A primeira trombeta

Era noite de sexta-feira, a igrejinha no fim da rua da pequena cidade de São João Batista, dessa vez não estava lotada, como era de costume. O obreiro Malaquias, encarregado de conduzir o culto, porque o pastor precisara se ausentar por ter ido visitar os parentes de sua esposa em São Paulo desde a quarta-feira, estava de pé à frente dos pouco mais de quinze fiéis que deixaram suas obrigações em casa para aprender mais sobre a palavra da Bíblia Sagrada. Ele era muito querido, alguns diziam que o rapaz tinha um dom especial.

O templo sagrado, simples como toda igreja de uma cidade pacata, ficava localizado na parte mais elevada da rua Calipso, exatamente no número 87. Fora construída ali para ser avistada de qualquer lugar de São João Batista.

Uma forte chuva de granizo com violentas rajadas de ventos perdurou por horas durante a tarde, destelhando casas e armazéns e, devido aos fortes relâmpagos, houve queda de energia em alguns pontos da cidade; os postes da rua estavam com as luzes todas apagadas.

– Irmãos, Deus quer colocar um ponto final em seu sofrimento. “O reino do mundo passou a ser de nosso Senhor e de Seu Cristo, e Ele reinará pelos séculos dos séculos”. Os améns e os aleluias perdurariam até o fim da pregação.

De repente, ouve-se um barulho estranho e assustador lá fora.

– O que é isso, meus irmãos? – Malaquias tenta continuar pregando e pela segunda vez o mesmo barulho, em uma propagação maior: “DRUUUUUMMMM”. E se repete por mais vezes, agora com espaço de apenas dois segundos: “DRUUUUUMMMM, DRUUUUUMMMM, DRUUUUUMMMM...

Eles saem correndo em direção à porta. Malaquias é o primeiro a olhar para cima. Ruth, agarra-se ao braço do rapaz pregador e, parecendo recusar-se a ver os sinais no céu, resiste ao máximo, todavia acaba observando o clarão, seguido daquele barulho.

– São as trombetas do apocalipse. – Diz um mendigo que estava encostado na parede da igreja, como sempre tentando ganhar algumas moedas.

Malaquias, no entanto, ignora as palavras do homem pobre e diz:

– Meu Deus!!! O que é isso?

A preocupação assola o ambiente e seis pessoas correm para suas casas, dentre elas uma criança e um velho de cabelos grisalhos. Os que ficam continuam olhando para o céu. Então surge um relâmpago em meio à claridade e um forte trovão cessa todo e qualquer sinal visual ou auditivo. “O raio caiu no fim da rua.” – Aponta para lá uma senhora gorda, de cabelos enrolados.

– Sim, eu vi! Vou até lá. – Afirma Malaquias.

Ninguém quis acompanhá-lo, exceto Rute; a moça receosa vence seu medo e acompanha o aspirante a pastor. Não há mais ninguém ali além dos dois. Seguem adiante, pela rua escura. Malaquias usa a lanterna de seu celular para clarear seu caminho e, ao se aproximarem do ponto exato onde caiu o raio notam que algo se move lentamente para o matagal. Rute tenta voltar, mas é impedida por seu amigo.

– O que é isso, Malaquias? Devemos voltar!

– Não, Rute. Precisamos descobrir o que é isso. E se for uma pessoa atingida pelo raio? Devemos ajudá-la, não?

– Mas... E se for um animal ou... ou... ou...

O contato dos dois jovens com o que se movia no capim não é nada agradável, é assustador. Malaquias mira a lanterna na cara da coisa, como ele mesmo denominou na hora em que a viu totalmente. Saem correndo de volta para a igreja, Rute é puxada pelo outro.

– Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus! – Malaquias gritava.

– Ele tem asas! Ele tem asas! – Rute repetia. – É um anjo caído. – ela afirmou.

Era este o início das tormentas e o armagedom estava próximo.