Cinquenta vezes não

Não é fácil ser rejeitado. Seja no amor ou no trabalho a rejeição causa muito sofrimento. Mas é preciso seguir em frente. Não se abater e acreditar que amanhã será um novo dia e bem melhor que o hoje que nos faz sofrer. Alex Mitchel tinha 37 anos de idade. Estava desempregado e muito endividado. Ele era administrador de empresas por formação, mas nunca conseguiu administrar sua própria vida. Estava solteiro há cinco anos, desde que se separou de sua esposa. Não tinha namorada e nem queria ter. Pelo menos não agora. Após ser demitido de seu último emprego, como bancário, por absoluta falta de vocação, escreveu um livro durante o tempo em que recebeu o seguro-desemprego.

Tentar ser escritor, mais que uma vocação, foi uma necessidade. Alex, por adorar ler, acreditava que poderia ter sucesso na carreira de escritor. Ser um best-seller (se tiver sorte!) ou, na pior das hipóteses, ao menos conseguir dinheiro suficiente para pagar suas contas. Mas as editoras tradicionais, para as quais enviou os originais de seu livro, não lhe abriram as portas. Seu livro foi recusado, não uma; não dez; não vinte; não quarenta: ele foi recusado 50 vezes!!! 50 nãos de editores que não gostaram de seu livro. Alex não entendia o porquê de tamanha rejeição. Ele era um escritor iniciante (é verdade!), mas tinha um português perfeito e boas ideias. “As Messalinas também amam” era o título de seu livro. O romance, acreditava ele, era bem escrito e baseado na ideia que as mulheres da vida (leia-se prostitutas) também se apaixonam. Mas 50 editores não gostaram de seu livro. E ele não sabia o porquê.

Alex Mitchel estava a ponto de desistir da carreira de escritor quando seu celular tocou diversas vezes, exatamente às 15 horas, de uma terça-feira chuvosa de inverno. O número era não identificado. Resolveu atender pela insistência da outra pessoa em falar com ele. Era uma mulher. Ela era esposa de um editor para quem Alex mandara seus originais, mas, ao contrário de seu marido, ela leu e gostou do que leu. Suzana Vegas era editora literária de uma pequena editora, a Letra Verde, que garimpava novos talentos literários e via, em Alex Mitchel, um diamante a ser lapidado. Marcaram um encontro para o dia seguinte, numa cafeteria, às 10 horas da manhã.

Alex chegou primeiro à Cafeteria Dolce Vitta, localizada na rua Tonelero, 7, em Copacabana. Estava sentado, no fundo da cafeteria, tomando um café expresso, quando, após 25 minutos de penosa espera, Suzana chegou. Ela não era bonita. Não mesmo. Ela era maravilhosa! Linda de morrer! Loira, altura de modelo de passarela e corpo idem, aparentava ter apenas 25 anos e tinha um sorriso que irradiava alegria e bondade.

― Boa tarde! Você é o Alex? Alex Mitchel?

― Não. Eu me chamo Isaías Queiroz. Disse sorrindo o ruivo magérrimo de olhos verdes hipnotizado com a beleza da linda loira.

― Eu sou Alex Mitchel! ― gritou o escritor, também ruivo e de olhos verdes, que estava sentado duas mesas atrás do primeiro ruivo.

― Prazer, Alex. Eu sou a Suzana, Suzana Vegas.

―O prazer é meu, Suzana. Desculpe-me por tê-la deixado numa saia justa. É bem improvável que haja num lugar pequeno como este dois ruivos com a mesma cor dos olhos. Mas hoje aconteceu... ― disse o ruivo, que podia ser pivô de time de basquete, estendendo a mão para cumprimentar a bela mulher, sem disfarçar o sorriso de encantamento que logo sumiu quando percebeu a aliança no dedo anelar da mão esquerda da editora literária.

― Bem, vamos começar nossa reunião...

― Suzana, antes de começarmos, eu preciso saber o que você gostou no meu livro, porque 50 colegas seus o recusaram!

― Bem. Vamos lá... Adorei o tema. Gostei muito de você abordar, em seu livro, a história de Messalina, uma mulher promíscua e poderosa da Roma antiga e da analogia que você faz dela com as garotas de programa de hoje... Mas...

― Mas...― disse Alex, visivelmente interessado.

― Mas você utiliza, em sua obra, palavras e linguagem da época de Machado de Assis e nós estamos em pleno século 21!!!

