Beleza - Conceito cruel.

A noite de trabalho seria longa, sozinho naquela recepção. Como no início de qualquer turno, saí para apagar as luzes externas do hotel. O calor estava insuportável, insetos batiam suas asas de forma frenética envolta de cada lampada daquele corredor enorme. Logo na porta, no chão, um besouro enorme, amarelo, com um tipo de chifre todo retorcido e uma carapaça cascuda e manchada de marrom andava com suas perninhas minúsculas pelo chão. Olhei para aquela criatura horrenda e não cheguei nem a pensar no que fazer, num reflexo de instinto e asco, pisei no bicho com força, fazendo um estalo do estouro de sua casca grossa e chutei o corpo dilacerado do inseto que voou por cima da escadaria e caiu na sarjeta da calçada. O pisão e o chute foram por reflexo, mas também descarregaram certa raiva, o stress daquela noite de trabalho que começava no momento em que já me via exausto.

Continuei caminhando pela área externa, circulando o prédio e apagando as luzes. O último interruptor fica ao lado da janela do escritório e apaga duas luminárias que ficam bem em cima da mesma. Antes de apagar essa luz, olhei para cima, para a luminária, eram dois globos brancos suspensos por um tubo de metal encurvado para cima como um gancho. Reparei que em um dos tubos havia algo grudado, parecia uma sujeira. Estiquei a mão em direção a tal sujeira para retirá-la e então, olhando melhor, reparei que se tratava de um casulo de borboleta. Fiquei olhando, nunca tinha visto um de perto antes. Era bonito, uma crosta marrom reluzente, cheia de riscos, como desenhos da asa de uma borboleta. A proximidade com a luminária dava um aspecto melhor ainda. O casulo começou a tremular, pensei ser o vento, mas não era. A casca começou a rachar e eu estava presenciando o nascimento de uma borboleta. Fiquei tão admirado que até esqueci como estava estressado e exausto. A mão ainda estava esticada em direção ao casulo enquanto tudo isso acontecia. aproximei mais a mão, porém com cuidado para não tocar na casca que se rompia com medo de interferir de alguma forma no processo que parecia ser algo tão delicado. A cabeça apareceu, e duas anteninhas se desenrolaram de forma graciosa. As asas vieram em seguida, eram laranjas com desenhos pretos e uma mancha amarela em cada, uma simetria perfeita. A borboleta recém-nascida saiu do casulo direto para a minha mão. Ficou pousada em meu dedo movimentando as asas lentamente, abrindo e fechando, e eu admirando tudo aquilo da forma mais perplexa, tentando não me movimentar de forma brusca para não ferir aquela beleza da natureza que surgira me surpreendendo e mudando meu humor naquela noite de trabalho massante. O bater de asas foi acelerando, até que alçou voo, partindo em direção às árvores do canteiro central da avenida.

Depois de acompanhar toda sua trajetória até o alto de uma palmeira, voltei pra recepção sorridente. Sentei, abri o sistema e imprimi alguns papéis para começar a elaborar os relatórios diários. Ainda com um sorriso bobo no rosto, comecei a pensar em tudo que tinha acontecido e me dei conta de uma coisa. O besouro e a borboleta eram insetos, sim, espécies diferentes de uma mesma classe de animais. Ambos com suas funções na natureza e inofensivos ao ser humano. Me dei conta de que, de forma automática, a gente acaba protegendo e superestimando aquilo que nos agrada aos olhos e, em mesmo grau, agredindo aquilo que achamos feio ou disforme, mesmo que não represente ameaça, apenas para livrar nossos olhos da visão do que não nos agrada. Fiquei pensando nisso um bom tempo, e lembrando das vezes em que pratiquei isso em relação a pessoas ou vi pessoas praticando isso entre si. Mas depois, comecei a me sentir tolo pensando em tudo aquilo e disse para mim mesmo:

- Não seja bobo, Vinícius! Afinal, pessoas matam besouros todos os dias. Não é mesmo?