Mal cai a tarde, a noite cobre o céu com o negrume de seu manto. A vela tremeluz fantasmagórica e vultos vagueiam na antiga senzala. Assombração. “Tem dinheiro enterrado lá, fazendo assombração — disse João Velho —   Pururuca viu uma luzerna...” 
— Pururuca não é certo da cabeça, quem acredita nele? — interrompe Nhá Santa.
 — A mãe! A mãe dele  disse que também viu.
–— Mas a mãe de Pururuca morreu.
— Morreu sem libertar a alma que enterrou dinheiro na casa abandonada. Se ninguém desencantar o tesouro, a alma fica presa nele, porque depositou seu coração no tesouro. É preciso arrancar o cabedal, senão a alma  fica vagando, sem rumo e sem luz.
— Muitos ocupam todo o espaço de seu coração com as coisas do mundo, e sobra pouco espaço para Deus.
— Uai, Nhô Velho! falando mesmo é de cabedal. Debaixo do pé de oiticica também se vê luz de visagem. Muita gente já viu.
— Nunca vi! Corina disse que é fogo fátuo. Gordura da oiticica ou de algum animal morto.
— Pode ser. Mas quando era pequeno, José Lino ouviu uma criança chorando, na tapera da senzala, perto do curral, e fugiu correndo.
 — Chorou mesmo! Corina batizou o menino depois de morto e enterrado, e ninguém mais ouviu aquele choro.
— Vamos parar com isso! Não é coisa de se contar na frente de crianças?

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Adalberto Lima, fragmento de Estrela que o vento soprou
Imagem; Internet