Renata

Simplesmente numa noite diferente aconteceu. A menina, encantada com o mundo a sua volta, fez brilhar uma luz ainda mais intensa. Ela achou a sua estrela, a sua melhor amiga. Ficou feliz, pois agora poderia dividir com alguém as suas dores. Na verdade, não queria saber de dor, queria mesmo era irradiar luz. Ela já fazia isso, assim a estrela veio lhe fazer companhia.

O contato das duas fez brilhar o mais novo espetáculo no céu. Dois seres divinos, dois entes com capacidades fantasmagóricas. A menina adorava se sentir assim, queria mesmo era se entregar a sua nova conquista. Havia descoberto um novo universo, tinha em suas mãos uma estrela, era, ela mesma, a deusa das suas próprias probabilidades. A menina amava ser amada. A estrela iluminava tudo ao seu redor com amor. A menina não sabia o seu nome, ainda não haviam trocado palavras, simplesmente se deixou levar por aquele brilho intenso.

O que a fez descer até ali? O que ela tinha que fez com que a estrela viesse? Seria o seu rosto de menina serena, que serenava tudo a sua volta? Ou talvez fosse o seu jeito, única dentro todas? Contudo, a estrela veio. Veio e trouxe consigo todo um grupo de curiosos. Talvez também estivessem hipnotizados com os seus encantos.

Com tudo isso os dois ficaram ali parados. Com o passar do tempo ela avançou, quis ir mais perto, desbravar campos novos, estava dentro dos seus limites. O primeiro contato foi um pouco confuso, os rostos rosados buscaram cantos para poderem ser esconder. Logo se recompuseram e encararam um ao outro. Ela disse o seu nome e a sua amiga nada lhe disse. A menina observou aquele gesto com um pouco de curiosidade. Observando melhor agora, lhe veio uma indagação: Elas pareciam maiores olhando daqui de baixo. Agora, ela poderia caber em suas mãos.

A menina fez mais duas tentativas e quando já estava quase desistindo, a resposta lhe foi dada. Sua amiga disse que ela havia lhe escolhido e que por isso veio cumprir os seus desejos. A estrela tinha que realizar um pedido de quem ela amava. A menina pediu um pedido. Pediu para ser livre, para poder ser aquilo que sempre quis.

A menina tinha um pedido a ser feito.

Uma súbita tomada de consciência pousou sobre si. Sentiu-se carregando todos os problemas do mundo em seus ombros. Um pedido deveria ser feito e isso lhe causou angústia. Analisou a situação, observou melhor a sua amiga e se contorceu na sua própria inquietude.

Qual seria o seu pedido? Pediria para si ou para todos? Uma estrela amiga veio lhe trazer um pedido. Poderia pedir que o mundo se tornasse um campo de borboletas. Não, ingênuo de mais. Poderia pedir que o mundo se tornasse em um lugar de paz. Não, utópico de mais. Então pediria pela sua família. Isso, um pedido para que a sua família se tornasse melhor, mais amável, mais leal, mais carinhosa, isso sim é um pedido de verdade. Abriu a boca para dizer, mas as palavras secaram. Fez careta de susto com a situação, analisou tudo a sua volta, os espectadores, a sua amiga, a si mesma e voltou a estaca zero. Não mais pediria pela sua família.

De súbito fez careta de raiva, estava cansada de não poder fazer com que algo acontecesse de verdade. Tinha em suas mãos o poder de mudar as coisas, a capacidade de transformar tudo a sua volta, mas algo a impedia, algo não deixava com que ela se movesse. Estava parada no tempo, no breu da noite vermelha, junto com uma amiga que acabara de conhecer. Era dona do mundo inteiro, tudo estava debaixo das suas vontades. Mesmo assim não podia fazer nada.

Tentou dizer para si mesma que era dona das suas próprias vaidades. Nada adiantou. Tinha convicção dessa tese, nos momentos mais difíceis conseguiu demonstrar toda a sua força estupenda.

Agora era um filhote abandonado, sem chão, sem tese e sem poder fazer o pedido. A menina tinha um pedido a ser feito. A estrela tinha que realizar um pedido do seu amor.

