Traços do Além

Na entrada de uma praia semi deserta, em um quiosque de pau a pique, o único do local. Atrás do balcão está um velho chamado Inácio. Homem bem baixinho, morador local com roupas simples de avental, organiza pacotes de amendoim em uma prateleira. Chega um rapaz alto, magro, turista local, e instalado em sua propriedade próximo à praia. Fugindo um pouco de problemas do cotidiano, os dois se cumprimentam. O rapaz pede uma bebida e é servido com uma lata de refrigerante bem gelada e um copo americano. O velho, amigo da família do rapaz há muitos anos, coloca o papo em dia.

Algum tempo depois o rapaz a sós, senta de frente para o mar em um banco com assento de tábua com dois pés de tronco de árvore fincados na areia. Vê o céu azul limpinho, as águas quebrando na areia. O cheiro de mata úmida chega a seu nariz, os pássaros cantam na vegetação que rodeia o lugar. Descalço, pisa e passa areia quente e macia entre os dedos.

Uma bonita mulher de cabelos curtos e enrolados sai de trás do quiosque. Vai até o rapaz e senta ao seu lado. A jovem baixa, magra e muito atraente pergunta ao rapaz.

- Olá moço, você é um desenhista e se chama Fernando, certo?

- Sim me chamo Fernando, como sabe? E sou profissional na área de desenho e faço personagens de quadrinhos.

- Bonita profissão Fernando - respondeu ela com tom delicado.

- Muito Obrigado, como você se chama?

- Meu nome é Clara. Mas me diz Fernando, muitas coisas da vida pode se considerar em formas de desenhos, não é? É aquela tal frase que falam às vezes: “vamos desenhando a vida”.

- Acho que sim Clara, depende do ponto de vista de cada um, mas é uma frase considerável e criativa.

- Pois bem Fernando, nossos relacionamentos são desenhados interiormente por nós com muitos traços e cores. Que traz, a cada um, sensações diversas. E isso faz com que possamos ter nossas escolhas para criar e aprimorar nossos desenhos dentro de uma disciplina interior. Você Fernando, pode elaborar um novo contorno, traços, e ir refazendo uma nova relação com sua esposa. Assim dará a ela uma nova construção e uma nova vida para vocês. Concorda?

- Mas não entendi ainda Clara. Como sabe meu nome e profissão?

- Fernando, não importa, redesenhe e dê novas descobertas em sua vida - Respondeu ela com serenidade.

A jovem mulher pede licença com muita educação, levanta e entra no banheiro bem ao lado, construído há pouco tempo. Fernando baixa a cabeça e as sobrancelhas. Inácio chama o rapaz que levanta e se dirige ao balcão. O velho observa dentro dos olhos de Fernando.

-Há quanto tempo eu conheço você meu rapaz? Acabou de conhecer alguém que eu não via há mais de sessenta anos, filho.

Fernando dá um passo para trás, suspira forte, olha para os lados e desconfiado caminha até o banheiro para procurar por Clara. Bate na porta duas vezes, e de novo, tudo se silencia. Na terceira vez o velho sorri e se dirige para trás do quiosque deixando o balcão sozinho. A pequena porta do banheiro se abre bem devagar no rangido das dobradiças enferrujadas. Fernando vê em sua frente um banheiro escuro e com uma saída de ar do tamanho da palma de sua mão, compacto, baixo, sem azulejo, piso, mas com lavatório marrom, um vaso sanitário de cor preta e sem ninguém.

Helias Sevla
Enviado por Helias Sevla em 12/08/2017
Reeditado em 14/08/2017
Código do texto: T6081685
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