Tinta preta

Antes de entrar na pequena oficina de paredes de madeira, na lateral do templo, descalcei os sapatos. Depois, juntei as mãos, como que em prece, e fiz uma breve curvatura de cabeça e ombros perante o monge de manto açafrão à minha frente: a tradicional saudação "wai". Ele retribuiu o gesto, sem curvar os ombros, com um meio sorriso no rosto. Perguntei-me se fizera o cumprimento corretamente.

- O que o traz aqui? - Perguntou-me ele educadamente, em inglês.

- A minha vida está uma bagunça. Vim em busca de conforto espiritual... e uma tatuagem de proteção - respondi com sinceridade.

- Sabe como o processo funciona?

- Em linhas gerais, sim.

- Pois então, comecemos pela sua oferenda aos espíritos - disse ele, indicando um pequeno cesto de palha numa lateral do aposento, cujo piso estava coberto por um tapete vermelho, gasto. Sentou-se então numa cadeira ao lado do altar, encimado por um grande Buda dourado, e ficou me observando, enquanto eu apanhava as oferendas que havia levado numa sacola de supermercado: um diminuto ramalhete de flores amarelas com dois palitos de incenso, moedas totalizando 39 "baht" e um envelope com dinheiro - uma nota de 20 dólares. Coloquei tudo dentro do cesto, ajoelhei-me, e fiz três reverências profundas perante o monge, tocando a testa no chão em todas as vezes. Em seguida, peguei o cesto e o estendi ao monge, que o recebeu e começou a fazer uma oração em tailandês, enquanto eu repetia o "wai" - desta vez, com um pouco mais de correção.

- Se a sua vida tornou-se uma bagunça, você deve estar pronto para abrir mão do controle que supostamente detém sobre ela. Está pronto para isso?

- Eu vim de muito longe... - comecei a dizer. E depois, com firmeza:

- Sim.

- Muito bem. Trouxe sua tinta ou vai querer a tinta tradicional?

Eu ouvira falar que algumas pessoas apresentavam reações alérgicas à tinta dos monges, portanto, levara um vidro de tinta preta comprado numa loja em Bangkok. Entreguei-a ao monge que examinou a embalagem com ar de conhecedor.

- Boa escolha - declarou. - Retire sua camisa e vire-se de costas.

Fiz como me fora ordenado. Ajoelhado e de costas para o monge, imaginei onde seria feita a tatuagem - e o que ela representaria.

- Tente manter-se relaxado, - alertou ele - corpo inclinado para a frente.

A tatuagem era feita com uma ripa de bambu mergulhada na tinta - nada de agulhas e máquinas estridentes. O "onde" descobri pouco depois: entre as omoplatas, na base do pescoço. O monge trabalhava rápido, as picadas foram se sucedendo, criando uma sensação de ardência, mas nada que não fosse tolerável. Finalmente, o monge soprou a tatuagem, recitou alguma coisa em tailandês e soprou novamente.

- Pronto - disse ele. - Você está protegido.

Pegou dois espelhos que estavam sob o altar. Entregou-me um e posicionou o outro sobre as minhas costas. Pude ver então o desenho que fora feito, um arabesco geométrico do tamanho do meu punho fechado.

- Este é o Gao Yord - explicou. - São nove pináculos que representam os nove picos do Monte Meru, e sobre cada um deles, há um Buda. Isto irá lhe trazer proteção, boa sorte e fortuna.

E em tom de advertência:

- Mas só vai funcionar se você, daqui por diante, procurar ser uma boa pessoa. Seja gentil, e terá proteção pelo resto de sua vida.

Sentindo-me em paz comigo mesmo, voltei-me então para o monge, e fiz um profundo "wai".

- [24-07-2017]