1019-FEBRE TROPICAL-

FEBRE TROPICAL

Ao entardecer do primeiro dia na taba dos Kui-Kuros, os brancos foram empurrados novamente para o centro do terreiro. O grande círculo de cinzas havia sido removido e apenas uma pequena fogueira ardia no local onde, naquela manhã, havia sido realizado o tétrico ritual de queima dos índios mortos em combate. .

Ali já se encontravam, de pé, o chefe da tribo, à frente de um grupo de índios, constituindo uma escolta. Usando sinais, o chefe ordenou que eles se sentassem. Fawcett, Jack e Raleigh assentaram-se, com certo alívio.

O chefe, de pé, os olhava com olhar de desprezo. Começou uma arenga que os brancos não entenderam patavina. Fawcett, erguendo a mão espalmada, falou alto e com decisão:

— Pare!

Surpreso por ser interrompido, o chefe calou-se por alguns momentos. Fawcett aproveitou o silêncio para gesticular insistentemente para si com a mão direita dizendo:

—Fawcett! Fawcett! Fawcett!

E depois apontou para o índio, com olhar interrogador.

O chefe compreendeu o que o branco queria dizer. Apontando para si, disse:

— Kani Ka Tufin! Kani Ka Tufin! Kani Ka Tufin! - que queria dizer Chefe Ka Tufin.

E apontando para o explorador, repetiu:

— Fawcett!! -

E riu, olhando ao seu redor, braços cruzados, como um vencedor. Os índios que estavam trás do chefe pularam, gritaram e ergueram as mãos. Provavelmente nada haviam entendido das palavras, mas a alegria do chefe tinha de ser acompanhada com sinais de aprovação. Alguns balançando as lanças de pontas afiadas, outros riam sonoramente, exibindo as bocas de dentre pretos e podres, ou completamente banguelas.

Em seguida, Kani Ka-Tufin estendeu as duas mãos girando-as num sentido e no outro, sobre as cabeças dos índios, falando com voz dominante:

— KUI KURO. KUI KURO

Fawcett riu também e dirigiu-se a Jack e Raleigh:

— Tinha certeza de que estávamos na tribo dos Kui-Kuros. Eles são índios pacíficos. Não nos farão mal.

Fawcett e o chefe Ka-Tufin continuaram, por gestos e palavras simples, trocando informações sobre os nomes de Jack, Raleigh, do pajé (sempre ao lado do chefe) Kia-Tiun.

Ka-Tufin mandou que eles ficassem de pé. Colocando as mãos em diversas partes dos corpos dos três, deu a entender que seriam amigos.

Em seguida, houve uma cerimônia, na qual o pajé dançou ao redor dos brancos e lançou sobre suas cabeças um pó avermelhado.

O chefe, sua guarda e o pajé deixaram os brancos e se dirigiram à cabana maior, no fundo do grande terreiro circundado por ocas menores.

Assim, devidamente entronizados na tribo como amigos, também os três homens brancos deixaram a praça e voltaram à pequena oca que lhes fora destinada.

Fawcett, que já tivera contato com outras tribos, explicou ao filho e a Raleigh:

— Felizmente estamos entre os índios Kui Kuro e o chefe nos considera amigos.

Jack foi até à orla da mata e quebrou pequenos galhos de arbustos, com os quais improvisou uma rústica vassoura e com ela varreu o chão da oca que iriam habitar.

Totalmente extenuados, os três homens deitaram-se no chão.

A fim de levantar o ânimo dos companheiros de aventuras, Fawcett foi falando em voz alta, como se estivesse falando consigo mesmo:

— Jack já descobriu que temos liberdade, indo até á mata para colher ramos da sua improvisada vassoura.

E dirigindo a Raleigh:

— E você, Raleigh? Como está sua perna?

— Doendo muito. A ferida voltou a sangrar.

— Vou pedir ao pajé que lhe arrume ervas curativas. E você Jack, como está?

— Sentindo falta de nossas coisas. Principalmente as coisas para acampar. Acho que vamos ter de trazer folhas secas para usamos como “colchões”.

—. Vamos sentir falta é das telas que nos protegiam dos mosquitos.

Jack não demorou a dormir. Raleigh adormeceu em seguida, mesmo sentindo a dor na perna. Fawcett também dormiu, apesar do frio que sentia e dos tremores que percorriam seu corpo.

Sem saber, havia contraído uma febre malsã, à qual os índios estavam imunes, todavia mortal para o homem branco.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 6 de julho de 2017.

Conto # 1019 da Série MILISTÓRIAS PLUS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 17/10/2017
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