Lívido Adeus

Caminhava ébrio, sem ter na minha frente à verdade ou a mentira. Meus passos levam-me ermo por uma selva de ciprestes mortos... A Lua vermelha, no céu escuro, iluminava as trilhas entre as nuvens negras.

Seguindo por esse bosque de desilusões, reflito sobre meu ser... Tudo o que fiz... Minha vida amargurada e tudo que me levou a esta condição. Os amores pedidos em meio aos vapores do tempo, os momentos incompletos que permeiam exata existência desde a infância...

E aqui estou em minha jornada noturna sem fim, deixando apenas um rastro de lagrimas salgadas... Migalhas que me ligam ao passado sombrio.

Encontro, então, um banco de pedra, a erguer-se como uma lápide escura em meio às trevas de um cemitério. Sobre ela, uma dama em vestes brancas a esvoaçarem e revelarem suas formas femininas nuas e brancas.

Diante de tal visão meu peito palpitou como há muito tempo não sentia. Era o amor que como uma chama corroía-me por dentro. Pois a minha frente havia um anjo.

Sentei-me, calmamente, sobra o assento de granito, sem tirar meus olhos daquele anjo tão casto... Aquele momento, ao lado dela... Um momento que pensei nunca mais se repetir. Temi ser tudo apenas um sonho... Um daqueles devaneios que tomam os incautos desprevenidos, refletindo apenas os prazeres perdidos e inalcançáveis.

Mas o olhar daquele anjo feminino, a fitar-me minha pele lívida... O brilhar das luzes de sua alma, e o decorrente beijo enamorado que seus lábios virgens deram-me a certeza de que tudo isso é a mais pura realidade... A realidade que somente nas trevas pude ter, sentir e tocar, com meus dedos gélidos.

Perante o amor de minha noiva, a natureza noturna se calou. E somente o canto amaldiçoado do urutal surgia como uma musica poética de melodia triste em alusão ao passado fúnebre do sentimento que neste momento ressurgia.

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Ao amanhecer, meu corpo lívido jazia frio sobre as folhas mortas, sem o doce sabor da vida... Fui encontrado por amigos, que choraram minha partida sem adeus... Alguns viam em minha partida um fio de felicidade. Desde que minha amada noiva morreu de misteriosa doença encontrava-me triste e melancólico, buscando a morte com meus olhares úmidos. No entanto agora, morto, eu sorria feliz...

O mistério do meu desencarne, por certo tempo tomou a mente de todos, mas minha lembrança, sob prantos foi esquecida no decorrer dos meses...

E no bosque, durante as noites sombrias, dois vultos pálidos vagam harmoniosos por toda a eternidade...

Escrito originalmente por volta de 2006