CAUSOS DO TIO ANTONIO II

CAUSOS DO TIO ANTONIO II

Briga com a Polícia.

A tarde parecia não muito boa, não que isso importasse para os moradores daquele lugar esquecido do mundo. De repente começou a pingar a chuva, lentamente em pingos grossos, depois acelerou, trovões e uma chuvarada sem precedentes naquele ano. O cheiro de terra recém molhada se espalhou pelo ar. Os homens respiraram fundo, pegaram seus chapéus e foram na direção da venda do Mario, entraram e ficaram amontoados, bebendo em silêncio, parecia que esperavam alguém, ou que estavam tristes, ou era um prenúncio de tristeza. Homens, por mais vividos e sábios sejam, sempre trazem consigo uma tristeza que seja e, em algum momento, ela pode aflorar. Alguém resmungou lá num canto, pedindo as cartas e dizendo como para si, que saudades me dá daquela china valente e bonita, o que tinha de bonita, tinha de valente, me ajudou muito naqueles tempos difíceis, depois saí de lá e não mais a vi. Que saudades que sinto dela quando chove, pensava em voz alta, sem olhar ao redor e ver que todos o olhavam. Tio Antonio chegou depois. Começou a cantarolar uma canção estranha, ninguém entendia e todos ficaram quietos.

-Pois me dá outra canha aí Mario. Pediu.

-Que coisa feia, todo mundo bebe e eu aqui de guela seca!Disse. Pegou o copo que lhe alcançou o bodegueiro e bebeu um gole tão pequeno que parecia uma gota. E então começou a falar, todos voltaram-se para ele :

” esta bebida amarga me lembra de quando saí do bailão, depois daquela tragédia fui correr o mundo. Eu era ainda jovem e muito forte e um dia cheguei em uma venda, pedi um trago(ele nunca dizia o lugar) e fiquei bebendo, naquele momento chegou um homem, cara de mau, revólver na cintura, negro esguio, desconfiado e de olhar penetrante. Queria saber se tinham visto por ali um tal conhecido por Guma, talvez Gumercindo, assassino cruel de um homem não muito distante dali. O balconista disse que ninguém estranho havia passado ali,e chamou o cara de Inspetor. Fiquei com a pulga na orelha, quem seria esse Inspetor que nunca o vira. E era, um Inspetor de Polícia,e conhecido por ser violento e brigador. O policial dirigiu-se a mim e me fez a mesma pergunta.Respondi que não vira ninguém e que era morador recente no local.

-Então tu és novo aqui? Mostra os documentos.

-Mostrei minha falsa identidade. Ele não era lá essas coisas de inteligência.Olhou o papel, me encarou, olhou de novo e disse:

-Mãos pra cima indivíduo,costas pra parede!

Nunca desrespeitei ninguém, muito menos as autoridades, mas nunca havia sido tratado daquele jeito e enrigeci os músculos pronto para saltar nele, no entanto levantei as mãos e virei de costas.Ele me revistou não encontrou nada.Estava saindo da venda quando resolvi testá-lo.

-O senhor é muito mal educado porque usa arma na cintura!

O Policial saltou numa meia volta, como um tigre para dar um bote e me encarou com dentes trincados.Ele avançou e sacando um revólver cano longo, entregou-o ao vendeiro, que tremia e suava muito torcendo um pano sujo.Feito isso me encarou com seriedade,mãos armadas e me atacou com toda a força, livrei-me dos primeiros socos, pois estava meio destreinado, havia muito saira do bailão, mas fui atingido e cai, quando ele avançou para o solo esperei-o acertando-lhe um golpe com os pés. O indivíduo saltou longe e não esperei voltar, saí para a rua e logo estava ele próximo de mim.Começamos a trocar socos raivosos e fomos nos distanciando da venda.O cara brigava muito e eu já estava cansado.Levantei as mãos pedindo para parar a briga.

-Aqui ninguém para até eu tirar a chave do cadeado, disse o policial.

-Levanta-te para apanhar!

Assim também não, sacudi a cabeça e recuperei o fôlego.Avancei nele com tudo e lhe desferi uma saraivada de socos que no entanto não foram muito eficazes e com isso ele retomou as forças e assim fomos mais uma quadra, onde consegui me agarrar nele com o que me restava de minhas forças,levei a briga para o solo, vislumbrei uma pedra e quando tentei pegá-la tocou a sirene de uma viatura e então visualizei o cano de um rifle apontado na minha direção.Me encolhi e o Inspetor levantou-se.Tonto, ensanguentado e sujo da poeira, fiquei quieto. Fui levado para uma cela e trancafiado sem dó nem piedade. Dali algumas horas apareceu um homem e perguntou:

-Então tu resolvestes brigar com o Inspetor,riu muito e depois disse:

-Fostes o único por aqui e por isso ele quer que te solte, em respeito a um homem sério e lutador valente, voltes aqui amanhã à tarde.

Não disse nada e não esperei.Fui embora.

