O SONHO DE UM CORONEL MACHISTA 15º EPISÓDIO

Tão logo o coronel partiu. Um horrível odor da carne humana sendo devorada pelo fogo espalhou de forma repugnante e insuportável, na margem rio causando náuseas no pistoleiro. Rapidamente o fogo consumiu tudo, a cabana se transformou num braseiro enorme. Um cenário arrepiante naquele ermo soturno. Apenas ele como expectador testemunhava aquela sena macabra, provocada por si mesmo. O Dentuço. De pé ele mantinha certa distancia, o calor era insuportável. Observando friamente sem nenhum remorso, aquele montão brasas, de repente numa sequencia, três estrondos atirando brasas pelo alto, o deixaram em pânico. No primeiro surgiu do meio do Braseiro, um tigre enorme sacudindo a pele se livrado das brasas, logo em seguido surgiram dois cães pretos, também enormes e usando coleiras, com o mesmo ritual se livraram das brasas.
Ele tentou correr, não consegiu se mover, pareceu-lhe estar fixado no chão o deixando paralisado. Tentou fechar os olhos também não foi possível. Algo muito estranho ocorreu. Incandescentes e soltando fogo pelas narinas os animais passaram sobre ele, como a sombra de uma erupção vulcânica, sapecando seu cabelo e queimando os pelos de seus de seus braços. Adentraram a mata pela trilha, por onde seguiu o coronel. Que naquele exato momento entrava no seu curral, e visualizou surgir de um tablado do estábulo os três animais caminhando lentamente ao seu encontro. Sacando sua pistola, ele efetuou um disparo a queima roupa em cada um, mas assim que apertava o gatilho o animal desaparecia. Um cheiro horrível de enxofre espalhou  nos arredores.
Ao entrar em sua casa para recarregar a arma percebeu que as três balas permaneciam intactas no tambor de seu revólver. Imaginou ter passado por uma alucinação momentânea ou talvez apenas uma ilusão ótica, mas nada disso abalou seu coração de pedra.
Nicó e ele chegaram quase ao mesmo tempo, e após ouvir com detalhes a mentira arquitetada pelo pai afirmando ter acertado contas com os três capangas e tê-los dispensado dos seus serviços, apresentou como pretexto, o fracasso dos três no episodio com boi pretête. E na sequencia delegou ao filho a responsabilidade na administração dos trabalhos até a contratação de um novo capataz. Embora um pouco abalado com o acontecimento, não deu o braço a torcer, seu coração alimentado pelo ódio, estava de fato petrificado pela ganância e pelo poder.
A preocupação com a falta de seu três capangas, fez com que por momentos ele esquecesse as demais pendências em seu plano de vingança contra os Montenegro.
Dentuço assim que se viu livre, daquele estranho magnetismo que o deixou sem movimento, amedrontado não teve alternativa senão fugir para a fazenda Bocaina. Apanhou sua canoa indo pernoitar com o velho Miro. Na medida em que avançava naquele caudal volumoso a fumaça malcheirosa o acompanhava empurrada pelo vento no boqueirão do rio. E a imagem dos três defuntos gravada na tela de sua mente, o atormentando o tempo inteiro, repetidamente. Ora apareciam os três defuntos esticados no chão, ora os três animais surgindo do braseiro e passando sobre ele.
Chegando ao seu destino amarrou sua embarcação, despiu-se e mergulhou no rio tentando livrar do mau cheiro de pelos queimado, subiu o pequeno aclive que margeava o rio. Lá estava na porta de sua choupana, o velho Miro terminando de pilar o arroz, para o seu jantar.
--Boa noite sinhô Miro, tem posada pra ieu de novo?
Boa noite sinhô Venâncio- tem sim, indagorinha tava pensano in voismicê qui é sempre bem vindo. Qui bão qui veio mode ajudá ieu a cumê esse arrois pilado cus pexe qui voismicê trouxe onte, tô filiz, v cum vossa chegada. Assim nois pruseia e come junto, to aburricido quesse aperreio cum tanta sulidáo. A dispois qui voismicê tem drumido aqui ieu to mais mió. Ah cumo é triste a sulidão dá um aperreio de morte na gente num tê cum quem pruseia, é nessasora qui a gente ta suzim qui sabe quanto vale um dedo de posa dum cumpanhero!
-- Uai sô Miro quem sabe ieu largo mão da pescaria e num vem morá cum sinhô, ieu sô home do trecho tanto fais ta num lugá cumo noto. Quarqué lugá me serve, faço tudo tipo de sirviço, voismicê pruseia lá cum coronè Tiburcio, teno trabaio, ieu faço cumpania pru sinhô!
- Oia voismicê sabe apurá rapadura? Prudêncio falô qui tão percisano de taxero num dos ingenho do coroné.
--Ieu, sô Miro, faço tudo inté cachaça sei fazê! Pruseia cu home lá qui já tô dispunive, ieu posso cumeçá na hora quele quizé, garanto quel num vai se arrependê de contratá meus sirviços!
- Intonce manhã memo ieu já falo pro Prudêncio mode êl prusiá cum coroné. Vai sê macuco no imborná. Dessa coronezada qui tem no mundo, ninguém nunca viu mió qui coroné Tiburcio ome bão tai, tem Curaçao de oro, trata os iscravo de iguar pra iguar cus trabaidô liberto. Prudêncio mais Inhá Chica é prova disso. Eze come na nessa cum coroné, é cumo qui fosse os pai dele. Nun parece sê iscravo não, indesde o tempo de coroné Ataíde qui iscravo da fazenda Bocaina vivi filiz da vida, nium pensa in fugi, coroné Tiburcio herdô do pai num foi só riqueza não herdô bondade tumém. Coitado de coroné Ataíde morreu sem merecê, dissero qui foi acidente, má foi não pru mim é arrumação de coroné Certorio, qui mandô Barba Ruiva da fim nele na mardita cassada, qui riuniu a coronezada dessas redondeza e deu no qui deu.
--E a fia do coroné, já mim falaro qui é bunita e corajosa, isso é verdade? Diz qui monta in boi, cavalo brabo num tem medo de nada?
-- Vredade sim sinhô, se voismicê fô memo trabaiá lá vai cunhicê a pessoa mais bunita e corajosa das redondeza e sabe prusiá tumem. Nun fala cumo nois não, pruseia qui nem dotô.
Bão mais agora vamo dexa nosso pruseio pra manhã ô otro dia quarqué, qui os galos já tão dizeno qui um novo dia tavino purai nois garramo na pros e o tempo passô sem nois vê.


 
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 18/09/2017
Reeditado em 18/09/2017
Código do texto: T6117444
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