Natação

- Deveis saber que Platão considerava ignorante um homem que não sabia nadar!

- Não estamos mais nos tempos de Platão, William! Nadar é uma atividade para barqueiros e marujos!

Saindo do teatro, o cavalheiro de cabelos precocemente grisalhos parou por um instante para ouvir a discussão de um grupo de cavalariços.

- Posso opinar? - Indagou o cavalheiro.

- Como não, senhor. - Disse o cavalariço que confrontara William, um jovem de barba rala e agudos olhos negros.

- O seu amigo William está certo. E não somente no que toca aos tempos de Platão. Júlio César era um excelente nadador. Infelizmente, a natação é uma arte que se perdeu ao longo dos séculos, em épocas menos esclarecidas. E eu sou, por coincidência, alguém que busca resgatá-la do esquecimento.

- O senhor ensina natação? - Perguntou com incredulidade o cavalariço de barba rala.

- Mais do que isso. Escrevi um livro sobre o assunto.

E, em tom de desculpas:

- Em latim. É provável que jamais tenham ouvido falar dele: "De Arte Natandi".

Os cavalariços se entreolharam. William, que apesar de jovem já tinha entradas de calvície pronunciadas, comentou, em tom de desafio:

- "A Arte da Natação", para quem não pescou o título!

O cavalheiro levou a mão à aba do chapéu, em apreciação.

- Um cavalariço que sabe latim! Algo que só poderia mesmo acontecer em Londres...

William era puro contentamento. Fez um gesto abrangente, indicando os companheiros que o ouviam com atenção:

- Mas nós não somos cavalariços comuns, senhor! Somos cavalariços de teatro! Todos nós desejamos ser atores e dramaturgos!

- E que aqui estão como náufragos trazidos pela tempestade... - ponderou o cavalheiro.

- Talvez tangidos por ventos contrários à uma costa hostil? - Ponderou William.

- Desde que não tenhais nascido em Siracusa e aportado em Éfeso por infelicidade... - replicou o cavalheiro, com ar divertido.

William parou, olhos arregalados.

- Um mercador de Siracusa que por trágico sucesso desembarca em Éfeso... olhe que isso daria uma peça! Uma comédia!

- Uma comédia de erros, talvez - concluiu o cavalheiro. E tocando a aba do chapéu:

- Foi um prazer conhecê-los. Everard Digby, pároco de Orton Longueville.

Os cavalariços fizeram uma profunda vênia.

- Em nome dos demais... encantado, senhor. William Shakespeare!

- [13-06-2017]