Dançando Sozinha

Eu adoraria dizer que essa é uma história com final feliz, mas não posso.

Não posso, porque ela não tem final, e mesmo se tivesse, não seria feliz, pelo menos não pra mim.

Eu sempre costumei dizer que Felipe era minha alma gêmea. Eu sempre dizia que o amava, e ele sempre repetia:

- Você sabe que eu te amo.

Mas não se enganem nem por um segundo, essa não é uma história sobre um grande amor recíproco, está mais pra uma história sobre uma grande amiga, uma amiga do peito.

Eu sempre gostei de ler, sempre amei mergulhar nas belas histórias, em parte porque minha mãe me influenciou bem, e em parte porque esse era o jeito mais fácil de fugir da realidade. Felipe também ama ler, temos o mesmo gosto literário, ele diz que é por isso que somos melhores amigos.

Também amo dançar, mas nunca danço na frente de ninguém, sou desengonçada demais pra isso. Sou do tipo que prefere dançar sozinha.

Já Felipe passa suas noites de sábado nas mais extasiantes festas, onde ele se encanta com a diversidade de garotas bonitas, e se empolga com a quantidade que beija em poucas horas. Ele gosta de me abraçar sempre que pode, e eu não vou negar, amo o seu abraço, mas quando sinto seus braços ao redor de mim, o ar em meus pulmões desaparece, ele simplesmente some e eu me sinto desequilibrada, sinto como se nossos corpos tivessem sido feitos um pro outro, quando na verdade, é apenas um simples abraço de amigos.

Eu nunca fui do tipo graciosa, na verdade, sou mais desastrada do que posso explicar. O meu cabelo não tem brilho, minha pele não é perfeita, eu não sei escolher as melhores roupas, mas eu sempre estou sorrindo. Isso conta como charme, não conta?

Mas eu não começaria a tagarelar sobre mim se não tivesse descoberto que ele agora tem um novo amor. Começaram como uma amizade boba, eu nem percebi a gravidade das coisas até ser tarde demais, até reparar no brilho que emanava de seus lindos olhos castanhos quando ela aparecia.

Charlote diz que me considera como uma boa amiga, e que no que depender dela seremos inseparáveis algum dia. Ela diz que o Felipe é um cara de sorte por me ter como irmã de consideração, e que cuidaremos dele juntas, já que ambas o amam. Mas eu discordo, porque por mais que pareça egoísta da minha parte, eu acho que nunca encontrarei outro alguém que o ame como eu.

Eu disse que não sou graciosa, mas ela é. Ela tem aquele brilho que ninguém mais tem. Uma naturalidade no andar e no falar que deixam qualquer um boquiaberto. O sorriso dela é o bastante para fazê-lo feliz mesmo após um dia estressante, e o sorriso dele é o suficiente pra me deixar feliz uma semana inteira. O olhar dela é profundo como uma grande maré, e ele diz que não se importaria em se perder lá dentro. Já eu continuo andando em círculos para que de alguma forma ele olhe para mim novamente, para que de alguma forma ele me descubra, para que ele saiba que estou aqui, para que ele saiba que eu já me afoguei no seu olhar muito antes de aprender a nadar.

Agora eu estou do outro lado do salão. Eles resolveram sair para uma festa e Charlote insistiu para que eu abandonasse a leitura ao menos uma vez.

Eu sorri, e aceitei, porque fiquei com medo de que Felipe se chateasse com minha recusa, então vim. Felipe e Charlote estão dançando há algum tempo, e nesse momento eu gostaria de sair correndo.

Depois de um tempo na pista de dança, eles dois se cansam e caminham de mãos dadas até o sofá. Felipe sinaliza para mim para que eu também vá me juntar a eles, mas para minha surpresa, o amigo de Charlote, Marcos, também veio e sentou-se ao meu lado no sofá. Isso provavelmente foi ideia do Felipe, é ele que vive dizendo que eu devo me soltar mais e ficar com alguns caras.