Então se lembrou. Se lembrou que em outras eras pessoas também lhe concederam pedidos. Se lembrou que mãos foram estendidas, que abraços foram oferecidos. Se lembrou ainda mais que amores foram jurados, que disseram que entregariam o mundo todo somente para ela, que tudo seria para sempre, que ela poderia viver em seu próprio campo de borboletas. Outras estrelas vieram, outros anjos vieram, ofereceram pedidos e nenhuma cumpriu com seus deveres. Os milagres, as ajudas, os amores, nada lhe foi dado. Ela confiou, porque numa noite escura as estrelas roubam a cena, brilham forte em seus olhos, causam um êxtase, paralisam todas as reações. Outros seres divinos vieram, colheram a sua esperança e sumiram. Sumiram para nunca mais voltar, voaram tão alto que os seus olhos não mais puderam observar.

E ali estava ela parada, tomada pelo déjà vu existencial. Sem querer se afastou da estrela. Sentiu que ela notou a sua reação. Se recompôs e voltou para a sua realidade. Todos a encaravam, a estrela e os espectadores. Se viu de boca aberta, confusa. Confusão era o seu estado de ser, existia para ser incompreendida. Então se jogou no chão gramado, joelhos colados na boca e olhos fixos no escuro. Talvez ali pudesse encontrar paz, talvez ali não fosse mais enganada, traída, talvez ali alguém pudesse compreendê-la. Quis chorar e chorou. Não se importou com quem estava observando, o mundo era dela e a menina fez dele o seu oceano particular.

Chorou todas as suas dores, as suas angústias, voltou a ser menina. Queria que todos soubessem que ela era apenas uma mortal e que não poderia conviver com problemas eternos. Então chorou mais. Se dependesse dela (e dependia) choraria por todo o infinito, tinha dores de mais acumuladas. Se lembrou que um dia a solidão sorriu para ela e que lhe pediu para ser sua amiga. Ela recusou. Outro dia a alegria gritou que ela era importe, ela não deu ouvidos. O amor disse que ela era tudo o que ele tinha, a menina o chamou de falso. Disse para ele que um amor verdadeiro deveria ser amigo e carinhoso, fiel e respeitoso. Um amor de verdade deveria completar e nunca subtrair. Ela atirou pedras nele e nunca se arrependeu disso.

Quando se deu por si já tinha chorado o dilúvio. Então as lágrimas pararam. Conseguiu olhar as coisas a sua volta. Tudo estava como antes, as suas dores só causaram estragos dentro de si mesma, as estações se mantiveram do mesmo modo, nada mudou.

Então analisou melhor a situação. Viu a sua amiga ali parada, viu os espectadores ali parados. Também viu a si mesma ali sentada junto com o seu oceano de lágrimas. Enxugou os olhos e adormeceu o queixo nos braços encolhidos. Queria achar uma solução para todas as suas angústias, queria ser ela mesma na sua plenitude. Torceu os lábios e olhou para a estrela. A menina viu o sorriu que ela lhe deu. Tirou a cabeça dos braços e quis observar mais aquele sorriso. Olhou com cautela, não poderia ser enganada de novo. Parecia sincero - todos são -disse a sua consciência, parecia amável – todos são -. Então ignorou tudo e voltou para o seu casulo. Estava decidida a ficar ali por tempo indeterminado. Ela era dona do seu próprio tempo, nada poderia fazer com que ela mudasse de opinião.

Contorceu-se mais no seu casulo e quis dar um basta naquilo tudo. Estava feroz consigo mesma, sentindo que o seu mundo se reduzia a aquilo, um oceano lágrimas. Ao longe viu um barquinho ao relento, apenas sendo conduzido pela maré branda da noite. Uma lua cheia acabava de decorar o cenário perfeito para o que se via. E dentro do barquinho havia uma menina. Uma menina segurando um barquinho de papel, branco como a lua que segurava o céu sem estrelas. Elas, por alguma razão, haviam se ausentado da festa, não queriam participar, não queriam que a menininha descobrisse que era luz. A lua existia, mas não brilhava. A menininha não existia e iluminava tudo ao seu redor. Iluminava o barquinho e o barco, iluminava a lua e o restante do cenário. Porém, ela não parecia contente com a sua importância, debaixo dos seus cabelos negros via-se um rosto lindo – porém não demonstrava. A menininha estava esquecida de si mesma – a menininha fazia parte da nossa menina que tinha um pedido a ser feito. A estrela tinha que realizar um pedido do seu amor.

