O SOBRINHO DO VIGÁRIO

O vigário da cidade andava todo prosa, comentando a chegada de seu sobrinho. Rapaz inteligente e estudioso de fazer gosto. Se decidisse entrar para o Seminário, dizia o padre, a Santa Madre Igreja ganharia mais um valoroso combatente do evangelho. Seus olhos brilhavam quando falava do garoto. Alguns paroquianos, impressionados com o discurso do padre, já aguardavam a chegada de um gênio. Outros, mais cautelosos, desconfiavam um pouco do excessivo fervor daquela ladainha. As más línguas (e havia delas de sobra na paróquia!) já comentavam tanta louvação. Era muito elogio para um simples sobrinho. Ninguém gasta tanto latim para louvar o santo de outra paróquia. Que sobrinho nada! A coisa estava mais pra filho. Ajuntando o descuido do vigário com o assanhamento de alguma devota sirigaita tinha dado nisso. Um rebento com fama de sobrinho. E o vigário todo bobão, mal disfarçando a corujice. Esse tipo de suspeita vira boato num piscar de olhos, depois se espalha feito fogo em palha seca. Já não se falava noutra coisa. Quando chegaria o filho do vigário?

Aproximava-se a festa da padroeira. As comemorações mobilizavam toda a cidade. Missa, coral, quermesse, baile. Era melhor do que festa junina. O vigário agora andava anunciando uma surpresa e fazia mistério. A curiosidade picava as beatas como cobra venenosa. Elas sabiam que a chegada do sobrinho não era a única novidade alardeada pelo vigário. Suspeitavam de alguma coisa ligada à festa da Padroeira. Não deu outra. No domingo anterior à festa chegou o sobrinho do vigário e foi enfim revelado o segredo. Durante o sermão, esbanjando contentamento, primeiro apresentou seu sobrinho. O rapaz, com cara nada inteligente, não despertava maior interesse, mas todos o encaravam em busca dos traços do genitor. Havia muita semelhança. Mas, qual a surpresa de um sobrinho parecer com o tio? Não são todos do mesmo sangue? Argumentava o vigário com seus botões. E logo anunciou a grande surpresa do dia. A imagem da santa chegaria à Igreja matriz de helicóptero. Um fazendeiro rico da região tinha patrocinado essa façanha. Arcaria com todos os custos em agradecimento a uma graça recebida. Um espanto na igreja. Isso sim era uma surpresa, um feito memorável. Imagina, nunca se tinha visto nenhum helicóptero sobrevoando a cidade. Comparada com essa novidade, a chegada do filho do vigário ficou uma coisinha sem importância.

Durante a semana a cidade vivia os preparativos para a festa. Igreja lavada e enfeitada, salão da quermesse encerado, tudo uma beleza. Era tradição comemorar a entrada da santa na matriz com um foguetório. Isso deu ao vigário uma idéia. Combinou com seu sobrinho a realização de uma bateria de fogos, juntando os rojões num único local e estourando todos ao mesmo tempo. Por questões de segurança, a geringonça seria montada no quintal da casa paroquial. Seria muito bom associar a imagem de seu sobrinho à realização de algo nunca visto na paróquia, como aquela bateria de fogos. Tudo acertado, o vigário solicitou aos paroquianos que encaminhassem os rojões à casa paroquial. Seu sobrinho iria preparar uma bateria memorável. A maior parte da população nem sabia do que se tratava, mas confiavam no vigário. Mais de 500 rojões foram entregues. O vigário explicou ao sobrinho como montar a bateria em duas partes, para explodir em dois momentos, na chegada do helicóptero e na entrada da imagem na igreja. Explicou ao rapaz para enfileirar todos os rojões, apoiando os pavios numa fileira de tijolos e derramando sobre ela um rastilho de pólvora. Na hora certa, era só acender um fósforo no rastilho. As explosões seriam comandadas pelo vigário no autofalante. O sinal seria o “Viva a Padroeira!”, após o pouso do helicóptero. A segunda bateria seria acionada no segundo Viva, com a imagem adentrando à igreja.

No momento certo, o helicóptero pousou na praça. O vigário gritou o primeiro viva. Imediatamente estouraram os fogos. O povo emocionado na praça com aquela novidade. Quando a imagem começou a entrar na igreja, o Padre tornou a gritar “viva a padroeira!”. Nada. Aumentou o volume do autofalante berrando “viva a padroeira”. Nada. Não havia segunda bateria. O sobrinho do vigário tinha montado as duas baterias coladas uma na outra. No primeiro estouro uma fagulha acendeu a segunda. Ignorando o acontecido, o vigário tentou mais um viva, sem sucesso. Os fiéis notaram o desconforto do padre. Aí, não se contendo mais, o vigário berrou “solta a segunda bateria, meu filho, pelo amor de Deus”. Nada. Primeiro um silêncio constrangido, depois risos desbragados. O vigário pensava que o riso era pela falha da bateria, e com essa desculpa, o povo ria à vontade da estória esfarrapada do sobrinho.

Domingos Sávio ferreira
Enviado por Domingos Sávio ferreira em 19/01/2017
Reeditado em 18/02/2017
Código do texto: T5886455
Classificação de conteúdo: seguro