Luz Brilhante

Lentamente, abro os olhos e pisco várias vezes depois de acordar daquele sonho com uma luz intensa brilhante. Acho que a luz acabou por me cegar um pouco porque meus olhos só enxergam escuridão agora, como se o que eu vivenciasse em sonhos pudesse impactar minha visão. Olhos para os lados e não vejo o menor vislumbre de claridade. Na verdade, não só não vejo nada como também não ouço nada. Nenhuma luz, nenhum som. Nada!

Ainda estou sentado na poltrona do avião e com o cinto afivelado, mas não ouço o som das turbinas e nem vejo a janela, as estrelas... Tento alcançar meu celular no bolso do banco da frente mas não tem nenhum banco e nem o banco do lado! Nem a parede do avião! Parece que estou isolado no meio do nada!

Como isto é possível? Como vim parar num lugar como este sem que eu ao menos acordasse ou notasse algum movimento estranho? Ou será que ainda não acordei? Belisco-me até doer. Parece ser uma situação real mas quem disse que os acontecimentos dentro de um sonho também não são reais para quem está sonhando? Se acabei de acordar, isto significa que eu estava sonhando e, dentro deste sonho, dormindo e sonhando, tal como dois espelhos refletindo-se mutuamente até o infinito?

Abro o cinto e me levanto, dando dois passos para a frente. Ouço meus passos com um ruído quase surdo como se o som não se refletisse em lugar algum, como se estivesse num lugar muito amplo, talvez num grande estacionamento aberto. Mas, onde estariam as estrelas, algum poste com lâmpada ou resquício de luz da cidade?

Dou mais alguns passos e nada me toca. Mudo de direção, e a mesma coisa. Agora, já não sei mais onde está a poltrona, meu único ponto de referência. Estou na mesma situação de alpinistas que morrem de frio em meio a uma tempestade de neve a pouquíssimos passos do acampamento porque é impossível enxergar a não ser o branco total. No meu caso, escuridão total.

Abaixo-me para tocar o chão. Parece ser bem liso, uniforme e sem poeira, ou seja, não é um estacionamento (pudera os estacionamentos serem tão limpos!). Bato nele com os nós dos dedos e ouço algo surdo. Teria sido este som aquele transmitido pelo ar, já que estou respirando, ou apenas a propagação da vibração dos toques ao longo do meu corpo até o cérebro?

Experimento jogar para a frente uma moeda que encontrei no bolso; se ouvir algum som, é porque existe propagação; se não ouvir nada, bem... Pode ser que a moeda tenha caído em algum buraco esperando pelo meu último passo ou que eu estaria em alguma espécie de câmera anecóica onde não se ouve nada, aquela com as paredes de espuma em forma de pirâmides. Para meu conforto e surprêsa, ouço a moeda batendo no chão e rolando até eu não ouví-la mais! O piso é inclinado à minha frente, talvez um declive tão leve que não notei a princípio, mas o suficiente para permitir que a moeda role sem parar.

E agora? Já sei que prosseguindo, descerei; se der meia volta, subirei. Provavelmente, para os lados, caminharei em planos. Para onde me dirigir? Descendo, onde irei? Inferno? Subindo, chegarei ao Céu? Que estranhos pensamentos! Inferno e Céu são conceitos abstratos, vinculados à religião, aplicáveis se eu tivesse morrido. Será que morri? Mas, se eu morri, como estou pensando, caminhando e atirando moedas? Isto significa que ao morrer, na verdade, continua-se vivo? De fato, estou num lugar que não consigo estabelecer qualquer relação com aqueles lugares que vivi antes. Mas, isto não significa que este lugar seja o lugar onde os mortos vão. Na verdade, sempre soube que os mortos vão ou para o Inferno ou para o Céu, já que o Purgatório foi considerado apenas como um fogo interior para aperfeiçoar a alma. Só que este raciocínio tem um pequeno problema: este lugar, por um lado, não tem fogo, nem calor e muito menos gente se lamuriando e, por outro, nem tem anjos contentes e felizes. Aliás, eu acho que, pelos meus critérios de certo e errado, se não mereço totalmente o Céu, muito menos poderia ser condenado ao Inferno. Sendo assim, então de fato existiria um lugar intermediário a partir do qual eu próprio precisaria tomar a decisão de seguir para o lado que mais me fosse conveniente, lógico ou correto. É óbvio que todos adorariam ir para o Céu, para cima, portanto, tal como eu também pretendo fazer. Se tal fosse possível, o Céu já deveria estar cheio, como gente boa e ruim convivendo no mesmo espaço, exatamente como na Terra (será que a Terra é o próprio Céu e não sabemos?). A questão é que o Inferno então esfriaria e desapareceria por falta de "combustível". Rio-me da idéia porque isto não poderia acontecer já que algumas pessoas parecem ser mais "pesadas" que outros, tal como a moeda que rolou para baixo. E não estou falando de alguns quilos a mais. Seria eu "leve" o suficiente para aguentar a subida e não rolar para baixo?

