ABANDONADOS

Quem passava pela calçada, podia observar por entre as grades do muro vários idosos. Era comum encontrá-los sentados à sombra das árvores próximo à varanda da enorme casa que servia de asilo. A maioria deles, passava as horas ouvindo o canto dos pássaros olhando pro horizonte, de corações apertados, buscando nas recordações reviver os tempos idos, quando juntos à família, rodeados de filhos viveram dias felizes.

Sempre pertinho, o casal, seu Olavo e dona Ângela contavam as horas que lentamente passavam nas longas tardes, indiferentes aquela angustiante espera que algum acontecimento viesse quebrar a rotina do lugar. Já passara a hora do lazer, quando um certo número deles juntaram-se na sala de jogos que ficara ampla, não pelo seu tamanho físico, mas pela ausência de alguns participantes nas rotineiras rodas de jogos de cartas, e duplas nos tabuleiros de damas e trilha. Os passatempos prediletos dos moradores.

Havia também uma grande TV, ligada em horários pré programados por um “timer” fixada por um suporte ao teto, estando sempre com o volume baixo para não causar desconforto aos presentes, enquanto a maioria já não ouvia muita coisa, atraía pouca atenção.

_Lavinho meu velho!

Carinhosamente fala dona Ângela:

_ Será que alguns dos nossos filhos vêm nos visitar em dezembro? Queria tanto ver nossos netos no natal.

_Tomara que sim, nós temos oito ou nove netos, você lembra Anjinha?

Chamava-a assim, desde que a conhecera, dizia ser o diminutivo de Ângela, ou pelo que admirava, o semblante angelical de jovem sua amada.

_Estava pensando hoje na Rosália, faz alguns meses que esteve aqui, lembra dela? Foi nossa empregada durante muitos anos, ajudou a criar nossos filhos, é uma das poucas pessoas que nos visita. Da última vez, falou que a Fernanda, nossa nora mulher de Renato, teve uma menina meses antes, e que dias depois nasceu outro filho da nossa caçula Cristina.

_Pois é, já faz tempo, quem sabe até já temos mais alguns netinhos. Por falar neles, o Alberto nunca mais ligou, era o único que “dava as horas” de vez em quando.

_Filhos desnaturados, isso sim é o que são!

Concluiu seu Olavo.

_Eles pensam que vão ficar sempre jovens, seria até bom se ficassem, não correriam o risco de mais tarde serem esquecidos em locais como este, como aconteceu conosco, quando perceberam que não éramos mais tão úteis, e sim um estorvo em suas vidas.

_Como desculpas disseram que aqui teríamos companhia, novas amizades com pessoas de nossa idade, que não iria nos faltar nada, e aos poucos nos adaptaríamos.

Dona Ângela escutava observando os olhos rasos d’água do seu marido, após um afago carinhoso em seu rosto comenta:

_Lembro a criançada brincando no jardim da nossa casa, dos almoços aos domingos, quando a casa ficava cheia, dos passeios em companhia dos filhos pela cidade, é difícil não chorar.

Com a voz enternecida ele continua:

_É Anjinha, é duro envelhecer, não poder mais decidir sobre o que é melhor para nós, para nossas vidas, ter que deixar tudo para trás, depois de uma vida de trabalho duro para criar os filhos, e manter a família com dignidade. Todo nosso patrimônio, formado com muito esforço, está agora nas mãos deles, refizeram o contrato com a imobiliária dos aluguéis das salas comerciais no centro da cidade, se apossaram até dos benefícios das nossas aposentadorias, como também de todo o dinheiro das contas e economias das poupanças, nada sobrou em nossas mãos.

_Dói muito Lavinho, saber que nenhum deles quis morar na casa confortável que construímos no centro da cidade, onde passamos toda a vida, disseram ser por causa do barulho do trânsito e a poluição sonora, seria prejudicial para as crianças, que “aquilo era um mausoléu” como se eles não tivessem crescidos por lá, tenho pena das crianças, agora confinadas em apartamentos.

