MISTÉRIOS NO VALE DOS REIS - Therezina Quarenta Graus - Prólogo

"Visite Teresina, menos nos meses do b-r-o-bró ".

O homem releu a pichação na parte frontal do mais antigo prostíbulo do centro da cidade: "Terra quente, mulheres quentes" - pensou enquanto soltava um sorriso acanhado. O final do dia prometia ser escaldante, era o último mês do ciclo de temperaturas elevadas conhecido como "b-r-o-bró". A expressão tinha origem da junção das últimas sílabas dos meses de setembro a dezembro, considerado o período mais quente do ano na cidade. Nessa época, durante o pico do meio-dia, raramente os termômetros marcavam menos de quarenta graus.

Recostado na parede do bar, sob as primeiras sombras do final de tarde, no outro lado da rua, defronte à construção de sete andares, o homem solitário contemplava o prédio inacabado. A construção moderna de estrutura metálica, ao lado do antigo prédio da casa de prostituição, ostentava uma fachada com vidros laminados de cor fumê que, propositadamente, criava uma ilusão de ótica para dar a impressão de afinar os andares superiores do edifício; claramente, dando uma forma piramidal ao novo prédio.

EDIFICIO BASTET

O nome era formado por letras enormes, cursivas e personalizadas em aço inox, medindo cada uma mais de um metro de altura e estavam encravadas, horizontalmente, na base inferior do segundo andar. No início e no fim do letreiro, duas esculturas -chapadas de madeira, pintadas em acrílico e aparentando tridimensionalidade -, chamavam a atenção de quem passava em frente ao prédio: dois gatos da raça Mau Egípcio se encaravam, cada um com uma corrente de cor ouro no pescoço e asas angelicais. Os dois ícones do animal tinham cabeça triangular e levemente arredondada, os olhos eram oblíquos, de cor verde e tinham os pelos carregados da cor bronze e preto fosco.

Não era a primeira vez que o homem observava aquele prédio e se deslumbrava com a visão de ótica proporcionada pela arquitetura moderna da construção, mas também não era a primeira vez que, discretamente, apontava a câmera do sofisticado celular em direção à sua fachada e em seguida conferia o resultado da gravação.

Ele já estivera ali diversas vezes, sempre no mesmo horário.

Despreocupadamente olhou para o relógio e percebeu que já se passara das dezessete horas, logo as sombras da tarde começariam a dar início ao seu balé de despedida rotineiro. Através das vidraças dos andares superiores da construção, dava para se ver os reflexos dos últimos raios de sol da tarde que iam se aconchegando na vasta extensão do outro lado do rio Parnaíba. Desfocando a imagem, uma coluna de fumaça das últimas queimadas antes do período chuvoso na região enegrecia o lado direito da paisagem.

O calor logo se tornaria ameno, até o início da noite a temperatura diminuiria um pouco; por sorte chegaria à média de trinta e seis graus.

De repente, um silêncio repentino quebrou o ritmo da algazarra e das fanfarrices dos jogadores de sinuca no interior do bar. O homem já sabia que era apenas um momento de suspense para uma tacada decisiva, depois do silêncio a gritaria voltaria mais forte: "Camarão, Camarão, Camarão..." Uma louvação uníssona para um dos jogadores no local; provavelmente o que encaçapou todas as bolas e ganhou a partida.

Novamente voltou a se concentrar nas últimas rajadas de luz que se refletiam nas fachadas de vidro e enquanto a tarde se entregava para os abraços da noite, em seu silêncio interior, começou a dialogar sozinho.

"O que levaria uma moça de vinte anos, bonita, alegre, com todo um futuro pela frente a se jogar do alto de um prédio como este?"

"Talvez ela não tenha se jogado."

"E quem a teria empurrado?"

"Esse é um grande mistério de quase vinte anos atrás."

"Acidente ou suicídio?"

"Bom! É o que estou tentando descobrir."

Alheio à zoeira dos "Porcos D'água", resolveu parar de se questionar. Sabia que, cada vez que se aprofundava naquele mistério, mais perguntas sem repostas definidas poderiam embaralhar sua linha de raciocínio sobre o quê há muito tempo ele tentava decifrar.

- Mais uma dose, doutor?

A voz, com ritmo de palavreado malandro e arrastado, ajudou-o a interromper bruscamente seu monólogo de pensamentos. A pergunta veio de detrás do balcão, no fundo bar. Era o velho proprietário que já sabia que perguntava por perguntar: aquele freguês nunca bebia mais do que duas doses de Campari com rodelas de limão.

Enquanto acenava que não, o homem deixou escapar uma expressão de sorriso ao se lembrar da frase repetida pelo dono do boteco quando se referia a qualquer pessoa que bebia pouco no seu estabelecimento: "Esse aí é malandro velho de rodoviária, dorme em pé pra não gastar dinheiro". Ainda com a expressão sorridente, deu uma última olhada para o interior do bar e deduziu, rapidamente, a presença de uns dez homens no pequeno recinto. Sabia que ali não encontraria o que estava procurando.

Tinha certeza que os frequentadores daquele lugar não exalavam do corpo suado o tão misterioso "cheiro dos deuses".

- Esse mistério tá chegando ao fim, o natal deste ano promete ser quente; vai passar dos quarenta graus - concluiu em voz alta enquanto se dirigia para o carro sem retirar o olhar dos gatos alados na fachada do prédio.

Kal Angelus
Enviado por Kal Angelus em 30/07/2017
Reeditado em 13/08/2017
Código do texto: T6069366
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