Vende-se o melhor livro do mundo

Saía todo fim de semana para ensaiar algumas canções com sua banda, e naquele dia chovia muito forte. Pulava as poças d'água, como quem foge da sujeira que ficava pela rua pelos ipês roxos da primavera. Chegava sempre antes para poder ter seu momento de paz com seu violão já meio velho ganhado de presente de um primo. Abria um caderno pequeno com frases e versos de romance, a caneta sem tampa e com a tinta já gasta pela metade. Imaginava cenas que jamais existiram. Em mente criava amores que sequer aconteceu. Deitava no chão do quarto com as mãos pela barriga e a cabeça pensando em como tudo na vida era difícil. E a chuva continuava, impedindo os integrantes de chegarem e voltara pular as poças d'água que tinham pelo caminho para chegar em casa. O guarda chuva não segurava o forte vento leste que vinha junto com a chuva e arrebenta. Indo embora caindo pelas poças d'água. Acelerava o passo para poder chegar mais rápido em casa, mas a chuva apertara mais ainda. Prefere esperar numa livraria próximo à várias lojas do centro perto da matriz. Bastante molhado e com frio por todo corpo, resolve ficar à espera do dilúvio passar. Olhando pela vitrine da livraria, repara num livro de título um tanto indagador e uma capa bem chamativa, escrito: "O melhor livro do mundo". Curioso à respeito do livro, chamara atendente e pergunta sobre o que se tratava esse tal "Melhor livro do mundo". Ela com um sotaque meio lusitano diz:

- É sobre um romance antigo, ora pois, mas que no final não dá certo.

- Como algo que não dá certo, é a melhor coisa do mundo?

A moça apenas sorri e continuara à preencher as pratileiras vazias com livros novos. Sairia dali refletindo sobre esse romance antigo. A tempestade continuava, e, prefere comprar uma capa de chuva nessas loja de um e noventa e nove. Voltara para casa, pulando as poças d'água que vinham pelo caminho e a sujeira que ficava pelo tênis dos ipês roxos. A capa de chuva pouco dura e logo se rasga, e pensava consigo mesmo:

"Agora entendo porque a loja tem esse nome". Chegando na casa, vai para cozinha preparar um café. Acende um cigarro, olhando pela janela vendo os pingos d'água que caíam do céu escorrer pelo vidro. O calor do maço esquentava os dedos e a fumaça quente que saía dos pulmões e subia pelo peito. Cada gole de café amargo descia guela abaixo para voltar pensar no livro e na atendente. Mais um pretexto para futuras canções. Passada a noite em branco, voltara noutro dia na livraria para ter a resposta da atendente. De cara na entrada da loja avista à portuguesa, e ela sorri:

- Veio à buscar o melhor livro do mundo, gajo? E aqueles quatro a cinco segundos antes de responder, bastaram para ver que algo havia de especial e amável naquela garota. Ela era linda. tão linda como um gol de bicicleta do Benfica aos quarenta e oito do segundo tempo com estádio da luz lotado. Os olhos castanhos amendoados eram tão dóceis quanto um poema de Fernando Pessoa. Mais encantadora que um belo Fado antigo tocado pelos bares das esquinas. Uma simpatia tão admirável quanto as pinturas da Paula Rego. A boca tão sútil e saborosa com sabor de uma fruta mordida. O sorriso mais bonito que o entardecer de Lisboa. E assim, lhe descrevia por completa. Descobrindo cada beleza viva que sentia por ela. Sendo muito mais que o amor. Mas antes, precisara responder sua pergunta:

- Sim, vim buscar "O melhor livro do mundo". Espero que seja bom iguais os filmes do Johnny Deep e a Julia Roberts.

A moça dá risada e garante que será uma boa leitura. Após pagar o livro no caixa, decide tomar coragem pra chama-la para sair ou qualquer coisa para se conhecerem mais:

- Você está muito ocupada? Queria tomar um café contigo?

- Agora estou bem atarefada, pode ser no fim de tarde?

Em seguida ele já concordara e sai feliz da vida, com alegria de uma criança que ganha um brinquedo novo. Durante o caminho de volta, senta debaixo de uma árvore cerejeira que gostava de ir, bem próxima de casa e começa folhear alguns trechos do livro. Ficara tåo envolvido pela trama, que acabara esquecendo que o fim de tarde logo chegava. Após ler pouco mais da metade, ouve o sino da matriz tocando e levanta desesperado e corre para encontro com a garota. Próximo da livraria, procurava pela moça que esperava sentada no banco da praça por quase quinze minutos:

- Perdão pelo atraso, perdi a noção da hora lendo o livro.

- Tudo certo gajo! Até pensei que você me daria um passe fora, mas chegou há tempo (Risos). Vamos comer um pastel de nata?

Sairiam dali até um restaurante chamado "Cantinho do Sabor", que ela amava ir para comer coisas típicas de sua terra. Logo em sequência, ele percebe que não sabe o nome dela:

- Acabei esquecendo de perguntar seu nome, como se chama?

Ela percebe ausência da pergunta:

- Me chamo Flor. Maria Flor.

