937-COMIDA PARA JACARÉ

COMIDA PARA O JACARÉ

— Vamos tomar banho no laguinho da mata?

— Oba, que boa idéia!

— Eu não posso.

— Por quê?

— Ah! Não trouxe o biquíni.

— Eu também não.

— Ara, lá nunca vai ninguém. A gente pode ficar pelada.

— É mesmo?!

As quatro moças procuravam aproveitar o máximo a semana que passavam na fazenda do avô de Zuzu. Já tinham feito todas as estripulias possíveis, só faltava mesmo um mergulho no pequeno lago, escondido no meio da mata. Lugar fresco, delicioso e quase secreto.

Berenice, Ieda, Marcinha e Zuleika, amigas inseparáveis desde a meninice, agora lindas jovens alegres e bem dispostas, combinaram passar aquela semana juntas, comemorando o término da faculdade. Era como que um marco, deixando para trás a vida de estudantes para entrar na vida profissional.

— Mas prá onde iremos?

— Uma pousada numa praia do nordeste!

— Muito caro. Viagem de avião e nesta época do ano os preços estão nas alturas.

— Uma semana em Campos de Jordão!

— Endoidou? Ninguém agüenta pagar as diárias.

— Já sei! A fazenda do meu avô.

— Fazenda? Do seu avô? Onde que é?

— Na serra da Mantiqueira. Fica a duas horas daqui, de carro.

— Hummm... Sei não...

— É uma delicia. Casarão muito grande, bem conservado. Ele e a vovô vão ficar contentes com nossa presença. Ele é muito brincalhão, uma peça, um velhinho notável.

— E a gente passando uma semana na roça...?

— Boba, la tem cavalos para passear, criação de gado leiteiro, uma mata cerrada, quase virgem, com pequenos lagos escondidos... Chega a ser até romântico.

Depois de alguma conversa, concordaram.

Já estavam no quarto dia de agradáveis passeios a cavalo, explorações por lugares recônditos, novidades rurais e muita comilança. A vovó Taninha havia mandado servir as comidas mais saborosas e fazer deliciosos doces e quitandas. Muitas vezes, ela mesma, no meio das empregadas, botava a mão na massa e produzia quitutes que maravilhavam as moças.

Vovô Leandro, que ainda administrava com pulso de ferro a enorme fazenda, mesmo com a idade de setenta e poucos anos, era um bonachão. Calmo, transmitia a todos uma sensação de completa harmonia com toda a natureza. Lia muito e seu prazer era contar anedotas e fazer trocadilhos. E preparar brincadeiras ardilosas, inocentes e muito engraçadas.

Já um pouco cansadas de tanta atividade, resolveram ir, lá pelas três da tarde, a hora mais quente do dia, refrescar-se no pequeno lago da mata.

— Vovó. Vovô, vamos nadar no laguinho da mata.

— Vão com Deus.

Para vovô Leandro, sua neta Zuleika e as outras moças não passavam de meninas. E assim as tratava.

— Vocês sabem o caminho, garotas?

— Sim, vovô, pode deixar.

E lá foram elas.

E o velho começou a pensar numa brincadeira, numa peça a pregar nas garotas.

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Na mata fechada, a trilha era quase imperceptível. Sinal de que ninguém passara por ali há tempos.

— Cê tem certeza que é por aqui, Zuzu?

— Claro, cansei de vir nadar na lagoinha.

Chegaram e sem mais delongas, foram tirando as roupas. Haviam combinado brincar nuas e com gritinhos histéricos foram entrando na água, fria apesar da hora, pois era um lago de montanha entre a mata cerrada.

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Vovô Leandro já tinha planejado a brincadeira.

— Vou colher uma frutas no pomar, Taninha.

— Trás umas mangas, que elas estão deliciosas.

E lá se foi o velho com a cesta dependurada no braço. Passou direto pelo pomar e seguiu a trilha (ou quase trilha) para o lago onde estariam as moças. Chegou devagar, sem fazer barulho, e detrás de umas moitas observou.

— Ah! Mas as meninas estão peladas! — Falou consigo mesmo, num cochicho intimo. — Por essa eu não esperava. A brincadeira vai ficar melhor ainda.

Apareceu de súbito, assoviando alto, avisando a sua presença.

Quando as meninas viram o velho, elas estabanadamente foram para a parte mais funda do lado, mantendo apenas as cabeças fora da água.

Zuleika, a neta, gritou:

— Vovô, que brincadeira é esta?

Ieda gritou:

— Não sairemos enquanto o senhor não for embora!

E o velho, rindo, respondeu:

— Eu não vim aqui para ver vocês nadar ou sair nuas do lago.

Levantando o cesto, ele gritou:

— Vim aqui só prá dar comida pro jacaré...

Podiam-se ouvir ao longe os gritos, berros e espadanar da água, enquanto as moças saiam da água, as mãos tentando esconder as partes íntimas.

Vovô Leandro afastou-se com sonoras gargalhadas.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 20 de novembro de 2015

Conto # 937 da série 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 16/01/2017
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