E ainda havia um pedido a ser feito

De repente outras fontes de luz surgiram no breu da névoa. Uma invasão de cores cintilantes fizeram parte do novo cenário. O negro deu lugar ao amanhecer de um novo dia, com direito aos belos raios avermelhados do majestoso sol. Ele substituiu a lua inerte, fez criar vida num vale sem nada. As estrelas também vieram e faziam um esforço enorme para brilhar mais forte do que o sol.

Com tudo ela levantou a cabeça. A sua amiga emanou um brilho mais intenso. Os espectadores também apresentaram os seus presentes, todas aumentaram os seus brilhos. Ao olhar aquilo tudo, vislumbrou-se com a verdade estampado em seu rosto. Por um segundo se permitiu sonhar, deixou-se ser levada pela contagiante alegria que o momento podia proporcionar. A sua amiga sorriu de novo e quando se deu por si todos estavam sorrindo. Quis entender melhor aquilo e se levantou, tinha que ver aquilo de mais de perto. Deu passo atrás quando a estrela se movimentou. Fez sinal de recusa, não queria ser enganada. Um dia outras estrelas apareceram, brilharam e se apagaram da sua vida num piscar de olhos.

A estrela chegou mais perto e a sua reação foi fechar os olhos e esperar pelo fim. O frescor do beijo fez com que ela voltasse abrir os olhos. Conferiu a sua testa, havia uma marca brilhante nela, um contraste da sua pele morena. Havia uma marca branca. Apenas se sentiu calma, nada mais. O oceano havia secado, não tinha mais barcos ou luas que não iluminavam. O que se sentia era o frescor do beijo inundando tudo. A inundação alcançou toda a sua testa e veio descendo. Num segundo já tinha chegado aos pés. Se viu num vestido branco, sua pele florescente, se viu tomada pelo frescor. O que é isso? perguntou para a estrela. Ela

simplesmente sorriu novamente e respondeu: Amor. O amor tem a capacidade de fazer o não existente a existir, tem o dom de curar qualquer ferida, de fazer noite de chuva em dia de verão. E a menina tinha um pedido a ser feito. Lembrou-se disso quando interpretou que estava curada. Curada de todos os seus medos e temores, curada da angústia e das incertezas. Lembrou-se que poderia pedir quando percebeu que errar faz parte da vida, que as dores fazem parte do processo de aprendizagem. Lembrou-se que poderia pedir quando descobriu que só consegue quando se tenta, quando se acredita, quando se da uma chance.

Felicidade é apenas a demonstração do seu potencial. Isso ela descobriu quando percebeu que todos ali só queriam o seu bem e que era ela quem não estava aberta para novas aventuras. Pela primeira vez se deu o luxo de sorrir. Acreditou na estrela, aceitou o convite e quis dar um passo adiante. A estrela tinha que realizar um pedido do seu amor.

E a menina tinha um pedido a ser feito.

A menina aprendeu que na vida todos estamos num barco, rumando ao infinito que nos espera lá fora. O infinito é a nossa casa, a estrela contou tudo isso para ela, ensinou um mundo de conhecimentos num segundo. Ela, prontamente aprendeu, súdita da razão e da vontade de crescer ergueu-se para ir mais além. E ela tinha um pedido a ser feito.

Voltou para a sua meditação matinal, tinha que fazer aquilo, era a sua incumbência de vida. Quis desistir, mas a sua amiga não deixou. Disse que ela deveria cumprir tudo. Era um simples pedido, um pedido que poderia mudar a sua vida para sempre.

