Injusto
Gabriel parou de tocar o violão. Inga soltou-se do abraço de Erich. Ralf e Bruno deteram-se junto à fogueira onde iriam assar salsichas. Harald, deitado na grama, abriu um olho e esquadrinhou o céu. Naquela tarde de outono, junto à floresta, o ruído dos motores de dezenas de aviões ficava cada vez mais forte.
- São americanos - avaliou, mão em pala sobre os olhos.
- Por onde andam as águias da Luftwaffe? - Questionou Bruno em tom de desprezo. - Os americanos agora atacam antes do escurecer.
- A Luftwaffe foi varrida dos céus - disse Gabriel, apertando as tarraxas do violão. - Hitler só manda aqui embaixo. Pelo menos, por enquanto.
- Acha que a guerra ainda demora muito? - Inquiriu Ralf, colocando mais lenha na fogueira.
- Você ouviu as ondas curtas da BBC - retrucou Bruno. - Os Aliados avançam pela França. Em breve, estarão tocando a campainha na porta da frente.
No céu, em formações cerradas, passavam sucessivas ondas de bombardeiros, protegidos por caças. Não vislumbraram sequer um avião alemão no ar. A única resistência visível ao avanço inexorável dos atacantes, era a barragem de artilharia antiaérea, mas mesmo esta parecia não estar num de seus melhores dias. Poucos claros se formaram em meio à massa de aeronaves aliadas.
- Sorte de quem não está na cidade hoje - comentou Inga, deitada com a cabeça no peito de Erich.
- Sorte nossa, então - riu Erich baixinho.
- Eles estão indo bombardear a usina e a represa - retrucou Bruno.
- Mas vão bombardear a cidade também - disse Inga em tom tranquilo. - Pra não perder a viagem.
- Afinal, somos todos inimigos e merecemos morrer, não é mesmo? - Ironizou Bruno.
- Espero que tenham boa pontaria e matem todos da Juventude Hitlerista e da Gestapo - sussurrou Gabriel, dedilhando o violão.
- Deixe de falar besteiras - cortou Inga. - Lá de cima não dá pra saber quem é bom e quem é mau.
- Não há justiça nesse mundo - filosofou Ralf, sentando-se ao lado da fogueira e assentando os cabelos louros compridos com as mãos.
- Eu discordo. Acho que há justiça demais - Harald havia fechado ambos os olhos. - E todos querem nos enquadrar. Professores, a Gestapo, a Juventude Hitlerista...
- E quando a guerra acabar? - Insistiu Ralf, o mais jovem do grupo.
- Sempre haverá alguém para ditar as regras, - prosseguiu Harald em tom provocativo - e nós para desobedecê-las.
- É o que nós fazemos, não é mesmo? - Disse Bruno, abrindo um sorriso.
Meia dúzia de garotos à beira de uma floresta e de uma guerra que não era deles. Olharam para cima, e erguendo um braço, como que para chamar a atenção, gritaram em coro:
- Somos piratas!
- [15-06-2017]