"A garota da agenda"

O título fala de uma tal "garota",

mas essa história refere-se a um mulher adulta, trabalhadora e responsável por si só.

Mas ela se vê, ainda, como uma garota,

aquela essência de inocência e de sonhos ainda vive.

Ela é encantadora para todos que a conhece,

seduz com um olhar,

com palavras,

com gestos.

Tais características definem, talvez, uma mulher perfeita,

mas ela não é.

Perfeição totalizada não existe em nenhum ser humano.

Ela tem conflitos consigo mesma,

exagerada com coisas simples,

detalhista, insegura,

tem medo do destino,

medo do amanhã,

sua mente parece uma guerra,

mas isso ela não transparece para ninguém.

A agenda dela é cheia.

Cheia de pessoas, horários, compromissos.

Ocupa-se demasiadamente,

isso ocorre por um motivo.

Há anos atrás, a garota da agenda sofreu uma grande decepção,

a dor a trouxe uma terrível depressão.

Perdeu a vida, perdeu o rumo,

perdeu o simples sentido de seguir em frente.

A solução encontrada foi se ocupar.

Ocupar-se para não lembrar do que ela queria esquecer,

mas em cada esquina vinha uma lembrança do passado.

Aos poucos foi arranjando coisas para se ocupar.

Um filme sozinha no cinema.

Uma viagem no exterior a trabalho.

E-mails para enviar numa biblioteca vazia.

Casa para arrumar quando todos saíam.

Poesias escritas no luar das madrugadas,

quando a cidade dormia.

O calendário na parede todo marcado,

Hora marcada para acordar, dormir, sair.

Programações de última hora não existia em seu mundo.

Tudo antecipado em meses, semanas, dias...

para não ocorrer nenhum déficit em sua agenda.

Gostava de estar sozinha, mas estava sempre rodeada de gente.

Se privava da vida e se afastava de tudo e de todos.

O mistério na vida e no olhar dessa moça surgia aos poucos,

Vivia só, porém ocupada.

Era feliz, mas não compartilhava sua felicidade com ninguém.

Foi amada, mas para ela não valia de nada.

Na multidão sentia-se só.

Que vazio absurdo habitava nela,

Vivia intensamente,

com objetivo de viver apenas para si e não para os outros.

Analisando bem, ela estava certa em ser e agir assim.

Não devia nada para ninguém,

fazia o que queria,

mas tudo para ela tinha limite.

Tinha princípios.

Festa marcada, aula agendada.

Fim de semana estava ocupada,

de todos da turma, a mais dedicada.

Exagerada,

pela vida foi marcada.

Ligação não atendida,

logo retornava.

Chorava, sorria, berrava...

Amava,não demonstrava.

Corria contra o relógio, nunca se atrasava.

Morta por dentro, feliz por fora.

A agenda dominava-a,

isso ficou fora de controle.

Ela se cansou,

queria livrar-se das ocupações solitárias da vida.

Queria alguém para se curar,

se libertar,

ou mesmo dividir a agenda.

Quem sabe um dia a agenda deixe de existir e ela volte a sorrir:

acompanhada.