Deslumbrado com a moça, o nome veio a calhar para fechar com chave de ouro toda descrição feita sobre ela. Ficara horas e horas conversando sobre diversos temas: Pólo aquático, animais de estimação, copa de dois mil e dois, religiões, depressão, arquitetura, literatura, cruzeiros transatlânticos, bebidas vermelhas, o sonho da Flor voltar para Portugal, bistrôs, filmes franceses, música popular brasileira, corrida, fofocas sobre celebridades, e milhares de assuntos. A hora de ir embora chegara, e ele pergunta se poderia leva-la em casa. Flor já bem envolvida com jeito cativante do rapaz aceita. Já na casa da moça, ela agradece a noite e diz que gostou bastante do café e assuntos conversados, que a noite foi muito especial. Ele também agradece e lhe abraça. Mas o olhar dos dois deixara claro que tinha algo acontecendo. Ele percebe durante esses quatro a cinco segundos e a beija. Matando o desejo de sentir aquela saborosa fruta mordida. Tateava a pele cheia de sardas. Sentia o calor que o corpo dela tinha. Os corações pulsavam em ritmo de valsa. O perfume doce beijado pelo pescoço dela. As mãos que se perdiam por todo canto e nem precisara se encontrar. Os lábios em sintônia de atração e afeto. Acariciava o cabelo dela com a sensação visceral de paixão. Até uma música romântica fictícia de violinos que tocava no fundo. E o amor fazia sentido naquele instante. Não era apenas uma palavra destacada pelo dicionário. Se concretizava algo verdadeiro e único. Flor até perdeu o fôlego. Mas puxara o ar, limpando com as pontas dos dedos o batom vermelho que ficara pela boca dele:

- Qual o seu nome mesmo gajo? (Risos)

- Thomaz.

- Que nome Fixe, bem giro.

Eles trocam os números de celurares, se olham, dão risada, se abraçam. Como quem sabe que foi um baita beijo e que estava rolando algo entre os dois. Thomaz voltara para casa feliz da vida. Com a felicidade de um atleta que ganha medalha olímpica. Cantando Oh darling do Paul McCartney pelas ruas do bairro, puxava as pessoas que passavam pela calçada e dançava, com céu estrelado e os vizinhos observando pela sacada dos prédios, achando graça da cena. Em casa, deitara na cama e relembra cada detalhe da noite com Flor. Isso lhe enche de inspiração, fuma dois cigarros seguidos e toma uma garrafa de café, escrevendo pela madrugada à dentro uma nova canção. Passados seis dias, Thomaz não pensa duas vezes, e liga para Flor, que se enche de felicidade ao ouvir a voz dele. Chamara Flor para mostrar um lugar que gosta bastante de ficar, ela logo aceita. Agumas horas depois, a moça chega num vestido lindo florido, quase uma irônia para Thomaz, mas aquele momento fechara cem porcento a sua descrição. Aproveita também e leva seu violão e vão para os pés da árvore cerejeira. Thomaz com sua voz rouca conquista de vez coração de Flor com a canção feita em sua homenagem e por sua vez, Flor também cantara bem. Um timbre meio bossa nova e rock'n roll, fazendo Thomaz suspirar o coração e o violão. Após passarem a tarde toda cantando e se amando, o rapaz pergunta para Flor deitada em seu colo, o desejo dela voltar para sua cidade, respondera com certa franqueza na voz:

- Chegaste muito novata por aqui, ora pois, meus pais morreram cedo. Tive que aprender a viver a minha nova vida. Sinto saudades do meu recanto.

Ele entende bem a história de vida de Flor, e ela, já emenda outra pergunta em cima para sair daquele clima chato que havia ficado:

- Você terminaste de ler o livro?

- Não, só li a metade. Vou terminar logo logo.

- Posso te pedir uma coisa?

- Sim, fala?

- Queria que parasse de fumar. Quero ter você mais tempo comigo.

- Mas ninguém vai morrer agora não (Risos)

- Eu sei, eu sei. Mas cigarro é do pioril. Pare, por mim?

-Sim, paro. Paro porque estou pinga-amor por você. Gostou dessa né? (Risos)

Thomaz voltara para casa já pensando na abstinência de nicotina que sofreria dali em diante. Jogara todos cigarros fora, menos o isqueiro em formato de âncora. Prefere guardar de lembrança, porquê a nostálgia não poderia morrer. O baterista da banda ligara para marcar um ensaio. Chegara no quarto do estúdio improvissado, senta em algum dos cajóns jogados pelo chão e começa passar um filme na cabeça de tudo o que aconteceu na sua vida até ali. Nesse instante viria uma certeza precisa e que mudaria tudo. Fazendo sentido como a palavra destada pelo dicionário.

- É isso.

- Isso o que cara?

- Tenho que sair agora. Preciso fazer uma coisa. Você será um grande baterista um dia. Não desista brother!

- Aonde você vai cara? Volta aqui? E o nosso ensaio? Eu comprei pizza de atum pra gente...

Thomaz corre o mais rápido possível para chegar em casa. Pega o livro, começa ler e se aprofundar cada vez mais na leitura. Deixa a última página vaga, sem ler e arranca a folha.

A vontade de fumar bate forte, mas o café contém seu vício até então. Arruma uma bolsa grande com algumas roupas, prepara a capa com seu violão e liga para flor:

- Amanhã bem cedo preciso te mostrar uma coisa. Calma. É coisa boa.

- O que é?

- Surpresa. Arruma uma mala com algumas roupas também.

- Vamos para praia?

- Melhor que isso. Bem melhor que isso meu amor.

Naquela manhã chovia muito forte. Thomaz se preocupa com a chuva e saí mesmo assim. Voltara pular as poças d'água que vinham pelo caminho e desviava da sujeira que ficava na rua pelos ipês roxos. Vai até uma loja de passagens aéreas do centro e compra duas passagens. Dali se encontra com Flor. Com um sorriso de orelha a orelha, ele não consegue disfarçar alegria que estara sentindo. A moça fica curiosa.

- Para onde vamos?

- Calma. Lembra do livro?

- Sim, "O melhor livro do mundo". Que que tem, ora pois?

- Você me disse que no final não dava certo

- E não dá mesmo, eu li.

- Engraçado, no meu livro, o final dá certo. Olha aqui.

- Mas esse aqui não tem a página final, gajo. Pera... são duas passagens para Portugal.