Coração Enganado

Enquanto penteava os cabelos castanhos em frente ao espelho em seu quarto, Carlline notou que sua barriga começava a crescer. Rapidamente colocou algumas peças de roupas em uma mala e tirou do fundo de uma gaveta uma arma.

Vinte e dois degraus de uma escada de madeira marfim separavam Carlline da porta de saída. A família estava reunida na sala após o jantar. Seria impossível passar por ali sem que sua presença fosse notada. Era preciso pensar em uma maneira de sair daquela casa. E sair depressa. O mais depressa possível. Ela não queria que ninguém soubesse de nada. O peso da mala fez a mão de Carlline doer um pouco.

No alto da escada observava a sala. Não conseguia pensar em nada de imediato que a pudesse lhe tirar dali. Esperar um tempo a mais seria o fim.

Carlline decidiu se arriscar. Tirou os sapatos e vagarosamente desceu as escadas. Restavam apenas dois degraus para sair dali. A porta dos fundos era uma ótima opção, embora fosse usada pelos empregados. Em breve estaria livre. Ou não.

- Vai viajar? – Idalina não perdeu a chance de alfinetar a jovem.

- Que susto sua anta. O que você está fazendo aqui? – ainda com os olhos arregalados e o coração disparado pelo susto que levou Carlline rebateu a empregada.

- Eu trabalho aqui neh. Mais você não me respondeu.

Carlline percebeu que a conversinha com a empregada estava atrasando a sua fuga.

- Eu não vou viajar não. Essa mala é...são roupas que eu separei pra doação.

- Sei...E você vai entregar roupas agora, há essa hora da noite? – Idalina sabia que algo de errado estava acontecendo.

- Toma aqui – Carlline entregou algumas notas de dinheiro a empregada – acho que isso paga pelo seu silêncio. Ah, e você não me viu aqui.

Depois de ser flagrada pela doméstica, Carlline saiu desesperada. As horas estavam passando. O relógio não parava. Nem poderia parar. Cada segundo contava muito. Muita coisa estava em jogo. Não poderia colocar tudo a perder naquele momento.

- Por favor! – com a mão gesticulou para o táxi parasse.

- Boa noite – gentilmente disse o taxista.

- Essa noite não tem nada de boa. Provavelmente nem essa e nem as próximas que estão por vir. Me leve o mais rápido que conseguir para este endereço – Carlline entregou um pedaço de papel para ele.

Carlline era uma jovem misteriosa. Com apenas vinte e cinco anos guardava muitos segredos.Seu passado sombrio dizia muita coisa. Foi esperta o bastante cuidando para que ninguém nunca desconfiasse de nada. E dessa vez, não estava sendo diferente. Ela não poderia mais continuar naquela casa ao lado de sua família.

O táxi seguia em direção ao endereço indicado. A estrada de terra estava em péssimas condições, haviam muitos buracos no caminho fazendo o veículo se sacudir. Chovia muito. Chovia forte. Pela janela do carro Carlline observava a chuva em silêncio e pensava em sua vida.

- Ei. Vai devagar ai. Você não está carregando a sua mãe aqui não – retrucou Carlline ao homem.

Ele ficou em silêncio.

Carlline estava indo para um lugar bem distante da casa de onde morava com a família. Sempre que algo acontecia se refugiava ali. Se sentia segura.

Por fim chegou ao local. Pagou o taxista e o dispensou.

Estava escuro. Muito escuro. Não havia energia elétrica. Mesmo na escuridão daquele noite chuvosa, Carlline não tinha dificuldades em caminhar por ali. Já conhecia o lugar.

- Toc, Toc – bateu na porta da casa e aguardou.

- Você de novo?! – disse uma voz feminina ao abrir a porta.

- Sim, sou eu. Preciso da sua ajuda novamente.

- Mas o que você fez dessa vez. E...está com a roupa toda molhada, toda suja.

- Claro que estou suja, olha o buraco que você mora tia Zumira – debochou Carlline.

- E é nesse buraco que você sempre se enfia quando precisa – Zumira retrucou.

Zumira morava em um sítio. Sempre morou ali. O lugar já teria sido mais agradável e receptivo há alguns anos atrás. A falta de cuidados e a idade avançada de Zumira fizeram com que a ação do tempo nas paredes da casa não pudessem ser evitadas. Era uma casa simples.

- Eu vou ficar aqui por uns tempos tia. E um bom tempo eu acredito. Eu estou grávida.

- O quê?!

- Grávida tia, grávida. Estou esperando um bebê.

- Não me diga que o pai dessa criança é o...

- Edgar. Sim, é ele.

Zumira segurava uma xícara de café enquanto conversa com Carlline.

- Se você está grávida, e o filho é do Edgar, que é rico... o que te trouxe aqui? Não era isso que você queria? – limpando a blusa na qual deixou derramar café Zumira interrogava Carlline.

- Era. Mas eu descobri que o Edgar não era o que pensava. Ele não é rico tia.

- Meu Deus – Zumira não escondia o espanto.

Edgar conheceu Carlline e se encantou pela moça. A doçura e beleza da jovem seduziram o rapaz. Para conquistá-la disse que era filho de um rico fazendeiro. A moça logo se interessou. Se relacionaram por algum tempo e Carlline descobriu que estava grávida.