No dia seguinte, de tarde, lá pelas três cheguei na Delegacia e esperei.Alguém me chamou e mandou que entrasse em uma sala pequena com uma mesa, máquina de escrever, armários e uma cadeira de madeira. Sentado no outro lado da mesa o Inspetor falou:

-Não vou te prender, nem te processar, descobri quem tu és, tenho experiência e conhecidos por toda esta região.E descobri também onde está o Guma o vagabundo que eu procurava ontem.E te faço uma pergunta:

-Queres ir junto pegar o tal Guma, receberás uma verba que os comerciantes amigos de um homem que ele matou estão oferecendo?

Sacudi a cabeça afirmativamente e ele pegou um rifle da parede, verificou a munição e me jogou a arma. Peguei, conferi e fiquei à espera. Embarcamos num Jeep com mais dois homens bem armados e seguimos.Para mim não havia importância, pois não tinha onde ir e nem pessoas para reclamar a minha falta.Entramos por uma estrada de chão batido ladeada por lavouras de soja verdejante e depois de uns dez minutos rodando enxergamos um galpão grande. O Inspetor parou a viatura e nos mandou descer, seguimos meio agachados pelo meio da densa lavoura. No limite final entre a lavoura e o galpão o Inspetor mandou parar. Por experiência de vida me afastei um pouco e fiquei à espreita. Havia fumaça saindo de uma chaminé. O inspetor deu instruções para dois irmos pela lateral do galpão, outro cobria o canto esquerdo e ele se posicionaria na porta central. Uma formação em ele. Feito isto corremos todos e executamos a manobra acertada. Encostado na porta frontal o Inspetor gritou que era a polícia e por resposta recebeu vários tiros de dentro do galpão.Nos acercamos de uma janela, eu e o companheiro, olhei e efetuei disparos para dentro para que o sujeito não pudesse fugir, o bandido respondeu com mais tiros, o Inspetor avançou galpão a dentro, rolando no chão e eu saltei então a janela e cai agachado. Efetuei dois disparos e o Inspetor mais dois. Um corpo caiu ao solo, ainda com a arma na mão, aquele deveria ser o Guma e estava vivo, levantou a arma e disparou. O Inspetor tentou mover-se,mas foi atingido. Mirei e atirei no bandido, ele caiu inerte.Estava morto.Corri na direção do Inspetor e gritei.Os outros dois companheiros vieram rápidos, olharam todo o cômodo e não havia mais ninguém. O Inspetor estava vivo, fiz um procedimento de emergência, tomei a direção do Jeep e levamos o Inspetor para um pequeno Pronto Socorro.Ele sobreviveu e convidou-me para trabalhar como auxiliar dele, conseguiria que alguns homens influentes me pagassem e assim o fez, bem como recebi da comunidade uma recompensa pela ajuda na captura de Guma, que ao final de alguns dias ficamos sabendo tratar-se de Gumercindo Silva e Silva, castelhano fugido do Uruguai.

Fique quase dois anos trabalhando na polícia, fiquei amigo do Inspetor, nunca mais brigamos e mantínhamos um profundo respeito, na realidade uma espécie de admiração um pelo outro. Entramos em muitas ocorrências, inclusive alguns tiroteios com ladrões de gado, nunca ficamos sabendo se algum destes morreu, pois eles, mesmo sob fogo cerrado ,fugiam sempre levando seus feridos para longe e muitas vezes o produto do crime. Tudo estava indo muito bem, mas um dia eu estava num boteco quando chegou uma mulher muito bela, comprou cigarros e uma garrafa de vinho.Pagou e ao sair parou de súbito na minha frente, sorriu e me disse um boa tarde mais doce que mel. Fiquei atônito e sem saber o que dizer, o perfume dela me inebriou, congelou meus sentidos, minha mente zumbia e parecia que estava rodopiando. Fiz apenas uma reverência e ela disse tchau com aquele mesmo sorriso e foi embora. Deixei o dinheiro sobre o balcão e saí porta afora para ver se a visualizava outra vez. Nada. Eu lhes juro que não a vi mais. No entanto as fofocas correm e o marido dela ficou sabendo daquele brevíssimo encontro. Mas que encontro, não fora nem mesmo um tropeção entre duas pessoas. E sabem vocês quem a amava, pois era o Inspetor e, certo dia ele me chamou e disse sem rodeios como era seu costume:

-Antonio, a mulher que encontrastes no bar é minha mulher e o será até que eu morra, afaste-se dela definitivamente.

Ora, pois se nem falei com a mulher, mas para evitar briga ou inimizade com aquele homem, respondi-lhe dizendo que estavam tentando causar problemas entre nós e ao final afirmei:

-Amanhã já vou embora, já fiquei muito nestas paragens.Desde então não mais os vi, mas por vezes penso que poderia ter disputado aquela moça vistosa numa contenda com aquele bagual.Quem venceria?

-Mas o senhor nunca diz onde era esse lugar, nem o nome das pessoas. Afirmou Juca tocando a aba do chapéu.

-Ora,o policial era chamado sempre de Inspetor, o nome dela era, Verner.E o lugar, um rincão qualquer. Respondeu Tio Antonio. Bebeu o resto de sua canha levantou-se e reafirmou:

Apenas um rincão qualquer.

Por vários dias ninguém viu Tio Antonio por ali.Alguns foram até o seu rancho e não estava, outros afirmaram que ele passava vários dias na cidadezinha na casa de uma tal Zoraide.

drmoura
Enviado por drmoura em 17/08/2017
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