Nicolas

Vou te falar do Brasil da biodiversidade, da sociodiversidade, da religiosidade, da violência, da pobreza, da desigualdade e do autoritarismo cantado por Chico Buarque, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Ivan Lins, Elis Regina e Edu Lobo.  

Chico Buarque canta em sua música “Construção” o autoritarismo vivido na ditadura militar e na ditatura econômica do neoliberalismo dos dias atuais. Um trecho dessa música mostra uma crítica firme e sútil ao autoritarismo em que está submetido a sociedade brasileira. Por esse pão pra comer. Por esse chão pra dormir. A certidão pra nascer. A concessão pra sorrir. Por me deixar respirar. Por me deixar existir. Deus lhe pague.

Na música “Cala a Boca, Bárbara”, Chico Buarque faz mais crítica metafórica e contundente ao regime militar. Essa música parece de amor, mas é uma crítica pesada ao regime militar.

Ele sabe dos caminhos dessa minha terra. No meu corpo se escondeu, minhas matas percorreu. Os meus rios, os meus braços. Ele é o meu guerreiro nos colchões de terra. Nas bandeiras, bons lençóis. Nas trincheiras, quantos ais, ai. Cala a boca - olha o fogo! Cala a boca - olha a relva! Cala a boca, Bárbara. Cala a boca, Bárbara. Cala a boca, Bárbara. Cala a boca, Bárbara. 

O termo “ele” é uma metáfora que se refere aos militares. O fogo é um termo metafórico que se refere a violência, a censura, ao sofrimento e a tortura. Bárbara é um termo metafórico que se refere a ditadura militar. Corpo é um termo metafórico que se refere ao Brasil. 

A música passaredo fala da biodiversidade de aves no Brasil e retrata metafórica e contundentemente a falta de liberdade do regime militar. O pássaro representa a liberdade porque voa. Cada espécie de pássaro que Chico Buarque põe nessa música é uma possibilidade de liberdade. Uma possibilidade de voar. O homem é o militar que quer exterminar o pássaro, seu vôo e sua liberdade. O pássaro é o homem livre, o “homem” é o homem preso no seu próprio autoritarismo. 

Ei, pintassilgo. Oi, pintarroxo. Melro, uirapuru. Ai, chega-e-vira. Engole-vento. Saíra, inhambu. Foge asa-branca. Vai, patativa. Tordo, tuju, tuim. Xô, tié-sangue. Xô, tié-fogo. Xô, rouxinol sem fim. Some, coleiro. Anda, trigueiro. Te esconde colibri. Voa, macuco. Voa, viúva. Utiariti. Bico calado. Toma cuidado. Que o homem vem aí. O homem vem aí. O homem vem aí. 

Ei, quero-quero. Oi, tico-tico. Anum, pardal, chapim. Xô, cotovia. Xô, ave-fria. Xô, pescador-martim. Some, rolinha. Anda, andorinha. Te esconde, bem-te-vi. Voa, bicudo. Voa, sanhaço. Vai, juriti. Bico calado. Muito cuidado. Que o homem vem aí. O homem vem aí. O homem vem aí. 

Na música “cálice” mais crítica ao regime militar. Cálice não se refere ao objeto para beber vinho. O cálice refere-se ao verbo calar imposto pelos militares na ditadura. O vinho tinto de sangue refere metaforicamente a violência, sofrimento e tortura praticada pelos militares durante esse período. Pai! Afasta de mim esse cálice. Pai! Afasta de mim esse cálice. Pai! Afasta de mim esse cálice. De vinho tinto de sangue.

Milton Nascimento na música “Avacanoeiro” fala do modo de vida dos pescadores e da biodiversidade de peixes da Floresta amazônica. Canoa. Canoa. Desce. No meio do rio Araguaia desce. No meio da noite alta da floresta. Levando a solidão e a coragem. Aos homens que são. Ava. Avacanoe. Ava. Avacanoe. Avacanoeiro prefere as águas. Avacanoeiro prefere os peixes.  Avacanoeiro prefere o rio. Avacanoeiro prefere pescar. Dourado. Arraia. Grumatá. Piracará. Pira andira. Jatuarana. Taiabucu. Piracanjuba. Peixe Mulher.

Outra música de Milton Nascimento chamada “ruas da cidade” fala da sociodiversidade brasileira e seu extermínio pelo colonizador português. Guaicurus. Caetés. Goytacazes. Todos timbiras. Tupis. Todos no chão. Guajajaras. Tamoios. Tapuias. Tupinambás. Aimorés. Todos no chão. A cidade plantou no coração tanto nomes de quem morreu. Horizonte perdido no meio da selva cresceu o arraial. O arraial. 

