216 - O RETRATO ESQUECIDO...

Com o falecimento do pai e alguns meses depois da mãe, os filhos que eram seis, e de comum acordo resolveram vender o casarão que restava da herança deixada, local onde a família residiu por mais de cinquenta anos e assim ficaria mais fácil a partilha.

Ao passar pela rua da dita casa, vi um letreiro...

- Vende-se esta casa...

Passei várias vezes em frente a referida casa e aos poucos foi se avolumando em mim o desejo de comprá-la.

Um dos herdeiros me acompanhou na visita que fiz àquele casarão, pacientemente andei pelo interior da casa, olhando cada detalhe, quantos banheiros, quantos quartos, salas, varanda, porão...

A casa estava completamente vazia, um ar de mofo pairava no ar, fui visitando todas as dependências, mas ao entrar em um dos quartos me deparei com um velho retrato de encardidas molduras, quando olhei para a pessoa daquele retrato senti um calafrio muito esquisito, me senti hipnotizado pela pessoa retratada, a pessoa era parecidíssima com a minha esposa, os cabelos, a testa, o olhar cheio de ternura, a boca, o queixo, o sorriso, por mais que a minha visita estendesse para as dependências da casa, aquele retrato não saia do meu pensamento, voltei ao quarto, e o rapaz que me acompanhava leu os meus pensamentos:

- Mesmo que você não compre a casa, pode levar o retrato, ninguém se interessou por ele...

– Essa moça do retrato é muito parecida com a minha esposa!

– Então eu vou lhe contar o que aconteceu com ela, ela é irmã mais nova do meu finado Pai, quando mocinha se apaixonou por um rapaz de poucas posses, o que gerou uma aguerrida oposição a este namoro, o meu avô, coronel afamado não gostava de ser contrariado e foi bem claro com ela, ou ela acabava com o namoro, ou ele mandava matar o rapaz, e lhe deu um dia para ela pensar e decidir, no outro dia procurada pelo meu avô ela abaixou a cabeça, e entre lágrimas disse que nunca mais conversaria com o rapaz, e que o namoro estava terminado, mas que poupassem a vida dele, e que precisava de encontrar com ele mais uma vez para se despedirem, ela sabia que seu pai tinha o poder de vida e morte sobre as pessoas, e não ousou contrariá-lo, melhor terminar o namoro do que ver o seu amado assassinado.

E ela se trancou neste quarto e para passar o tempo começou a costurar, e com o tempo ela se destacou como uma grande costureira, uma costureira de mão cheia, assim diziam, e o tempo foi passando e levando as pessoas, primeiro levou meu avô, depois minha avó, meus pais, alguns dos meus irmãos, por fim a minha tia veio a falecer, foi quando entre os seus pertences encontramos um diário, onde ela narrava toda a sua desventura, todo o seu sofrimento, onde relatava o último encontro que tivera com o rapaz, quando se portou com toda dureza possível, com toda firmeza, onde desencantou de vez o rapaz, assim que ele partiu lágrimas escorreram copiosamente pelo seu rosto, e quando ele se fez em nada na distância do seu olhar ela concluiu que seu sonho de amor havia desmoronado para sempre, e foi este o único sonho de amor que teve em toda a sua vida.

Ela havia renunciado a este amor para salvar a vida do seu amado, tempos mais tarde ela ficou sabendo que o rapaz tinha casado e já era pai de vários filhos, mas ela nunca deixou de amá-lo, ele continuou a povoar os seus sonhos, e o seu coração tremulava quando dele se lembrava.

Dos torcidos e retorcidos versos deste diário vertem lágrimas, quem leu o diário se encantou com tanta ternura, com tanta dor, com tanto sofrimento, é de cortar o coração o clamor dos versos que ela fazia pra ele, onde expunha todo o seu sofrimento, e justificava a sua renuncia que por amar demais, preferiu a solidão do que expor seu amado ao sacrifício, sua renuncia não fora em vão, salvara o amor da sua vida, mesmo perdendo-o!

Não comprei o casarão, mas levei o retrato, mandei trocar a moldura por outra de estilo mais clássico, e o coloquei no centro da minha sala de visita, onde as pessoas sempre perguntam se o moça do retrato é a minha esposa...

- Quem sabe...

São tantos os mistérios que cercam as nossas vidas, que das vezes nos meus sonhos eu fico a imaginar se a moça do retrato não seja a minha esposa...

- Quem sabe..

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 29/09/2017
Reeditado em 04/10/2017
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