E se eu não estiver morto? Fisicamente falando, este lugar parece ser impossível. Só me resta acreditar que estou sonhando, um sonho dentro de um sonho, porque acabei de acordar. O problema é que este sonho está durando muito tempo e parece ser tão real...

Morto, vivo ou sonhando, parece-me ser o melhor subir. Tomada a decisão, tenho um novo problema; na verdade, dois: se estou diretamente à frente para a descida, eu preciso girar meu corpo em 180 graus para subir. No escuro e sem qualquer ponto de referência, como farei isto sem errar um grau sequer? Além disso, sou destro e é notório que pessoas destras têm a perna direita como dominante. Portanto, a minha tendência é a de andar com mais vigor para a esquerda, errando de alguns milímetros para a esquerda a cada passada, fazendo com que eu dê uma enorme volta, acabando por descer embora querendo subir (se você duvida da idéia, pense que a descida é sempre mais fácil que a subida e que a diferença da minha passada será facilmente compensada pela facilidade da descida, isto tudo sem eu ao menos perceber).

Resolver o primeiro problema foi fácil: juntei bem os pés e descalcei cuidadosamente os sapatos sem mexê-los do lugar. Em seguida, virei um sapato ao contrário e bem junto do outro; depois, virei o outro da mesma maneira, calcei novamente os sapatos e comecei a caminhar torcendo para que minha perna dominante não me desviasse muito antes que aparecesse alguma luz no meio do caminho.

Devo confessar que não tenho medo do escuro e, sempre que possível, eu ando com as luzes apagadas e olhos fechados tateando para chegar nas peças que quero ir. Mas, pensem comigo: minha casa é um lugar protegido, sem objetos estranhos e nem obras de arte a evitar, o que torna meu exercício fácil (está bem, concordo, e se tiver um ladrão dentro de casa? Bem, neste caso, no claro ou no escuro, acho que vou levar desvantagem). Imagino que este lugar seja muito fácil para caminhar porque parece não ter paredes e nada no caminho (espero não tropeçar na poltrona em que estava sentado).

Psicologicamente, o escuro dispara mecanismos na nossa imaginação que vão de um simples receio até pavores insuportáveis. Quanto mais fértil a imaginação e a superstição, maiores serão as chances do nosso cérebro fabricar imagens e cenas para tentar repor a claridade que não existe ao redor. Até sons parecem ser ouvidos porque atrelados às idéias em desenvolvimento.

E aqui estou eu tentando não fabricar idéias, não pensar em filmes de suspense e nem me colocar em momentos desagradáveis que já vivi. Tento pensar na felicidade de estar junto à minha namorada, mas me vem a cobrança que passamos do tempo de formalizarmos nossa vida conjunta. Tento pensar nas piadas dos colegas de trabalho, mas só me vem à cabeça a fúria do meu chefe mandando-me resolver um problema de um cliente no tudo ou nada. Será que ouço barulho de água ou é o aquela famosa cena do banheiro no filme Psicose?

Paro e prendo a respiração. Nada. Apenas o bater do meu coração como único som a parecer dominar todo o ambiente. A boa notícia é que não estou cansado de caminhar. A má notícia é que pode ser que eu esteja descendo. A sensação de impotência é total porque, literalmente, não posso controlar nem meus próximos passos. Nestas horas, sinto vontade de me dirigir a um ente maior (Deus?) para me auxiliar já que me encontro totalmente perdido.

Não adianta, nenhum dedo luminoso aparecerá e me empurrará na direção certa, a não ser que eu mesmo o faça. E lá vou eu de novo.

Caminho e caminho por não sei quanto tempo, com os mesmos pensamentos indo e voltando.

Parece uma tênue luz à frente? Finalmente, algo com que me agarrar embora possa ser apenas uma miragem. Corro até ela, ansioso por acabar com a agonia. A luz crescendo de intensidade como que enchendo o ambiente. Até parece que ela própria vem ao meu encontro para socorrer porque ela brilha cada vez mais. Consigo apenas enxergar o amarelo-ouro do centro da luz que vai crescendo, crescendo até que sou obrigado a proteger meus olhos com minhas mãos. Vagamente, posso perceber algo no meio da luz. Parece ser alguém sentado. Agora, eu e a luz somos dois magnetos se atraindo irresistivelmente. Alarmado, sei que vou me chocar com a silhueta sentada e...

Lentamente, abro os olhos e pisco várias vezes depois de acordar daquele sonho. Acho que a luz acabou por me cegar um pouco porque meus olhos só enxergam escuridão agora. Olho para os lados e não vejo o menor vislumbre de luz. Na verdade, não só não vejo nada como também não ouço nada. Nenhuma luz, nenhum som. Nada!...

 

CBressan
Enviado por CBressan em 10/02/2017
Código do texto: T5908685
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