TEMPO/HISTÓRIA

Já eram quase duas horas da tarde, estava ansiosíssimo, precisava ver meu Delfos e conhecer meu incerto futuro, finalmente chegou, o espelho da sala duplicava sua figura singular: Magro, esbelto, um ar de quem tinha a cabeça nas nuvens, um pé na terra e outro nos tempos. Trazia consigo a lembrança do fugaz limite entre a esperança e o esquecimento, era Jorge Luís Borges, o escritor, o feiticeiro, o sábio. Não sei porque, mas toda sua figura me lembrava outro singular, Salvador Dalí, o pintor das surrealidades; não podia esconder minha alegria, imersa em nervosismos e excitações.

Antes que eu pudesse falar, ele me ensinou sobre Tirésias, e sua bondade de esconder de Édipo, seu trágico futuro.e ele preferia, como também o outro cego, esconder de mim o que sabia, e me entreter com oráculos díspares.

Proteu

Antes que os remeiros de Odisseu

Fatigassem os mares cor de vinho,

As inapreensíveis formas adivinho

Daquele deus cujo nome foi Proteu.

Um pastor dos rebanhos desses mares

Que possuía o dom da profecia

preferia ocultar o que sabia

e entretecer uns oráculos díspares.

Urgido pela gente, assumia

A forma de um leão, de uma fogueira

Ou de árvore que ensombra a ribeira

Ou de água que na água se perdia.

Com Proteu, o egípcio, não te assombres,

tu, que é um e ao mesmo tempo muitos homens.

Suas palavras eram constantes, desconcertantes, diretas, mas ao mesmo tempo não.O que é o tempo, mestre Borges?

O tempo é um ficção, o que chamamos de tempo, é o desgaste das coisas materiais, no plano metafísico tudo é perene. O que existe é história, você quer saber sobre?- Sim, claro, respondi prontamente, -Se você conhecer o que é história, você conhecerá o seu futuro- Me levantei para pôr a água do café no fogo.

A história se faz através da sensibilidade e criatividade. Nossas narrativas sobre o tempo são frutos de nossas memórias. História e memória fazem partem de uma mesma família. Uma das mais maravilhosas musas, importante para a civilização, foi a filha de Mnemonsne e Zeus, a musa Clio. A memória é mãe da história.

--A história está revelada nas pirâmides do Egito, que possuem três vértices e uma base quadrada, o número quatro representa o mundo físico, as quatro estações, os pontos cardeais. Na biblioteca Nacional de Pequim, está a única cópia do livro sagrado do faraó Tântis, esse foi o arquiteto de todas as pirâmides, primeiro faraó das terras do Nilo, Egito, quando este nem existia. Ele a concebeu orientado pelos deuses, da sabedoria e força, e são elas, as pirâmides, a chave para se conhecer o físico e o metafísico, perfeita metáfora, o espelho dos mundos.

Todavia, para os simples, será um labirinto, sem fim ou começo, que sempre volta à uma das três vértices.

Nas pirâmides estão grafadas os escritos da vida. Entretanto, a chave para se conhecer a vida e os segredos da imortalidade, foram perdidos, com a morte de Tântis, traído pelo sacerdote Uchahap, em um duelo que ficou conhecido como a Batalha dos de cima contra os de Baixo, que dividiu a terra em Alto e baixo Nilo. Milênios depois se unem e se tornam o Egito que conhecemos hoje.

Na perda do conhecimento de viver para sempre, nos apegamos às memórias, e a partir delas, inventamos a História. Isso nos divide, por um lado temos a certeza que são apenas lembranças, convenientes interpretações do que passou, irreais, tantas vezes, por outro, construímos nosso conceito de verdade a partir delas, memórias de outros, mais fortes e violentos, e a chamamos verdade histórica. cada um constrói seu discurso como convém à sua memória.

Servi o café, a conversa estava boa, ele continuou:

Habitante de areias receosas,

Meio deus, meio fera marinha,

Ignorou a memória que, definha

Sobre o ontem e as perdidas coisas.

Outro tormento padeceu Proteu

Não menos cruel, saber o que encerra

O futuro: uma porta que se cessa

Para sempre o troiano e o aqueu.

Capturado, tomava a inapreensível

Forma do furacão ou da fogueira

Ou do tigre de ouro ou da pantera

Ou de água que na água é invisível.

Tu também estás feito de inconstantes

Ontens e amanhãs. No entanto, antes…

-As pirâmides egípcias são construções, assim como a história humana, entretanto, suas três vértices nos remetem às três forças que fazem a história acontecer, o mundo girar. São simulacros, entenda as pirâmides e entenda tudo. Elas formam círculos, onde todas as coisas estão relacionadas.

As forças são, o mítico, os deuses, ou Deus, a religião ou destino o mundo real, o metafísico. O homem, arquiteto da sua própria vida, é a segunda vértice, e a terceira, podemos chamar de sociedade, o governo, o outro.O futuro é uma porta que se acessa para sempre o troiano aqueu. Futuro é um outro nome para consequências.

-Não somente Deus agindo nos acontecimento, nem minha própria força, minha meritocracia, ou mais ainda o outro, a sociedade, o governo, disse eu

-.Sim, falou Borges, a chave é o relacionamentos entre estes. como relacioná-los? Imediatamente se levantou, e sem dizer adeus, partiu. Foram alguns minutos, senti o peso da eternidade, o momento.

. O café estava frio, mas eu, feliz.