Alex Mitchel ficou calado por um minuto com um olhar fixo e distante para Suzana. Parecia até minuto de silêncio em homenagem a alguém falecido, muito comum antes do início de uma partida de futebol. Alex não gostou da observação de Suzana. Ficou chateado mesmo. ―Ora, bolas. Quem é ela para dizer que o estilo de Machado de Assis não é bom para o século 21?―Pensou Alex Mitchel irritado.

― O que você quer que eu faça? Quer que eu reescreva meu livro?

―Sim e não...

― Como assim? Não entendi...

― O tema é muito bom. Falar sobre prostituição vende e muito bem. A história é ótima e o final melhor ainda, mas a lingagem que você usa é muito rebuscada. Para ser um best-seller é preciso uma linguagem mais acessível, mais...

― Mais popular?

― Exatamente! Mais popular! ―Disse a bela editora com um sorriso triunfal.

― Não quero transformar meu livro numa bosta! Não aceito fazer isso. Se este foi o motivo para eu receber 50 nãos, parabéns! O seu me dá uma boa ideia para o que eu vou beber quando sair daqui...

― Mas...

Alex Mitchel estava se levantando para ir embora, quando Suzana Vegas segurou sua mão direita e colocou nela seu cartão.

― Se você mudar de ideia me ligue... Alex fez um sim com a cabeça sem muita convicção e saiu sem pagar a conta de seu café expresso.

Um mês. Foi o tempo que Alex Mitchel teve para bancar o orgulhoso. Precisava do dinheiro para ontem. Devia aos bancos e a agiotas e eles não gostam de esperar. Não mesmo. Alex tinha em mãos um livro que podia ser um best-seller, mas que precisava de alterações. Mesmo sendo um escritor iniciante, Alex Mitchel era muito vaidoso para aceitar críticas a seu trabalho, mas a vaidade é a primeira que some quando chega a fome ou quando os credores batem à porta. E a fome era a primeira a bater à porta de Alex Mitchel.

― Alô, é a Suzana? Suzana Vegas?

― Não. Aqui quem fala é o Tonhão. Eu sirvo? Disse uma voz fina e fanhosa que parecia com a de uma mulher, mas não era...

― Desculpe. Foi engano. Disse Alex, rispidamente, desligando o telefone. O escritor deixa cair acidentalmente o celular no chão. E o vidro do celular se quebra. Tenta ligar novamente torcendo para que o celular ainda funcione.

― Suzana?

― Sim. Sou eu. Quem fala?

―Sou eu. Alex Mitchel, o escritor do livro “As Messalinas também amam”.

―Ah! Tá! Mudou de ideia?

― Sim. Quero me encontrar com você. É possível?

― Sim. Podemos nos encontrar na mesma cafeteria em que nos encontramos pela primeira vez. Eu posso na quarta-feira. Está bom para você ?

― Sim. Está ótimo. Nos encontramos depois de amanhã então. Obrigado, Suzana...

―Não por isso, querido. Tchau! Até quarta!

―Até. ―Disse Alex Mitchel como se estivesse marcando encontro com uma namorada e não com a editora de seu livro.

Não foi só por dinheiro que Alex toparia fazer negócio com Suzana. A beleza estonteante da loira também tinha pesado na balança. Qual homem conseguiria ficar impassível àquele furacão em forma de mulher? Um tsunami que entrou em sua vida quebrando-lhe tudo em que ele acreditava e capaz de vencer até sua enorme vaidade. E ele era de leão! Um signo vaidoso por natureza. Mas a paixonite à primeira vista foi mais forte. Ainda que Alex Mitchel ainda não tivesse consciência disso...

Quarta-feira chegou e com ela o início de uma intensa e próspera parceria. Não só profissional, mas também pessoal. Com o tempo, Alex aprendeu a ver Suzana Vegas não só com os olhos e a razão, mas com o coração e Suzana viu que Alex Mitchel era mais que um escritor nerd de um livro que virou best-seller. Ele era o homem da sua vida. E foi este o motivo principal de seu divórcio. Suzana procurava em seu ex-marido todas as qualidades que via em Alex: cavalheirismo, bondade, determinação e alegria. Não dava para continuar casada. Era a hora da separação e de um novo enlace: com Alex. E assim foi. Suzana não era, nem nunca fora, uma Messalina. Não mesmo. Mas foi por meio do romance sobre uma que ela se inspirou para ser uma dama na sociedade (ela já era!) e virar uma puta na cama, mas isso é uma outra história...

FIM

Luciano RF
Enviado por Luciano RF em 20/08/2017
Código do texto: T6089906
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