Fez careta de desolação, não sabia o que deveria ser feito. Queria ser mais amável, queria poder melhorar, dar um salto mais além. Queria que todos, não somente ela, fossem mais leais, que a traição fosse extinta da existência. Queria poder entender mais as pessoas, poder ajudá-las mais, queria ser diferente. Queria se valorizar mais, se amar mais, queria não ligar para aquilo que as pessoas dizem, o que os outros pensam a seu respeito. Estava cansada de ser uma pedra de gelo, queria mesmo era demonstrar amor, emanar amor, amar quem o ama. Queria um amor de verdade, sincero, alguém que pudesse compreendê-la, aceitá-la do seu jeito. Jeito de menina serena, deusa dos altares longínquos. Na verdade, estava cansada da mesmice da vida, queria algo novo, um novo rumo, um novo trilho, uma nova verdade. Queria ser mais para poder dar mais. Dar mais amor, mais carinho, mais abraços. Dar mais sinceridade, mais filantropia. Queria acreditar mais nos seus sonhos, queria parar de achar que tudo é idiotice de menina ingênua, que tudo não passa de besteiras e que nada vai mudar. Queria que a vissem como alguém a ser respeitado, não apenas uma menina indefesa esperando sempre um príncipe para vir resgatá-la. Queria mesmo era viver a vida sem se preocupar com nada. Queria experimentar, viver e dançar. Queria poder ser livre para poder voar pelos céus afora, queria ir tão longe que nada nem ninguém pudessem encontrar-la. Ao mesmo tempo queria alguém ao seu lado, para voar junto, afinal duas cabeças pensam melhor do que só uma. Queria mesmo era ser solta para buscar as nuanças da verdade, a sinceridade que existe num rosto de uma criança. Queria estar perto, perto dos que a fazem feliz, contente, perto dos que necessitam dela, dos que esperam que ela faça algo para lhes proporcionar mais felicidade. Felicidade, queria viver feliz, queria construir a sua própria utopia, o paraíso só seu. Sempre viveu dentro de um barco numa noite escura sem estrelas. Agora queria poder viver na luz, na claridade de um oceano azul e brilhante. Queria poder

contemplar as cores, o frescor da pureza do amor. Queria mesmo era estar, viver lá. Queria construir uma casinha ali mesmo, na beirada da praia encantada, para depois construir a sua própria mansão de tijolos eternos. Queria viver solta, leve, queria ser o ar para poder dar o amor que refrigera tudo a sua volta. Queria esquecer o passado e pensar somente no futuro, nas belezas que ainda a espera. Queria aceitar que isso é real e que amanhã tudo vai ser diferente. Queria buscar nas brechas palácios para ali habitar, para salvar os que precisam ser curados. Na verdade, queria mesmo era se curar, se limpar, se transformar. Queria poder ver o seu casulo se partindo para depois expressar a beleza que existe ali dentro. Queria voar com as novas asas, com as novas cores, com o seu novo eu. Queria influenciar tudo a sua volta com a sua beleza, com a sua presença. Queria ser ela mesma.

E assim o pedido foi feito. A noite se transformou no seu pedido, a vida se transformou no céu pedido. Ela, confusa, gritou para a amiga o que estava acontecendo. Em um segundo tudo foi realizado. E ela compreendeu que tudo havia sido realizado. Não entendeu, então buscou a sua amiga. O que houve?

Como o que houve? Eu tinha que realizar um pedido do meu amor. Você fez um pedido e ele se realizou. Uma menina tinha um pedido a ser feito e ele já foi feito.

Mas eu não fiz um pedido, não sei se pedi alguma coisa, simplesmente disse o que queria ser, o que queria me tornar. E se isso foi um pedido, não deveria ter acontecido tudo de uma vez, esqueceu que apenas um pedido é que se realiza? A sua amiga virou-se gentilmente e sorriu: é aí que você se engana, minha menina. Não existem limites para pedidos, não existem limites para os sonhos. Tudo é possível, inclusive mudar a quantidade de pedidos. Uma infinitude de possibilidades te espera. Sonhe, acredite, de uma chance. Eu tinha que realizar um pedido do meu amor.

Com tudo isso a menina se viu com novas indagações (elas nunca cessam). Você ainda não me disse o seu nome. Quem é o seu amor?

Os espectadores foram saindo de cena, sumiram num piscar de olhos. Ela estava só junto com todos os seus pedidos realizados, serena com a brisa que influenciava o seu ser. Estava convicta da sua plenitude, da sua divindade restaurada, nunca tinha deixado de ser deusa. Na verdade, nunca deixou de ter os seus pedidos realizados.

E a sua amiga sorriu novamente. Vendo isso, se encheu de ânimo e se deu o luxo de colocar a sua soberania a prova: tenho um novo pedido – disse ela sorrindo.

Pois diga – ouviu em resposta.

Qual é o seu nome? Quem é o seu amor?

A estrela fechou os olhos, sorrindo. No fim, se limitou a dizer: o nome do meu amor? Renata. O meu nome? Quando se ama, estamos sempre por perto, esse é o meu nome.

Matheus Lemes
Enviado por Matheus Lemes em 19/01/2017
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