A Gaiola Mágica.

Em outro conto, eu já declarei que meu pai era criador de pássaros e que ninguém fizesse mau juízo, pois vivíamos outra realidade, onde não existia proibições neste sentido. Reforço o enunciado.

Tínhamos um quintal bastante grande, por onde eram espalhadas as gaiolas e outo tanto dentro de casa. Eram mais de cento e cinquenta aves sem contar os canários que geralmente viviam acasalados.

Teresina era uma cidade pacata, quando acontecia um assassinato isso virava notícia pra mais de mês, com as pessoas assombradas, dizendo que já não dava para se viver lá. Arruaceiros normalmente eram presos por crime de vadiagem e bêbados de botecos ninguém levava em conta. Não existiam assaltos e ainda hoje são conhecidos os famosos “ladrões de galinhas.” Nessa época, nem se imaginava na possibilidade de um dia aparecer empresas de segurança patrimonial. Quem cuidava disso em nossa casa era nosso cão Pataco, que virou Ésquilo pelos caprichos de minha mãe. Era um pastor belga que impunha respeito. Estranho não entrava em nossa casa desacompanhado. Assim, nossas gaiolas estavam protegidas à noite.

Entre nossos pássaros havia um Pássaro Preto ou Chico Preto, como era mais conhecido. Todos sabem que é um pássaro de canto mavioso e para completar, esse era tão manso que vivia mais solto que na gaiola que permanecia sempre com a porta escancarada. Ele entrava e saia quando bem queria. Tendo as asas compridas ainda assim não fugia. Nossa única preocupação era com algum gato que aparecesse com fome ou mesmo por traquinice quisesse pegá-lo.

Um dia, meu pai fez uma pergunta a minha mãe que soou esquisita, pois minha mãe não colocava as mãos em gaiolas e depois porque ela os queria soltos na Natureza. A gaiola do Chico Preto teria saído de um lugar para outro e não fora meu pai quem a tirara, portanto, só poderia ter sido minha mãe. Ora aquilo fez com que meu pai pensasse ter se enganado, ainda assim, nada convencido, passou a ficar mais atento.

O caldo entornou no dia seguinte quando minha mãe tinha ido à feira. Meu pai acabara de colocar alimento na gaiola com o Pássaro Preto dentro, fora ao quintal e no retorno notara que a gaiola havia mudado de um lugar para outro, percorrendo uma distância de três metros. Aquilo era absolutamente anormal, se é que ele não estaria ficando doido. Meu pai não era homem de acreditar em fantasmas, mesmo já tendo presenciando algumas manifestações estranhas. Por levar a vida muito a sério, não era do tipo que suportasse descrédito a sua palavra que uma vez prolatada virava lei. Ainda era do tipo e do tempo em que cofiava os bigodes com óleo de mutamba, um fio de seu bigode valia tanto ou mais que a palavra do Rei Jorge VI do Reino Unido. Que barbas eram não apenas sinal de respeito como impunha respeito. Se ele contasse uma história daquela e o cabra sorrisse com deboche, a merda iria ferver rapidinho. Mesmo porque, ele acreditava no que lhe contassem, mesmo que houvesse margens claras para fraudes.

Ficara muito intrigado com aquele acontecimento, mas pelo menos agora ele tinha certeza que não lhe tinha pregado uma peça minha mãe. Iria ficar calado, aguardando os desdobramentos, pois certamente ainda teria muito mistério pela frente. Nas duas semanas seguintes nada acontecera o que lhe aumentava ainda mais a ansiedade. O pássaro preto dormia na gaiola com a portinhola fechada e era libertado pela manhã. Essa gaiola era a de longa a mais vigiada e minha mãe já tinha notado que alguma coisa estava fora dos trilhos. Meu pai andava taciturno, ele que já não falava muito. Meu pai acordava muito cedo para colocar comida e limpar as gaiolas. Quem não cria pássaros e nem tem aquário, não sabe o trabalho que isso representa na vida de um cristão.

Meu pai teve a ideia de retirar essa gaiola do prego da parede e colocá-la dependurada a um gancho sob a mangueira do quintal e ainda assim amarrada para que num vento mais forte não se despregasse. Um dia pela manha, o tempo frio, mas sem vento, essa gaiola passou a balançar sozinha e era a única nesse movimento. Parecia o pêndulo de nosso relógio carrilhão, só que o carrilhão tem um movimento uniforme e a gaiola a cada embalo subia mais, deixando o pássaro preto irrequieto. Meu pai via tudo pela fresta de uma das janelas do quarto dele. De repente resolveu abrir a janela e o espanto foi ainda maior. Como se estivesse sendo vigiado viu a gaiola que estava num embalo maluco parar misteriosamente, como se uma mão a retivesse instantaneamente. Só então o pássaro preto se aquietou na tala da gaiola.

Aquilo já tinha passado da conta, meu pai saiu do quarto, deu a volta na casa e ao chegar ao quintal teve uma surpresa de cair o queixo. O Pássaro Preto tal um beija-flor batia as asas freneticamente, adejando no interior da gaiola e essa flutuava no ar despregado do gancho da mangueira, fazendo movimentos circulares até aterrissar suavemente como se fosse um helicóptero. Em seguida levantou voo novamente, saindo de mundo afora até se perder de vista. Nosso pássaro voou com gaiola e tudo de mundo afora e nunca mais retornou nem foi visto.

Meu pai ficou numa enrascada sem fim. Não poderia contar isso pra ninguém, minha mãe sabia que o pássaro não tinha sido vendido nem morrido, mesmo que algum bicho tivesse comido o pássaro, teria ficado vestígios de penas e a gaiola. Roubado com nosso cão Ésquilo consentindo era algo que ultrapassava o absurdo. O certo foi que partindo dessa data, meu pai começou a se desfazer dos pássaros, vendendo-os, doando-os ou os concedendo alforrias na natureza até que nenhum desses havia mais em nossa casa. Ficamos sabendo desse real causo contado com minúcias por meu pai, exatamente um mês antes de sua alma fugir da gaiola de seu corpo, levantando voo para sempre...

São coisas de minha terra.

Um Piauiense Armengador de Versos
Enviado por Um Piauiense Armengador de Versos em 21/01/2017
Código do texto: T5888370
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