_Sabemos que não foi pelo barulho do trânsito que tiveram que mudar querida, e sim pela boa proposta que encontraram pela valorização da área, para construção de novos prédios comerciais. Com o valor arrecadado pela venda de todo o terreno, compraram carros caros e bons apartamentos em condomínios de luxo, nos melhores bairros residenciais, e tudo mais o que puderam para melhor “empregar” o nosso dinheiro, nem se quer pudemos opinar, decidiram entre eles o que fazer, não fomos consultados para nada, acham que já somos caducos, que não temos mais condições para resolver nada. Na verdade, judicialmente, com a nossa idade não podemos mais assinar documentos, mas de fato, ainda somos os donos do patrimônio, enquanto estivermos vivos.

_Sim meu velho, Antes nós tivéssemos seguidos os conselhos do meu finado irmão, quando os seus filhos se formaram, pegou sua mulher e foram para o interior, compraram uma fazendinha, e lá ficaram, cuidando de pequenas criações para passar o tempo. Por ser um lugar pequeno, os filhos, criados na capital não gostavam de lá, a prova é que após eles falecerem, esperaram somente serem enterrados para venderem a propriedade por um preço irrisório ao primeiro interessado que apareceu.

Seu Olavo, já acomodado no sofá, continua o conversa:

_Na semana passada, quando fui à ótica com o zelador do asilo trocar os óculos, encontrei o seu Agostinho, vizinho do Otávio, ele lamentou o que fizeram com a propriedade que o cunhado Otávio gostava tanto. Demoliram a casa inteira, derrubaram a maioria das árvores do sítio, cultivadas com tanto zelo, destruíram todas as benfeitorias, transformaram o lugar em pastagem, Lá agora só existe capim e bosta de boi por todo lado.

_Sim meu velho, se nós tivéssemos ido para o interior, hoje não estaríamos tão sozinhos, sempre haveria alguém por perto. Com as nossas economias, teríamos contratado alguém para cuidar de nós, das nossas coisas. Tem muitas famílias a procura de um emprego no campo, em sítios ou chácaras.

_Até que somos bem tratados aqui minha Ângela, temos boa comida, roupas limpas e assistência médica. Mas isso não é tudo, falta o carinho, e o essencial, a atenção da família, as pessoas que cuidam de nós visam somente o gordo salário que recebem. Enquanto vivermos é mais dinheiro em seus bolsos, você já pensou Quanto dá o valor total arrecadado pago pelos dezoito idosos que estão alojados aqui? Metade dele é suficiente para manter esse asilo.

_Não falta gente procurando vagas, sempre que morre um, já tem dois na fila esperando a vez, sempre de famílias abastadas, pelo preço cobrado por essa casa de repouso. Posso imaginar, a situação de muitos velhos, que não tem as mesmas condições financeiras que tivemos, e vivem amontoados em condições sub humanas, literalmente jogados pelas famílias em instituições de apoio para idosos.

Dona Ângela, ajuda seu companheiro a levantar-se do sofá, e comenta enquanto caminham até a sala principal.

_Para quem não tem filhos, no caso da dona Quitéria, seu Afonso e aquele casal que entrou no mês passado, tá tudo bem, pois não tem a quem esperar, mas nós, (pausa para enxugar os olhos) fomos esquecidos há muito tempo. Você lembra meu querido? Um dia desses tentei ligar para o telefone da nossa filha Júlia, e deu em outra casa. Trocaram o número e nem se quer nos avisaram.

Seu Olavo continua com o tema:

_Para pensarmos que ainda lembram-se de nós, vez por outra recebemos aquelas mensagens por telefone nas datas especiais, quase sempre repetidas, pois a empresa contratada para enviá-las de acordo com o agendamento, nem se preocupa em “trocar o disco” atualizando os áudios.

_É mesmo Lavinho, tem vez que só atendo para me ver livre, se não eles repetem a ligação insistindo até que a gente confirme o recebimento.

Neste momento chega pela varanda Seu Fernando, um dos companheiros “menos velho” do abrigo:

_Seu Olavo! Dona Ângela! Vejam só, isso é que é vida, e passa-lhes as mãos um jornal. Na coluna social está em destaque, em um dos melhores bufês, uma linda festa de aniversário.

Sentem ambos os corações palpitar num misto de alegria e tristeza, por reconhecer sua família reunida, no entanto não ter o direito de desfrutar a alegria daquele momento ao lado de seus filhos, genros, noras e netos, os seus familiares.

Curiosamente, só se vê nas fotos pessoas jovens.

Mariano Silva
Enviado por Mariano Silva em 02/12/2016
Reeditado em 25/12/2016
Código do texto: T5841833
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