Maria Machadão

Já contei centenas de vezes a minha história. Contei ao juiz, ao promotor, a polícia, as detentas, aos familiares, aos vizinhos, aos curiosos por isso resolvi escreve-la, tal como aconteceu, prometi a mim mesmo, que jamais contarei essa história que se passou comigo na década de 50.

Eu tinha apenas 13 anos, e fui obrigada a casar com um amigo de meu pai, na época ele tinha 20 anos, era alcoólatra e muito violento. Na noite de lua de mel, fui violentada barbaramente, já se passaram mais de 60 anos, mas ainda lembro-me daquela noite de tormentos.

E o tormento foi se prolongando a cada dia, pedi ajuda a polícia, família e amigos, e todos me disseram que era a minha sina, meu destino estava escrito nas estrelas, nasci para sofrer nas mãos de um monstro humano.

No final do sétimo ano, nasceu meu filho, e durante toda a gravidez sofria violência doméstica em todas as áreas. Estava magra, machucada e deprimida e pensei dar um fim, aquela triste história e por dias, noites, semanas e meses maquinei todos os detalhes da morte do meu algoz.

Se você me perguntasse, você não pensou no seu filho? Pensei, que ficaria distante dele, mais um dia voltaria a abraça-lo, pensei que precisaria ser forte na cadeia, enfim pensei em tudo, até que seria chamada de assassina. Enfim, fera ferida, faz coisas absurdas.

Fui até a cidade vizinha e comprei um forte sedativo, precisava sedá-lo bem, pois ele era um homem forte. Também preparei o machado, amolei quase cem vezes para ficar bem afiado. O machado eu sabia lidar muito bem, pois ia sempre a floresta buscar lenha.

Era uma sexta-feira 13, o dia estava nublado, triste e tedioso e logo de manhã disse a ele, que para o jantar faria uma deliciosa buchada com bastante pimenta, que era seu prato predileto, e também um saboroso doce de abobora com coco o qual ele se deliciava.

No final do dia, ele voltou pra casa, estava bem manso, tomou banho e depois sentou à mesa e tomou alguns goles de pinga, estava feliz pois iria jantar a sua última dobradinha. Eu estava tensa, nervosa mas procurava disfarçar o meu nervosismo.

Fiz um generoso prato e coloquei todos os comprimidos triturados na buchada, para o sedar, ele comeu deliciosamente e até rapou o prato, e no final ainda me humilhou. Tomou uma caneca de água e mais um copo de pinga. Por um instante ficou olhando no horizonte sem fim, falou, falou com o de costume e eu sempre calada, lavava as louças sujas na bacia.

Depois de algum tempo ele caiu no chão e dormia e roncava como um porco. Neste interim peguei meu filho de alguns meses e deixei na casa de uma vizinha, dizendo que era por pouco tempo. Ela percebeu que eu estava nervosa, não perguntou nada, pois sabia de minha dor e sofrimento.

Voltei para casa, peguei o machado e com todo ódio do mundo, degolei o meu algoz, a fúria era tanta que também decepei o seu órgão genital. E o sangue corria a cântaros e eu estava feliz, e ria e chorava ao mesmo tempo, pois tinha cessado aquele ciclo de violência.

Tomei banho, arrumei uma pequena trouxa de roupa e fui até a delegacia contar o sucedido, ninguém acreditava em mim, somente depois de ver com os próprios olhos é que ficaram assustados.

Fui presa e julgada e cumpri 20 anos de prisão, e lá no presidio eu era conhecida como Maria Machadão, e todos queriam ouvir a minha história. E foi atrás das grandes que tive uma profunda experiência com Deus, e isso mudou completamente a minha história, senti me perdoada por Deus.

Aos quarenta anos deixei a prisão, encontrei um esposo maravilhoso e casei-me novamente e tive outros filhos, e já tenho muitos netos. Meu filho também me perdoou. Hoje estou com 80 anos, e ainda fico triste pois a violência doméstica contra as mulheres continua, e o Estado tem feito pouca coisa e como já sou uma velha de cabelos brancos, digo a todas as mulheres mais jovens não faça o que fiz não vale a pena, e não chore por nenhum homem, eles não merecem, e isso me faz lembrar uma canção que cantava quando ia lavar roupa no rio, onde minhas lágrimas eram levadas pela correnteza.

“Marmelo é uma fruta gostosa, que dá na ponta da vara, mulher que chora por homem não tem vergonha na cara”.