O queijo (janeiro de 2017)

Era um queijo muito desejado, mas poucos poderiam realmente comprá-lo. Pesava seguramente mais de 10 quilos, era amarelado e grande, alto, e seu cheiro chegava até à rua onde despertava a atenção dos pedestres atentos. Ficava exposto na vitrina da pequena delicatessen da pequena cidade de Nova Lucerna.

Um dia, uma senhora que já ambicionava secretamente o enorme queijo havia muito tempo resolveu entrar para conferir a peça exposta. Entrou e foi diretamente ao atendente, que era também o proprietário da delicatessen. Era um homem grande, corpulento e de olhos incrivelmente azuis.

A senhora primeiro fez sua saudação, como manda o manual de boas-maneiras, e educadamente elogiou toda a loja. Além do desejado queijo também havia diferentes peças de salame penduradas por toda a parte, azeitonas e picles. Elogiou cada item da loja, ressaltando que não havia outro comércio como aquele na cidade.

O proprietário do comércio, já acostumado à bajulação e calculando que a senhora queria mesmo era chegar ao ponto de demonstrar interesse de adquirir o queijo que repousava na vitrina próximo à porta, assentia com cada comentário da senhora mas completava cada frase dela com um sorriso fechado, frio.

O proprietário acompanhou a fala da respeitável senhora bem vestida e muito eloquente mantendo o cuidado de não interferir em seu discurso. Finalmente, a senhora referiu-se ao queijo, mencionando que “um queijo como esses deve encontrar muitos admiradores”. O homem macilento concordou prontamente.

A senhora então quis saber o preço de uma porção, queria saber quanto valia aquele queijo que lhe atraía e encantava o olfato, queria saber como pôr fim àquela paixão que se prolongava para ela havia mais de um mês, desde o dia em que fora colocado em exposição na vitrina próxima à passagem de rua.

Com certa surpresa, a senhora ouviu do homem que aquele queijo era inestimável e que, portanto, não tinha preço. Foi o suficiente para que amarrasse a cara, empertigasse o nariz e saísse de fininho da delicatessen. O proprietário acompanhou com os olhos a saída da senhora, mas não ficou tocado pelo episódio.

No outro dia, o queijo ainda estava lá. Foi a vez de um senhor respeitável, provável profissional das leis (um juiz) que adentrou o pequeno comércio com o intuito de levar para casa um pedaço daquele queijo. Este não quis rodeios, portanto foi de uma vez ao proprietário e perguntou quanto o quilograma do queijo.

O proprietário não se sentiu impressionado pelo terno bem cortado e chapéu de grife do cliente. Com um sorriso confiante, respondeu-lhe que o queijo não tinha preço, que este era inestimável. Mas apontou para os salames pendurados por toda a loja e acrescentou que eram produtos de qualidade.

Não teve jeito. O senhor de terno e chapéu elegante deixou o estabelecimento depois de agradecer ao proprietário pela atenção que lhe havia sido dispensada. Educadamente sorriu um sorriso desapontado e retirou-se em passos lentos. De novo, o proprietário acompanhou com os olhos azuis a saída do cliente, mas não se mostrou abalado.

No outro dia, entra em sua loja uma criança, que carregava em um bolso a lista de compras de sua mãe. O dinheiro trazia no outro bolso. Entregou ao homem corpulento a lista, onde se lia “um pote pequeno de azeitonas e um pote pequeno de cogumelos”. E a mãe da criança também desejava “temperos para carne”.

O proprietário prontamente dispôs sobre o balcão os itens da lista da criança, um por um. Depois pôs-se a fazer as contas. Mas o menino nem observava os movimentos do homem, pois toda sua atenção estava voltada para o imenso queijo que não tinha preço. Foi necessário que o homem chamasse a atenção do menino.

Retirando o dinheiro do pequeno bolso do casaco, o menino dispôs as notas sobre o balcão. O proprietário contou atenciosamente o dinheiro e devolveu o troco pela compra realizada colocando as notas sobre o balcão. Segurando firmemente suas duas mãos enormes, perguntou ao menino se desejava algo mais.

O menino, ainda encantado com o queijo, respondeu que desejava sim “um pedaço pequeno daquele queijo enorme da vitrina” Desejava mais o queijo que qualquer coisa que comprava, e que “o senhor comerciante” por favor tivesse pena dele e lhe matasse o desejo de saborear tão grande maravilha que encantava os sentidos.

Novamente, o comerciante prosseguiu com o discurso de que não havia preço para o queijo, mas diferente do que fizera com os outros potenciais compradores, fez uma proposta ao menino. Que fosse ele para casa e fizesse uma pipa muito bonita. Se ele, o proprietário, gostasse da pipa o menino ganharia uma fatia grande daquele queijo.

O menino correu para casa atravessando as ruas como um louco e quase deixando cair as encomendas que levava para sua mãe. Chegando em casa, primeiro não quis conversa com a mãe, e esta também não enxergou nada de errado no comportamento do menino. O garoto foi direto para o quarto em busca de papel, cola, tesoura e ripas de madeira.

Não havia em casa tudo o que precisava para fazer uma bonita pipa, então pediu à mãe uma pequena quantia de dinheiro para fazer um trabalho para o colégio. A mãe, que preparava o almoço, não negou o dinheiro ao filho. Deu-lhe o troco das compras do filho e mais duas notas novas de dez reais.

Em dois dias, a pipa do menino estava pronta e era muito bonita, com rabiola colorida como o rabo de um dragão chinês. Levou o objeto à delicatessen e, como combinado, recebeu um pedaço generoso do queijo que era almejado por todos. Moral da estória: a espontaneidade de uma criança persevera onde outros são derrotados pela ganância.