A Borboleta e o Diu

Era uma terça-feira, e fazia muito calor na cidade de Ponto da Pedra. Às vezes, Borboleta pensava que tal clima tórrido não poderia piorar, visto que ela sempre murmurava para si mesma que estava morando no inferno. E não era para menos: a temperatura beirava quarenta graus, com o sol escaldante queimando as peles expostas ao ambiente e estimulando significativas sudoreses. Que Deus tivesse piedade daqueles que precisavam se deslocar como transeuntes.

E Borboleta era uma deles.

Como se já não bastasse ter de ir à escola a pé pela manhã – e, acredite se quiser, o sol já incomodava nesse horário –, a pobrezinha ainda tinha de ir ao seu curso de Inglês todas às terças e quintas com a mesma mobilidade. As aulas eram ministradas à tarde no Centro de Ponto da Pedra, o que evidenciava um maior indício de calor. Diante disso, Borboleta sempre resmungava também para si mesma que as aulas teriam de valer à pena tamanho sacrifício. Aliás, para ser franca, ela já não via a hora de sua pele começar a escurecer ou, pelo menos, ficar vermelha.

O que Borboleta, no entanto, não sabia era que aquela aula de terça-feira para a qual estava indo iria compensar a quentura sentida no percurso.

E como valeria à pena.

Ao chegar em sua sala completamente suada e descabelada quase como se fosse a Samara de O Chamado, logo percebeu que, caso surgisse um buraco negro próximo a ela, não pensaria duas vezes e se jogaria dentro dele. A situação não poderia ser mais constrangedora: estava mais do que atrasada, a turma estava treinando os diálogos em duplas e, o que foi pior, assim que deu as caras na sala todos pararam de conversar em inglês e olharam para ela. Borboleta não conseguia saber se os seus colegas sentiam pena ou vontade de rir dela e, sinceramente, achava melhor mesmo que não o soubesse.

A professora – ou a salvadora – apareceu ao lado da coitada, explicou-lhe rapidamente o exercício que estava aplicando aos alunos, olhou para um lado distante da sala para o qual Borboleta nem se importou de olhar, e disse:

– Diu, por favor – fez uma pausa e lançou um olhar para a refém ao seu lado –, faça dupla com a Borboleta – finalizou e deixou-a sozinha em pé novamente.

Antes que Borboleta se desse conta do que realmente estava acontecendo, avistou andando em sua direção um rapaz com seus cerca de 22 anos, moreno não muito escuro, possuidor de um físico nada mal e de um sorriso cativante.

E como era cativante.

Após o transe, Borboleta finalmente soube onde sua professora a meteu, e só conseguiu pensar em uma coisa.

O aluno mais inteligente da sala vai ser minha dupla.

E, com um pouco mais de memória recuperada, conseguiu completar o estonteante pensamento.

O aluno mais inteligente e lindo da sala vai ser minha dupla.

Se fosse outra garota, certamente levaria tal situação do melhor lado possível, uma vez que, ser uma espécie de parceira de um grande partido daquele, seria mais do que um privilégio – e, quem sabe, uma oportunidade de se aproximar. Mas, com Borboleta Labassurion Derrá era diferente. Simplesmente já não era novidade para ela que era possuidora de uma timidez notável, tanto por não saber o que dizer em diversas situações como por ter um aguçado senso de humor, o que a fazia transmitir incontroláveis gargalhadas e, o que era pior, em momentos nada adequados.

E essa era justamente a certeza que ela começou a ter a partir daquele momento. Precisava controlar as asneiras que poderia acabar dizendo e as risadas excessivas na frente do Diu.

Sim, na frente do reconhecido e invejável Diu American Football.

–Ei, moça. Vamos sentar. Ou quer falar em Inglês aqui em pé mesmo? – Brincou ele, deixando a mostra um sorriso que era difícil de Borboleta não encarar, ainda mais quando se era interessada em sorrisos – Você que decide.

Alô, concentração? Apareça agora pelo amor de Deus. Pensou ela.

– Não – disse por fim, devolvendo o sorriso com o seu aparelhado, mas bonito e sincero. Apontou para o canto direito superior da sala amarela –, vamos até aquelas cadeiras bem ali. Acho que estão desocupadas.

Da próxima vez chegue mais cedo e tenha um parceiro por escolha própria, Borboleta. Não pôde deixar de pensar quase revirando os olhos, enquanto os dois se dirigiam em direção aos assentos.

