O MENDIGO E A MOCHILA

Havia um mendigo que sempre ficava em uma calçada em frente à catedral nos horários de missas. Todos os dias ele acampava ali. Não incomodava ninguém, era persistente na sua presença diária. Vivia das esmolas dadas e dos sorrisos sinceros das crianças que circulavam por lá, mas não era só isso, tinha uma mochila que era seu acessório indispensável e durante anos era sua companheira, não largava de jeito nenhum. Causava até certa curiosidade a forma como cuidava daquela mochila. Sempre que podia, abria e passava alguns segundos, até minutos contemplando alguma coisa lá dentro. O que poderia ter dentro dela além de restos de comidas ou poucas peças de roupas sujas?

Era um senhor simpático, muito educado, suas vestes maltrapilhas não escondiam a beleza dos seus olhos. Tinha uma forma única de olhar as pessoas. Sempre sereno como se a tristeza pela vida que levava não o atingisse de maneira tão brusca. Havia beleza apesar da aparência pesada e maltratada. Não demonstrava revolta e nem rancor na solidão e miséria que vivia.

O ritual se repetia todos os dias. Chegava em frente da igreja, fazia o sinal da cruz, forrava uns papelões, sentava e começava o seu dia aguardando a boa vontade de quem passava. Seus dias eram contados em baixo de sol e chuva, mas dificilmente lhe faltava um sorriso no rosto e um sossego em sua alma. Não eram poucas as pessoas que guardavam o seu jeito como forma de enfrentar a vida em tudo que ela se apresenta.

De vez em quando alguém o percebia olhando para dentro da sua velha e cansada mochila por alguns minutos como se estivesse se transportando para outra realidade. Uma espécie de mágica que o tirava daquele lugar. Ele dava um sorriso e fechava novamente, tinha até quem dissesse que já percebera lágrimas escorrer em seus olhos em momentos assim. Quem o observava também percebia que parecia que procurava alguma coisa distante, como se estivesse em constante busca, mas de quem? De quê?

Certa manhã de domingo, em plena festa da padroeira onde a agitação é maior que em outros dias, uma grande movimentação começou a fazer parte daquele local, mas não era somente por causa do vai e vem das pessoas que chegavam para a festa. Havia um alvoroço ao redor daquele mendigo, algo estranho estava acontecendo. Aquele senhor havia passado mal, teve uma queda de pressão e logo foi retirado às pressas daquela calçada quente para a sacristia da igreja por um senhor que estava a caminho da missa. Com ele, a sua mochila que não largava por nada.

O acomodaram em um sofá e providenciarem um copo de leite, aos poucos tudo foi se acalmando e a sua visão voltando ao normal. Quando de repente ele levanta o rosto e vê o padre se aproximando dele, estava ainda terminando de se paramentar para começar a celebração da santa missa. O mendigo fixou bem o olhar nele que também correspondeu àquele senhor que de certa forma buscava alento pra seus dias difíceis. Momento intenso de quem procura algo há tanto tempo e agora finalmente encontra. Os olhares foram se encontrando e uma névoa de espanto agora cobria todos os que estavam ali.

No mesmo momento lágrimas escorrem nos olhos do mendigo e do padre. Sem que ninguém pudesse entender o que estava acontecendo, cochichos e olhares de espanto testemunhavam a cena seguinte.

O mendigo retira da sua mochila uma foto velha, amarelada pelo tempo, suas lágrimas chegaram a molhar aquela foto tão antiga. Tudo mais faria sentido. Na foto, a sua mãe, ele, e o seu irmão pequeno que não via há muito tempo, dele só a lembrança de um tempo vivido na infância. Aquele que estava bem na sua frente era seu irmão mais novo que tinha saído de casa muito jovem para estudar, para seguir a sua vocação, logo em seguida, o seu irmão mais velho desapareceu no meio do mundo e durante muito tempo nenhum esforço foi suficiente para encontrá-lo, foram anos de busca e de espera. Nem sua mãe resistiu a tanta tristeza.

Agora estavam frente a frente como duas crianças num outro tempo, num espaço sagrado. Reconhecidos e reencontrados. Anos e anos de celebração naquele lugar, anos e anos da presença daquele mendigo ali como se soubesse quem estava à sua espera, mas sem a coragem de se aproximar.

Naquela manhã, a missa teve o sentido real do reencontro, da reintegração da dignidade e do amor que se identifica no olhar. A mochila velha companheira, acolhedora das boas lembranças e da esperança do reencontro de uma vida esperada. Duas vidas, dois caminhos e um amor que o tempo não foi capaz de apagar.