Vaqueiro Onofre subiu na árvore e no emaranhado da copa deparou-se com uma figura simiesca, semelhante a um macaco albino. O bicho grunhia como os espíritos que rondam a noite na selva. Aproximou-se, jogou lanço certeiro. Prendeu o animal com a grossa corda e puxou devagar, dando voltas entorno do ser tão semelhante ao humano. Aos poucos foi dominando a fera. Já no chão, por um descuido do vaqueiro, a selvagem mordeu a  panturrilha dele. Os cães avançaram para estraçalhar a ‘caça’. Onofre repreendeu, chamando-os pelos nomes.   Graudez veio lamber a ferida onde a índia cravara os dentes. Ela balbuciou alguma coisa ininteligível que Onofre decorou apenas uma parte: “Cuiapitinga...Cuiarana araruê. Sarumbê ubá. Maxacali  Apinajé.”

E o vaqueiro perdeu o faro da onça.
—Esse bicho fede muito, seu Onofre!
—O bicho cheira a caça do mato, respondeu o outro.
Onofre uniu as mãos em concha, e soprou entre os polegares. O borá quebrou o silêncio da mata, percorrendo um quarto de légua. Alguns caçadores responderam com um assobio fino: Fííííu... fííííu... João Velho mostrava ânimo, mas não chegou a tempo dos primeiros nós. Pururuca perdeu o ritmo da cavalgadura,  a arma e a vareta de açoitar cavalo. Os outros, cada um trazia seu quinhão de medo, ofuscado na lanterna acesa, pois a madrugada já tomava vestes de noiva, alvorecendo, devagar no canto da passarada. Caburé soltou canto assombroso, apregoando morte. Raposa apareceu no lugar da caça, é mau sinal.
— Alguém viu José Lino? Quis saber Onofre.
Pururuca emudeceu; perdera o companheiro, e as coisas que levava. Ninguém viu José Lino. Esperaram-no durante meia hora, assobiaram, gritaram o nome dele, cruzaram focos de lanterna no céu, tudo sem valia. Fizeram o que podiam. E nada de José Lino aparecer ou dar ares de vida. Voltaram sem o vaqueiro. Afundados nos próprios pensamentos, tomaram caminho de volta à fazenda, espiados por um olho de sol minguado entre as árvores. Minguado como a força dos vaqueiros.
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Adalberto Lima, fragmento de Estrela que o vento soprou.
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