- E aí amiga tá gostando da festa? – pergunta Charlote em tom de voz alto por causa da música.

- Pra caramba. – digo balançando a cabeça positivamente e com um falso sorriso no rosto. Falsos sorrisos sempre foram minha especialidade.

- Já estão se chamando de amigas? – pergunta Felipe surpreso com a intimidade de Charlote para comigo. Ele colocou seu braço esquerdo ao redor dos ombros dela e passou a acariciar seus braços com a ponta dos dedos.

- Mas é claro que sim! – respondeu Charlote – A Ana é a pessoa mais fofa que eu conheço, não tem como não se apaixonar por esse jeitinho. – Felipe ri.

- Concordo. – diz Marcos ao encarar-me fixamente com um sorriso no rosto que indicava interesse. Fico sem graça na mesma hora, Felipe passa a me encarar também e arqueia as sobrancelhas para me fazer um sinal. Ele basicamente queria dizer para que eu “investisse” em Marcos. Desvio o olhar do seu e passo a ignorá-lo, a última coisa de que eu precisava era de conselhos amorosos de Felipe.

Olhei para Marcos e sorri.

- Você não bebe? – perguntou Marcos reparando que eu não segurava nenhum copo em minhas mãos. Pensei bem antes de responder, afinal não queria parecer uma criança perdida, mas também não podia mentir dizendo que bebia, já que eu não o fazia. Eu nem sei o porquê de ter me preocupado com o que Marcos acharia de mim, já que tudo o que eu conseguia pensar era em Felipe que a essa altura beijava Charlote no canto do sofá.

É eu sei que é estúpido, mas dói. Eu estou aqui. A amiga do peito está aqui. Apenas observando ele a beijar.

E enquanto as mãos de Charlote acariciam a nuca de Felipe, eu só consigo pensar em como está sendo difícil respirar, como está sendo difícil ficar de pé. A música alta já nem me incomoda mais, apenas ouço ruídos. As outras pessoas praticamente desaparecem a meus olhos, só vejo sombras.

É como se estivéssemos só nós três num salão vazio e eles nem sequer me notam.

- Eu não gosto muito de beber. – finalmente respondi. – Sou muito fraca para essas coisas e a última vez em que bebi muito acabei fazendo besteira. – Marcos riu.

- Ah mas isso é normal. – explicou-me. – Eu já fiz tanta coisa errada quando estava bêbado, que pra mim já se tornou costume.

Balancei a cabeça positivamente e fingi estar interessada. O que eu não percebi, foi que Felipe parou de beijar Charlote, e é claro, reparou em meu desconforto ao lado de Marcos. Não sei quanto tempo ele teve que me observar para finalmente notar, mas notou.

- Ana! – Felipe me chamou. Olhei rapidamente e cheguei a ficar assustada. – Vamos ali ver se conseguimos pedir uma música. – falou referindo-se a mesa do DJ logo atrás de nós. Balancei a cabeça positivamente (de novo, eu estava evitando falar muito. Na verdade, eu nem sabia o que falar). Levantei e o segui.

Ele parou a minha frente e me colocou contra a parede. Eu não havia reparado em como ele estava bem perfumado, e só o fato de estarmos tão próximos conseguiu me acalmar e fazer minhas mãos pararem de tremer.

- Você não queria vir né? – perguntou enquanto colocava as mechas do meu cabelo atrás de minha orelha.

- Eu queria sim. – respondi com tom de voz firme (pela primeira vez na noite). Ele me fitou de olhos cerrados e balançou a cabeça em sinal de negação.

- Pode mentir pra todo mundo menos pra mim. – continuou – E sabe disso. – bufei nervosa e desviei meus olhos de seu rosto.

- Eu queria vir sim. – insisti – Só tenho que me acostumar mais com isso, você sabe que eu não sou de sair muito. – respondi quase irritada. Ele riu de mim e me puxou para um abraço.

