coragem! Muita coragem!

O fazendeiro deu a Tiburcio toda instrução de como haveria de proceder.

Acordou suando frio, coração pulsando forte, despertou Ofélia sua esposa e contou todo seu sonho, sua visão.

A mulher que sabia a história do fazendeiro arregalou os olhos, segurou firmes os braços de Tibúricio e disse com toda firmeza.

_ Homem de Deus, se tudo isso for verdade, que tu desencantes este dinheiro, ai tu vai poder comprar vestido novo pra mim, roupas pras crianças, vou jogar fora esse chinelo velho, amarrado com arame, que já não aguento mais, meu vestido cheio de remendos, a do menino já molambento jogo fora. Tu entendeste?

Pois se for preciso eu te ajudo, viu? Pode contar comigo.

Mas Tiburcio disse que ele teria que obedecer a recomendação do fazendeiro que ele teria que ir ao local sozinho. Alguém na sua companhia sereia o suficiente para que nada acontecesse. Nada daria certo.

Tinha que ser apenas Tiburcio e ponto.

Chegou o grande dia! A ansiedade tomava conta de Tiburcio e principalmente de Ofélia sua esposa que não via a hora de dar um pontapé na miséria. As crianças todas pequenas apenas brincavam porque nada sabia do que estava prestes a acontecer.

Continuavam descalças, mal vestidas, sem brinquedos, mas felizes porque tinham saúde para correr e brincar.

Sexta feira; dia quente, ensolarado, mas ao cair da tarde tudo mudou. O céu se tornou carrancudo com prenúncio de chuva. Uma brisa soprava de mansinho.

Tibúrcio estava preparado. Ansioso.

Na hora combinada em sonho ele entrou naquela casa abandonada e mal assombrada, rejeitada, temida por tudo que nela acontecia.

Tinha levado enxada e pá, tudo ainda sem uso, água benta e um cordão de São Francisco, tudo bento conforme tradição daquele povo do sertão. Estava confiante!

Ao entrar na casa fez o sinal da cruz e já percebeu que não teria tarefa nada fácil.

Um enorme gato preto o recebeu com ar de reprovação. Parecia querer engolir o homem vivo. Tibúrcio ficou estático. Estava consciente do que teria que enfrentar.

O gato se esquivou e tratou de sair. Lá dentro era grande a algazarra.

Morcegos voavam rentes a Tibúrcio. Num canto da sala uma enorme cobra parecia proteger o ambiente. Caranguejeiras enormes circulavam tranquilamente pela casa. Eram todas assustadoras. Tibúrcio ignorava tudo.

Sapos vinham ao seu encontro como que querendo lhe dizer algo.

Não demorou em aparecer tribulações de toda espécie. Gemidos fortes soavam lá fora, bichos corriam pelo teto da casa.

A casa agora estava fechada. De repente alguém batia a porta. Tibúrcio não dava a menor atenção.

Eram armadilhas do tinhoso para evitar que o dinheiro fosse desenterrado e a alma do fazendeiro ganhasse a liberdade.

Chegou a hora marcada.

Tiburcio entrou no quarto onde se encontravam os potes de dinheiro. Começou lentamente a retirar a fina camada de terra que cobria os potes.

Em cada canto do quarto havia um gato que agiam como se estivesse vigiando o tesouro. Mas Tibúrcio ignorava tudo.

De repente uma voz assustadora bradou do teto:

-Eu caiiiiio ?Eu caiiiiiio?

Tiburcio concentrado respondeu:

-Pode cair. Só não me atrapalhe!

De repente desceu do alto uma perna enorme e peluda.

A voz continuou:

- Eu caiiiiio ?Eu caiiiiio?

Tiburcio mais uma vez respondeu:

-Pode ir caindo. Só não caia em cima de mim!

E assim aquela voz continuou e partes foram caindo até formar o que parecia ser um monstro enorme e assustador. Mas Tibúrcio não se intimidou.

Aquele monstro de repente se reduziu ao tamanho normal, mas era horripilante.

Tinha chifres, pés com casco de animal, olhos de fogo, unhas parecendo espetos, corpo totalmente peludo. Ameaçando Tibúrcio que por instantes parou a escavação. E o pior. Aquela figura horrenda se formou bem em cima dos potes que estavam ali enterrados.

De repente apareceu o fazendeiro acorrentado com correntes abrasivas vigiadas por dois seguranças do encardido. Olhava firme para Tibúrcio como querendo dizer:- Coragem! Eles não querem minha liberdade! Só você pode fazer isso agora! Coragem!

Foi aí que Tiburcio lembrou que tinha consigo um cordão de São Francisco. Era um cordão bento. Em cada nó uma oração forte para afugentar demônios.

Pegou aquele enorme cordão e num descuido da “coisa ruim” ele jogou o cordão laçando e aprisionando quem queria lhe impedir de realizar a árdua, mas gratificante tarefa. Uma ousadia que valia a salvação de uma alma penada.

Ao ver-se preso, o “capiroto” se contorcia todo, dava urros, se esperneava e não parava de gritar:

-Me solte deste garrancho! Não deixe isso tocar em mim!

Mas estava preso e bem preso!

Tibúrcio o afastou para um canto e olhando para a alma do fazendeiro via agora um ar de felicidade. Parecia querer dizer:- Obrigado Tibúrcio!

- Está próximo. E bem próximo!

Logo que o chefão do inferno foi preso, desapareceu toda tribulação. E não demorou a Tibúrcio tocar a tampa de um dos potes. Com muito cuidado pegou um patacão de ouro, fez com ele o sinal da cruz e com este gesto acabou todo o encanto e junto toda a sua aflição.

Além de se apossar de todo aquela fortuna viu o fazendeiro, agora com uma veste branca acenar com a mão em sinal de agradecimento e acompanhado por dois anjos ser elevado ao céu.

O “capiroto” agora derrotado, após Tibúrcio tirar-lhe o cordão com que o mantinha preso, só viu a explosão, deixando um enorme cheiro de enxofre no ar, e desapareceu.

Aquele homem antes pobre e miserável viu-se agora dono de uma imensa fortuna. Acabou comprando do governo aquela propriedade com todos seus bens. Logo tratou de fazer uma grande reforma na casa da fazenda, construiu também uma capela, onde junto com os familiares faziam orações de agradecimentos a Deus pela grande conquista. Construiu parque de diversão onde as crianças da fazenda podiam se divertir nos finais de semana.

E na sua propriedade construiu ainda uma casa de abrigo para pernoite dos tropeiros que por ali passavam.

Aquele homem antes pobre e miserável, agora muito rico vivia alegre, sorridente compartilhava o que podia com as pessoas necessitadas.

Assim aquele homem de coragem e bondade viveram seus dias de vida sempre ajudando os necessitados como prêmio e gratidão do que tinha conquistado pela sua coragem e muita fé em Deus o Criador.

Antonio Barros de Moura Filho

Antonio Barros
Enviado por Antonio Barros em 21/04/2017
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