969 - O SABIO QUE PLANTAA TAMAREIRAS - Humor

Série Enrolando o Leitor

Em minhas caminhadas pelo mundo, ocorrem encontros e acontecimentos que gosto de narrar aqui a fim de mostrar aos leitores que nem tudo é o que parece ser. Aliás, na maioria das vezes, enganamo-nos redondamente com o que vemos ou ouvimos.

Passava eu pelas bordas do deserto, onde a areia adentra-se pelas savanas, sufocando as últimas plantas verdes e cobrindo tudo de um lençol estéril, quando me da deparei com uma cerca de pedras delimitando um terreno ainda com alguns sinais de plantas rasteiras.

Dentro do cercado, um velho, bem velho, barba branca chegando à cintura e cabeça protegida por um estranho chapéu. Vestia uma túnica rústica e nos pés, sandálias de couro talvez feitas por ele mesmo.

Em covas já abertas, o velhinho enterrava sementes de tâmaras. Estranhei aquela visão. Passei a mão pelos olhos para ver se não era uma miragem do deserto, dessas que enganam os viajantes com visões de oásis verdejantes e fontes de água fresca.

— Plantando tamareiras, meu bom sábio?

O velho não respondeu. Minha estranheza aumentou, pois as tamareiras levam pelo menos oitenta anos para começarem a produzir.

— Porque o senhor planta tamareiras, sabendo que quando elas produzirem, na certa o senhor não está mais aqui para colher?

No silêncio. Na demora da resposta, pensei nas explicações que o sábio estaria pensando em me dar.

“Sei que não colherei as tâmaras das plantas que

advirão dessas sementes que estou lançando, então tento fazer com que as areias parem de invadir a savana”.

Ou poderia estar pensando em responder-me com mais sabedoria ainda:

“Faço a minha obrigação com nosso Planeta, tentando equilibrar as devastações que são feitas em todo o mundo”.

Ou, pensei eu, ainda poderia me responder:

“Obedeço ao primeiro mandamento da natureza, que diz: Plantarás toda semente dos frutos que comeres, como fazem todos os animais.”

Enfim, virando-se para mim, o sábio ancião descobriu a cabeça e disse:

— Ora, vá lamber sabão. O terreno é meu e planto o que eu quiser. (1)

=.=.=.=.=.

[1] — Para ser franco, o sábio usou uma expressão muito mais forte do que “vá lamber sabão”, que o leitor pode facilmente adivinhar. Mas, além de enrolar o leitor, não quero faltar com o devido respeito.

=.=.=.=

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 2 de novembro de 2016.

Conto # 969 da Série 1.OOO Histórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 23/02/2017
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