Do outro lado do horizonte

Lá estava Ingrid, debaixo do exuberante pé de Ipê que se encontrava no imenso jardim da sua casa. Conversava pouco e na maior parte do tempo livre, sentava-se debaixo da sombra da árvore e ficava por horas observando o horizonte e inalando o perfume das flores, que por sinal eram roxas, a sua cor preferida.

Sua mãe estranhava o seu comportamento e a indagava perguntando o que tanto ela fazia no jardim, mas sempre ouvia a mesma resposta:

- Fico imaginando o que se esconde atrás da linha do horizonte.

Muitos diziam que Ingrid era misteriosa, e no seu silêncio, seus pensamentos voavam longe. Certo dia, sentada no jardim, a jovem adormeceu profundamente e sonhou com o que havia por detrás do horizonte. Em seu sonho, lá havia uma floresta e uma casa que encantaram seus olhos de tanta admiração e a curiosidade a fez subir as escadas da entrada e bater na porta da casa, um mordomo a atendeu e pediu para que ela esperasse na sala que o proprietário já iria lhe atender. Em poucos minutos, Ingrid ouviu alguns passos e olhou para a direção do som, era Robert, o jovem morador da casa.

Os dois se olharam maravilhados um com o outro, e se aproximando, Robert lhe deu um abraço apertado e disse que a esperava por muito tempo.

Espantada e com uma leve dor no pescoço, Ingrid acordou e ficou lembrando daquele garoto de olhos e cabelos castanhos que vira em seu sonho.

Levantou-se e foi para dentro da sua casa, já estava quase anoitecendo e enquanto tomava banho, notou que uma gota de sangue caiu ao chão, olhou-se no espelho e viu que havia um machucado em seu pescoço. Com medo de contar para sua mãe, fez um pequeno curativo e vestiu uma blusa de gola alta.

Naquela noite, mal conseguiu dormir, o jovem do sonho a havia impressionado muito. Ao acordar, como todas as manhãs, tomou seu café, se arrumou e seguiu para o colégio. Durante as aulas, passava rapidamente em seus pensamentos alguns flashes do fato ocorrido no dia anterior, mas para ela, já eram apenas lembranças de um sonho.

Um pouco antes do término da aula, Ingrid recebeu um ramalhete de flores que haviam deixado para ela no colégio, Ingrid ficou surpresa, pois não era seu aniversário e nenhuma data comemorativa de que lembrasse. Observou que em cima das flores havia um cartão, e então, no caminho para casa, sentou-se em uma praça para lê-lo com mais calma. As flores eram roxas e possuíam o mesmo perfume das flores do pé de Ipê da sua casa.

Lentamente, Ingrid abriu o cartão e não conteve seu espanto ao ler essas poucas palavras: “Sabia que em breve nos encontraríamos pessoalmente, estarei te esperando hoje no mesmo lugar”.

Confusa, com seus pensamentos atordoados, a jovem foi para casa, percebeu que algo estranho estava acontecendo, mas sem saber como agir, seguiu sua rotina diária e deixou por conta do destino o que viesse a acontecer. À tarde, enquanto estava no jardim, notou que seu ferimento no pescoço estava sangrando e ao sentir uma dor de cabeça muito forte, foi se encostando ao tronco da árvore e ficando cada vez mais cansada até que, ao se dar conta, estava dentro da casa com a qual havia sonhado.

Quando Robert se aproximou, Ingrid sentiu uma alegria muito forte, e, olhando atentamente um para o outro, foram tocando os lábios com um beijo envolvente e avassalador. Novamente, Ingrid acordou impressionada, um tanto assustada com o sonho, mas desta vez, sentindo uma alegria em seu coração e com um forte pressentimento de que sua vida estava mudando.

Em seu quarto, reparou que o machucado no seu pescoço tinha o sinal de uma mordida, deixando-a ainda mais intrigada.

Os dias foram passando e Ingrid continuava a encontrar-se com Robert todas as tardes em seus sonhos. Para ela, eles já faziam parte da sua rotina diária e esperava ansiosamente por eles, pois mesmo sem saber o que significava esses sonhos, sentia que seu coração pulsava mais forte quando chegava a hora de encontrar-se com Robert e que a gentileza e o carinho com que ele o tratava era sobrenatural.

Já havia se passado meses, Ingrid estava se formando no terceiro ano do ensino médio e planejava cursar uma faculdade em algum lugar bem distante dali.

Pouco antes de sua formatura, sonhou com seu falecido pai e com um lugar, que mesmo distante, ela conhecia e sabia como chegar até lá. Nesse sonho, seu pai a pedia para que na data marcada, ela fosse até lá.

Curiosa e destemida, ela já fazia planos para ir ao possível encontro.

Após sua formatura, já com as malas prontas, Ingrid se despediu de sua mãe e de seus familiares para então seguir viagem, rumo ao seu novo destino.

Caminhou por horas até chegar ao local marcado, era um parque com diversas árvores e muitos pés de Ipê, de todas as cores, inclusive roxo. Esperava ansiosamente, até que de repente, avistou com seus próprios olhos a paixão da sua vida, ou melhor, dos seus sonhos: Robert, desta vez em carne e osso. E junto com Robert, estava seu pai, falecido há muitos anos.

Perplexa, como se passasse um filme pela cabeça da jovem, Ingrid então compreendeu o que os seus sonhos significavam e a sua tamanha obsessão pelo horizonte, entendendo que seu destino já estava escrito a muito tempo.

Seu pai era um vampiro e agora ela também. Nesse tempo o qual ela sonhava todas as tardes, ele preparava a sua chegada e o seu encontro com Robert, o grande amor da sua vida.

De mãos dadas, os três seguiram até um lugar deserto e fecharam os olhos. Ingrid estava com um sorriso no rosto e pronta para seguir sua vida eternamente. Quando ela abriu os olhos, percebeu que estava aonde sempre desejou estar: do outro lado do horizonte.