Então os dois iniciaram os seus diálogos – ou, pelo menos, o Diu começou porque era difícil para Borboleta manter o foco diante de tamanha beleza misturada com simpatia –, questionando perguntas tanto retiradas do livro de estudos quanto oriundas da espontaneidade do momento. Era certo que a jovem também estava se sentindo envergonhada, já que o galã falava a língua inglesa de um nível que ela jamais esperara de alguém da sua turma.

Era realmente um rapaz impressionante.

E estava ali, bem na frente dela. Olhando-a no olho.

A uma certa altura da conversation entre eles, Diu olhou bem dentro dos olhos da sua parceira de estudo, surpreendendo-a com tal ato, e lançou uma pergunta inesperada, que nem sequer estava no livro.

– Hey girl –arqueou uma sobrancelha antes de continuar a pergunta, sem desviar o olhar do dela em um único segundo –, how often do you make a date with a boy?

Borboleta sabia que não devia fazê-lo, mas não conseguiu evitar arregalar os olhos após ouvir isso. E foi um reflexo bastante notável, visto que ela possui o contorno dos olhos estreitos, porém não tão exagerado quanto o de um asiático. Ao pensar no possível constrangimento que levaria caso não reagisse logo, tentou levar o resto de concentração que lhe restara ao questionamento. Mas havia um problema. Apesar de ter entendido o que ele perguntara, de alguma maneira se sentiu perdida com o seu inglês e a única coisa que saiu de sua boca foi...

– What?

Diu deixou transparecer um sorriso tão diabólico que Borboleta sentiu vontade de dar um soco naquele rosto tão maravilhoso por estar se divertindo às suas custas.

– How often do you make a date with a boy? – Disse ele por fim, claramente esperando por uma resposta sincera.

– Hã... Hã... I…I-I never make a date with a boy. – finalmente retrucou, odiando a si mesma tanto por ter gaguejado e bancado a idiota, quanto por não ter sido capaz de responder mais que isso em inglês.

Só que era verdade. Poderia ser um diálogo em espanhol, italiano ou alemão que o sentido da resposta seria o mesmo.

Mas, antes que Diu pudesse dizer alguma coisa a respeito, os dois ouviram uma voz feminina ecoando provavelmente lá do outro canto da sala amarela.

– Acabou a aula, pessoal. Vejo vocês na quinta.

Borboleta ficou tão assustada com aquela voz da professora ter interrompido aquele momento de tensão – ao menos para ela foi um momento de tensão –, que acabou derrubando seu lápis no chão atrás da cadeira, o que a fez levantar-se, virar-se e curvar-se para pegá-lo. Quando finalmente o fez, virou-se e infelizmente não viu mais diante de si aquele rapaz cujos atributos estava admirando até então. Sim, sem dúvida, um rapaz admirável.

Soltou um longo suspiro e começou a guardar suas coisas na mochila azul com estampas vermelhas, começando primeiro com o livro aberto na página das perguntas que estavam fazendo um ao outro. Contudo, de repente parou de fazê-lo ao notar uma espécie de rabisco cuja letra era completamente diferente da sua. Estava escrito algo no canto superior esquerdo do livro próximo à expressão “practice with a partner”, e era-lhe difícil decifrar o que dizia o rabisco, pois a letra estava muito feia e inclinada, como se o autor estivesse com muita pressa...

E, por fim, Borboleta entendeu.

O rabisco dizia “Thank you. D”.

Só podia ser ele. Só podia ser dele. Uma alegria repentina e doce tomou conta de seu ser e fez com que sorrisse. Ainda com o sorriso no rosto, levantou a cabeça e viu apenas a professora de braços cruzados perto da porta fitando-a com uma expressão parecida com “Não me importo de eu ir embora e deixá-la trancada sozinha aqui”.

Borboleta balançou a cabeça como se estivesse afastando os seus pensamentos de si e apressou-se em colocar as coisas na mochila. Em menos de dois minutos finalizou e quase saiu da sala correndo para não ter de encarar a professora.

Uma vez na escada da escola do seu curso de Inglês, pegou-se pensando que não via a hora de chegar na escola no dia seguinte e contar às suas amigas Gafanhota, Laranja e Camaleoa o que havia acontecido naquela maravilhosa tarde.

No caminho de volta para casa, Borboleta nem se importou com a quentura do sol devido à satisfação que sentia.

Gafanhota Decantus Cabrito
Enviado por Gafanhota Decantus Cabrito em 20/04/2017
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