Aventuras de um boêmio

Pensei que nunca mais fosse lhe encontrar, depois que brigamos e jogamos na cara um do outro tudo que tínhamos de jogar. Não tinha outra solução senão terminarmos. Até parecia que esperávamos qualquer besteira acontecer para se ter uma razão para brigar. E olha que foram muitos anos de amor, paixão e confusão, mas aguentamos firmes. Valia a pena a gente se amar. Nossas famílias não queriam deixar nem a gente se falar. Mas às escondidas, nos encontrávamos e, quando juntos estávamos, o mundo podia até se acabar que, para nós, nada ia mudar. Quando tudo acabou, você nunca mais me olhou, até se mudou, foi em outra cidade morar. Eu também nem liguei, livre eu fiquei, dei um tempo para o amor, na boemia, fui me refugiar. Noites de farras, serenatas, vivia nas ruas, nas praças a beber e a cantar. Aquilo que era vida, sem ter ninguém para me aporrinhar. Mas numa bela noite de lua cheia, quando eu cantava na praça, sem ninguém para me escutar, chegou uma linda mulher, dona de um cabaré, querendo me contratar. Quando eu vi aquele monumento, fui logo dizendo: ‘Faça a proposta e diga o que tem para me dar.’ Ela sorriu e disse: ‘Tudo o que você quiser. Dinheiro, bebida, mulher. É em um cabaré que você vai morar.’ Quando cheguei, fui muito bem acolhido. Deram-me um quarto tranquilo, no final de um corredor. Tomei um banho e deitei. Quando menos esperei, entram no quarto sem nem avisar. Era a dona do cabaré dizendo: ‘Vim lhe trazer o jantar.’ Olhei, não vi nem uma bandeja, muito menos comida. E antes de lhe perguntar, ela já estava despida e foi logo dizendo: ‘Sou eu, o seu jantar.’ Abriu um champanhe e disse: ‘Vamos brindar.’ E nessa brincadeira, passamos a noite inteira, até o dia clarear. Pensei até que ela não gostou, nunca mais me procurou. Botou-me para cantar. Era bom que eu revezava e toda noite eu levava uma mulher diferente para comigo deitar. Só que um coronel, pela dona do cabaré, se apaixonou. O homem era ciumento, comigo cismou e, do cabaré, me expulsou. Peguei minha viola, fui embora. Pensei, novamente, sozinho estou. Mas o destino, quando promete, não deixa de castigar. Pregou-me uma peça que nunca podia imaginar. Estava cantando na feira para uns trocados arranjar, quando aparece um doutor que veio me convidar para cantar em um hotel que ele ia inaugurar. Adiantou-me logo um dinheiro, me fez um contrato assinar. Eu preparei um repertório para todos agradar. No dia da inauguração, estava só chegando carrão e o hotel começou a lotar. Todos me aplaudiam, demonstravam estarem a gostar. Quando recebi num lenço um pedido para uma música tocar. Quase caí de costas do susto que acabava de levar. A música e a caligrafia eram familiares. Sai procurando com os olhos para eu poder confirmar. Ela se levantou para facilitar, ficou sorrindo e acenando, pedindo para a nossa música tocar. Era a mulher que eu amei e pensei nunca mais avistar. Aí veio tudo à cabeça, eu comecei a relembrar e vi que a nossa história podia continuar. Ela estava hospedada no hotel e disse que ia me esperar. Mandou o número do apartamento e disse que queria relembrar tudo que fizemos e o que faltava aprontar. Ela comprou o hotel, meu contrato, ela fez questão de prorrogar. E eu fiquei morando no hotel e não quero mais sair de lá.

José Paraguassú
Enviado por José Paraguassú em 26/10/2017
Reeditado em 20/10/2022
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