*Baixou um santo Coisas que só acontecem comigo - XVIII.

Baixou um santo

Coisas que só acontecem comigo – XVIII

Em meados da década de 60, eu morava em Teresina, na esquina das ruas Benjamim Batista e Vinte e Quatro de Janeiro, no Bairro Vermelha.

Entre as ruas Benjamim Batista e Gabriel Ferreira, havia um grotão (hoje desapareceu com a urbanização) onde existia um terreiro de macumba. É claro que eu nunca fui lá, até por medo, mas querendo ou não, dava para ouvir muito bem os tambores e as toadas. Logicamente, com o tempo, eu acabei aprendendo de tanto ouvir...

Dez anos depois, eu já construía estradas no Maranhão e morava em Santa Inês. Nossa casa tinha um gestor, senhor Popó, um cara chato, metido a disciplinador, que se achava no direito de ditar ordens na casa, arvorado numa imaginária autoridade de ex-combatente, história muito mal contada que não convencia. Ninguém lhe obedecia.

Num final de semana em que ele não se encontrava, alguém teve a ideia de festejarmos o aniversário dele, só para arranjar um motivo para tomar umas cervejas e jogar conversa fora. Ora, nada mais absurdo, já que nós não morríamos de amores pelo cara.

Para aprimorar mais ainda o propósito do tal aniversário, que nós nem sabíamos quando seria, chegou um colega com um tambor para animar o pagode. Aí caiu a garapa na sopa! Do nada, começou a aparecer cerveja, tira-gosto de todos os tipos e ninguém segurou mais! Gravador com fita cassete, música do Fernando Mendes, José Augusto... e tome cerveja!

Tudo corria às mil maravilhas, quando alguém disse:

- Gente, vocês sabiam que o Popó é macumbeiro?

- O quê?!!! - perguntamos todo a um só tempo.

- Mas não seja por isso, gente, vamos bater um terecô em homenagem ao nosso amigo do peito! O Mozá sabe bater tambor.

Eu nunca tinha falado disso pra ninguém, até por falta de oportunidade. Mas era verdade que, de tanto ouvir no passado, o ritmo havia ficado gravado na minha memória. Por livre e espontânea pressão, peguei o tambor e comecei o catimbó: bum, bum bum bum, bum bum bum...!

Éramos umas seis pessoas, por volta das 19 horas de um sábado e a fuzarca comendo solta, quando de repente, a luz faltou. Nesses casos, é comum ouvir-se uma gritaria de desaprovação do povo, ecoando pelo bairro inteiro. Mas, surpreendentemente, isso não aconteceu, pois a luz faltara apenas em nossa casa.

Ora, numa “república” onde só moram homens, é uma bagunça generalizada. Claro que só poderia ter sido um dos nossos que fizera a brincadeira de desligar a chave do contador, mas, infelizmente, não fora. Também não seria isso que acabaria com nossa festa, pois rapidamente alguém tratou de arranjaram uma vela.

Com a vela acesa, estava armado o teatro de operações. Abrimos a roda e um dos rapazes se pôs a dançar em roda, simulando a macumba. Nossas janelas já estavam abarrotadas de gente assistindo a brincadeira. Os vizinhos e pessoas que passavam, encostaram para ver.

Eu nunca tinha ido a um Terreiro, apenas ouvira conversas de “ouvi dizer" e isso não era de todo raro no Maranhão, especialmente na região de Codó, Pedreiras e São Luís. Mesmo assim, eu estava desconfiado e muito desconfiado de que a simulação do amigo estava real demais. Ele fazia uns passos na dança que me deixavam arrepiado.

De repente, o cara começou a ficar com os olhos avermelhados, espumando pela boca e o povo achando engraçado. Todos davam risadas da dança e eu morrendo de medo, mas embalado pela folia, amiudava o ritmo do tambor.

Misteriosamente, a luz voltou fazendo sinal de pisca-pisca. Foi quando vimos que a coisa já não era mais uma simples brincadeira. Tinha baixado um “santo” no local. Eu que já não me aguentava de remorsos, fiquei ainda mais apavorado quando o “caboclo” parou disse, com uma voz rouca e pausada, que mais parecia um rosnado:

- Eu queria mesmo era falar com esse tal de Mozaaaaar...

- Comigo? Cruz credo, mangalô pé de pato, sai de retro bicho ruim que eu já tô caindo fora, o meu bloco é outro.

Larguei tudo e corri de porta afora, só de short e camiseta. Dormi nem sei mais onde.

No dia seguinte, nem apareci na “república”. Mandei pegar minha mala e mudei de endereço.

Vá mexer com quem está quieto, vá!

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Filosofia de botequim

Ser cristão é optar pelo caminho do martírio e convenhamos que esse não é um merchandising atrativo.