A orquídea

Avançamos com dificuldade num aclive suave pela selva densa, os batedores abrindo uma picada à golpes de machete por entre árvores centenárias cobertas de líquens e bromélias. A luz do sol da manhã mal chegava ao solo coberto de folhas apodrecidas, por entre as quais se esgueiravam besouros e lacraias enormes, que teriam feito a alegria de qualquer entomólogo. Quanto mais nos distanciávamos do barco que nos levara rio acima até ali, mais nosso guia indígena ficava apreensivo.

- Sentem o cheiro? Estamos perto!

Madeira podre, vapores de pântano, frutas e flores exóticas. A qual cheiro especificamente ele estaria se referindo?

- Ninguém que já tenha sentido esse cheiro alguma vez na vida pode esquecê-lo - prosseguiu ele. - E poucos retornaram para relembrar.

O cheiro... sim, após o alerta dado pelo guia, eu e todos da expedição, pudemos discernir claramente do que se tratava.

Era um cheiro, não um perfume, do qual dificilmente se poderia esquecer. Era opressivo, e a cada passo que dávamos no solo escorregadio, tornava-se mais e mais onipresente, como um som dissonante que gradualmente se eleva e abafa todos os demais ao seu redor. Até se tornar insuportável.

- Alto! - Exclamei, quando minha cabeça começou a rodar. Os carregadores pareciam assustados. O rosto do guia era uma máscara cinzenta. Se a recompensa não fosse alta, estou certo de que teria retornado ao barco dali mesmo, nos deixando entregues à própria sorte.

- Que odor amaldiçoado é este? - Vociferei.

- É o que você veio buscar... - disse-me ele, suando em bicas. - O vale fica logo abaixo... você terá que seguir por sua conta e risco a partir daqui. O seu ouro não terá valor para mim se estiver morto!

Os carregadores também começaram a murmurar. Alguns puseram no chão suas cargas.

- Não queremos morrer! - Ouvi exclamarem.

- Ninguém vai morrer - gritei. - São apenas superstições!

Mas o cheiro, eu tinha que reconhecer, estava quase insuportável. Peguei uma atadura na maleta de primeiros socorros, embebi-a em álcool e amarrei-a sobre nariz e boca. Agora eu conseguia respirar um pouco melhor.

- Fiquem aqui! - Disse eu, pegando o machete de um dos batedores.

Prossegui sozinho, abrindo a picada a golpes rápidos. Mesmo com o pano embebido em álcool no rosto, o cheiro tornara-se uma presença quase física. Parecia entrar não somente pelas narinas e invadir os pulmões, mas impregnar a pele, como que por osmose. A sensação era simplesmente odiosa.

Por fim, cheguei ao alto do aclive e vislumbrei o pequeno vale. Talvez porque estivesse num ponto elevado, o ar ali era um pouco mais respirável.

O lugar abaixo estava em silêncio, um silêncio de morte. Nenhum canto de pássaro ou grito de macaco. E havia um nevoeiro que preenchia os espaços entre as árvores e parecia não ser movido pelo vento, como se fosse um líquido denso.

Comecei a descer cautelosamente, enquanto a bruma oleosa e fria elevava-se ao meu redor. A minha única referência para retornar era a inclinação do terreno, e eu sabia que não poderia permanecer ali por muito tempo ou as consequências seriam fatais.

Finalmente, eu a vi. A planta, endêmica do pequeno vale, era uma parasita que crescia sobre os troncos das grandes árvores. Estava por todos os lados, cascatas de flores de um branco leitoso coberta de pintas escarlates. Tão bela quanto mortal: a orquídea-demônio.

Minha cabeça latejava. Com o machete, cortei um pedaço da casca de uma sumaúma próxima, juntamente com um cacho de orquídeas-demônio a ela aderido. Coloquei tudo dentro de uma bolsa emborrachada para guarda de espécimes e comecei imediatamente a fazer o caminho de volta.

Ao fim de um tempo que me pareceu uma eternidade, mas que certamente não excedeu meia hora, reencontrei a picada aberta na selva e, mais adiante os homens da expedição, que pareceram assombrados ao me ver. Ergui em triunfo a bolsa onde guardara as orquídeas e exclamei com orgulho:

- Eu disse que conseguiria, não disse?

Espantei-me ao ver que todos começaram a se afastar de mim, como se eu estivesse com a peste. Só então percebi, para meu horror, que a bolsa estava se mexendo, como se houvesse algo vivo em seu interior. Soltei-a imediatamente e me afastei para junto dos carregadores.

De dentro da bolsa saiu então um magote de pequenas serpentes, brancas com pintas vermelhas. As repulsivas criaturas esgueiraram-se pelas folhas mortas que cobriam o solo, e desapareceram de vista.

Como muitos outros antes de mim, eu havia sido ludibriado pelo vale das orquídeas-demônio. Mas ao menos, escapara para poder contar a história...

[21-04-2017]