Felipe sempre foi mais magro do que muitos caras, portanto eu sempre consigo envolver seu corpo ao meu apenas com meus braços ao redor de sua cintura, enquanto ele abraça meus ombros de forma a fazer minha cabeça recostar em seu peito.

- Está tudo bem? – pergunta Charlote ao seu aproximar de nós. Felipe me soltou na mesma hora e passamos a olhar para ela. Ela parecia preocupada comigo.

- Tudo bem sim. – respondeu ele sem nem sequer me dar à chance de falar. Decidi apenas concordar.

Ela sorriu e segurou a mão de Felipe.

- Amor vem dançar comigo, está tocando a nossa música! – pede com empolgação. Felipe nem teve tempo de responder e ela já o havia puxado para longe de mim. De novo.

Seria utopia de minha parte acreditar que um dia ele vai acordar e perceber que eu estive aqui o tempo todo? A amiga do peito que cansou de ser amiga do peito. A amiga do peito que cansou de dançar sozinha. Porque sou eu quem não consigo sorrir se ele não está sorrindo. Sou eu quem não consegue dormir se ele ainda está acordado. Sou eu quem o abraça quando ele está cansado. E sou eu que deixo de dançar em uma festa só porque ele não está dançando comigo. Mas eu não sou ela. E tudo bem, porque eu já me acostumei com a ideia de que essa noite, eu não serei a garota que ele irá acompanhar até a porta de casa.

Devo eu permanecer sorrindo e dizer a mim mesma todos os dias que sou feliz por sermos amigos, ou devo me debulhar em lágrimas por saber que nunca passaremos disso?

Porque ele não me vê? Mesmo parada ao seu lado, ele não me vê. Porque talvez não sejamos almas gêmeas, e talvez ele não me ame realmente, mas ame o que eu significo pra ele. Porque talvez o nosso gosto literário não signifique nada, porque no fim das contas, eu leio pensando nele e ele lê pensando nela.

Mais uma vez eu apenas sorri. Fiquei paralisada. Imóvel. Eles dois seguiram para o centro da pista, onde vários outros casais dançavam aquela música lenta, e eu nem sequer consegui me mexer. Sem que eu tivesse qualquer controle, pequenas lágrimas escorreram de meus olhos e percorreram todo o caminho do meu rosto. Eu chorei, porque doeu. Chorei porque sabia que ele estava feliz, porque sabia que ele jamais me veria. Jamais.

- Você gosta dele não é? – perguntou Marcos surgindo dentre as pessoas e assustando-me. Sequei as lágrimas no mesmo instante com as costas da mão e olhei para ele como se nada tivesse acontecido.

- O que disse? – perguntei fingindo-me de desentendida. Mas Marcos não respondeu, pelo menos não com palavras. Ele me puxou pela cintura e me beijou como nunca fui beijada antes. Por um momento breve parte de mim quis imaginar que eu beijava Felipe, mas a outra parte me fez cair na real, e perceber que eu estava com Marcos, e aquela era uma sensação de avivamento que eu não sentia há muito tempo.

E era o Marcos. Não era o Felipe.

- Quer que eu te leve pra casa? – perguntou após nosso beijo, enquanto nossos rostos ainda permaneciam colados.

- Quero... – respondi ainda extasiada. Ele sorriu e depois correu até o sofá e pegou minha bolsa, e uma última vez eu observei Felipe e Charlote dançando. Uma última vez eu observei o cara que eu amo com outra... E então fui embora.

Uma vez eu ouvi dizer que quanto mais próximo de se libertar você está, mais vai doer. Acho que é verdade, porque deixar Felipe lá doeu. Mas era uma dor diferente agora, porque dessa vez eu sabia que ia parar de doer mais tarde.

Não sei se quero continuar esperando ser descoberta por ele. Porque acho que talvez esse seja o grande final, para uma grande amiga. Portanto, se é o fim, prefiro me descobrir por conta própria, e sei que para isso continuarei dançando sozinha por um tempo.

Mas não pra sempre.