Os pais da jovem jamais iriam aceitar a filha grávida antes do casamento.

- Então quer dizer que o desgraçado é pobre?! – perguntou Zumira.

- Pois é tia.

- Mas como você ta pensando em criar essa criança agora?

- E quem é que disse que eu vou ficar com essa peste? A senhora que vai cuidar dela quando nascer.

- Você tá louca. Eu não tenho saúde pra cuidar de ninguém não. Quanto mais de um bebê. Você que foi burra de engravidar antes de ter certeza que o Edgar era mesmo rico.

- Eu não posso ficar com a criança. Ou você fica ou...

Carlline tinha sempre um jeito prático para resolver tudo.

- As vezes você me assusta sabia menina.

- Que é isso tia. Eu não sou tão má assim.

- Eu só sei que já me meti em muita confusão por sua causa. Eu não tenho paz. Como você acha que eu durmo todas as noites sabendo que tem um homem enterrado aqui no meu quintal heim?!

Zumira nunca esqueceu daquela noite em que Carlline colocou um ponto final na vida daquele homem. A cena jamais saiu de sua memória, mesmo lutando para esquecer.

- O velho sabia de muita coisa. Se ele abrisse a boca seria o meu fim. Era a única solução que eu tinha.

Enquanto Carlline e Zumira discutiam, trocavam farpas e decidiam a vida do bebê, na casa da jovem estava um alvoroço.

No quarto de Carlline sua mãe encontrou uma carta que dizia:

“Mãe, pai. Perdoem-me se eu nunca fui a filha que sempre desejaram ter. Aconteça o que acontecer saibam que eu amo vocês. Não se preocupem comigo. Vou ficar bem. Adeus”.

A polícia procurou pela menina a pedido de seus pais, mas depois de muito procurar e não encontrarem nenhuma pista desistiram das buscas.

Nove meses se passaram. Carlline ganhou o bebê. Era uma menina. Sua tia fez o parto.

Uma certa manhã, ao despertar de mais uma noite de sono Carlline procurou pela tia. Procurou pelos cômodos da casa e arredores do sítio e não a encontrou. Ela não estava ali.

Carlline pensou em onde poderia estar.

Ouviu um barulho. Era um carro. Estava indo em direção a casa onde estava. Era a polícia.

- Essa velha desgraçada me traiu. Maldita, maldita!!! – correu para o quarto e juntou seus pertences.

O bebê chorava muito. Muito alto.

- Cale a boca você também. É por sua culpa que eu estou nesse inferno. Mas você vai ter o que merece. Vamos dar um...passeio no rio – puxou pelo braço a menina e a enrolou em um manto.

Carlline fugiu.

A polícia entrou na casa e não a encontrou.

Foram com a polícia, os pais de Carlline, sua tia zumira e Edgar, o pai da criança.

- Ela fugiu. Deve ter escutado o barulho da viatura – disse Zumira.

- E levou a minha filha – disse Edgar.

Zumira não agüentou as maldades de Carlline e contou tudo para os pais da moça.

- Procurem em todo lugar, ela não deve estar muito longe – ordenou o delegado.

Todos saíram a procura de Carlline.

- Psiu! Silêncio. Cale a sua boca – Carlline surgiu por trás de Zumira colocando a arma em seu pescoço.

- O que você vai fazer comigo? A polícia já está atrás de você.

- Graças a você a polícia está atrás de mim. Eu confiei em você. E recebo isso em troca. Traição.

- Eu te ajudei sempre que eu pude. Te dei casa, comida.

- Ha, há, há. Você chama aquele galinheiro de casa? E aquela comida nojenta que até os porcos se recusariam a comer. Francamente. Agora você vai me pagar por tudo. Vai se encontrar com o velho nojento do seu marido no inferno.

O som dos tiros ecoaram nos arredores. Com dois disparos assassinou Zumira.

Carlline tentou fugir mas a polícia conseguiu pega-la.

Edgar tomou a filha em seus braços e disse para Carlline:

- Eu nunca saberia que você estava grávida se não fosse a sua tia. Você é um monstro. Foi só saber que eu não era rico que você logo sumiu. E se depender de mim, nunca mais você vai ver a minha filha. Não quero que ela tenha contato com o seu caráter sujo. Na cadeia você vai aprender a ser gente. Vai receber uma bela lição. E se ainda restar algum sentimento bom dentro de você, espero que pense em tudo o que fez. Adeus.

E assim foi o final de Carlline. Uma jovem que acabou com sua vida por conta de sua ganância. Que colocou o dinheiro acima de tudo e todos. De cada vez querer mais e mais. Se percebesse que o amor era a coisa mais rica que pode engrandecer, que pode transformar um homem, ela jamais passaria por tudo aquilo.

A ela restou a vida no presídio.

Os pais da jovem sofriam em casa ao descobrirem no que a filha tinha se transformado.

Edgar que muito tempo ficou sem saber de nada, viveu feliz com sua filha.

Fim!

Luccas Nascimentto
Enviado por Luccas Nascimentto em 14/01/2017
Código do texto: T5881875
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