Milton Nascimento retrata o mundo rural brasileiro na sua música Fazenda. Água de beber. Bica no quintal. Sede de viver tudo. E o esquecer era tão normal. Que o tempo parava. Tinha sabiá. Tinha laranjeira. Tinha manga rosa. Tinha o sol da manhã. 

Elis Regina critica a ditadura militar brasileira cantando a música. Cai o rei de espadas. Cai o rei de ouros. Cai o rei de paus. Cai. Não fica nada. Cai o rei. Cai o rei. Cai o Rei. Não fica nada. 

Ivan Lins na música formigueiro faz uma crítica a ditadura driblando a censura na época. Avisa o formigueiro. Vem aí tamanduá. Pra começo de conversa. Tão com grana e pouca pressa. Nego perde a dentadura. Mas não larga a rapadura. Nego mama e se arruma. Se vicia e se acostuma. Hoje em dia tá difícil. Acabar com esse ofício. Quando acaba o batuque. Aparece outro truque. Aparece outro milagre. Do jeito que a gente sabe. 

Na música Paixão e Fé do álbum clube da esquina 2, Milton Nascimento fala da religiosidade do povo brasileiro fazendo uma metáfora interessante. Velejar. Velejei. No mar do Senhor. Lá eu vi a fé e a paixão. Lá eu vi a agonia da barca dos homens. Já bate o sino. Bate no coração. E o povo põe de lado a sua dor. Pelas ruas capistranas de toda cor. Esquece a sua paixão. Para viver a do Senhor.

A igreja é um barco no meio do oceano e os fiéis são manipulados por um mar de deuses e de gente hipócrita metida na religião. O barco é o céu e a “salvação” na imensidão do inferno oceânico. Crendices de um povo simples que esquece sua dor, paixões e problemas para louvar o Senhor. 

Na música Lamento sertanejo, Gilberto Gil retrata a difícil vida enfrentada pelo sertanejo brasileiro no sertão e na cidade. Euclides da Cunha diz que o sertanejo antes de tudo é um forte. Por ser de lá do sertão. Lá do cerrado. Lá do interior, do mato. Da caatinga, do roçado. Eu quase não saio. Eu quase não tenho amigo. Eu quase que não consigo. Ficar na cidade sem viver contrariado. Por ser de lá. Na certa, por isso mesmo. Não gosto de cama mole. Não sei comer sem torresmo. Eu quase não falo. Eu quase não sei de nada. Sou como rês desgarrada. Nessa multidão boiada. Caminhando a esmo. 

Gilberto Gil na música “Tenho Sede” retrata a dificuldade vivida pelo sertanejo que tenta de todas as formas vencer a seca no Nordeste. Traga-me um copo d'água.  Tenho sede. E essa sede pode me matar. Minha garganta pede um pouco d'água. E os meus olhos pedem teu olhar. A planta pede chuva quando quer brotar. O céu logo escurece quando vai chover. Meu coração só pede teu amor. Se não me deres, posso até morrer. 

A música “Haiti” de Gilberto Gil retrata o massacre na penitenciária do Carandiru ocorrido em 1992 onde morreu 111 presos por truculência da polícia militar comandada pelo Coronel Ubiratan e pelo governador paulista Fleury do PMDB de Michel Temer, o mesmo partido que quer dar o golpe do impeachment em Dilma e no estado Democrático de Direito no Brasil. A música fala do caráter descidadanizante da sociedade brasileira e da opressão a que são submetidos diariamente presos, pretos e pobres. 

A grandeza épica de um povo em formação. Nos atrai. Nos deslumbra. Estimula. Não importa nada. Nem o traço do sobrado. Nem a lente do Fantástico. Nem o disco de Paul Simon. Ninguém. Ninguém é cidadão.

E ao ouvir o silencio sorridente de São Paulo. Diante da chacina. Cento e onze presos indefesos. Mas presos são quase todos pretos. Ou quase pretos. Ou quase brancos. Quase pretos de tão pobres. Pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos. 

Edu Lobo na música “Viola fora de moda” faz uma crítica sútil e contundente aos militares. Moda de viola é nome metafórico a democracia e a liberdade tão desejada pelos brasileiros na ditadura. Cego infeliz e podre na raiz são os militares. O Brasil é o lugar escuro. 

Moda de viola. De um cego infeliz. Podre na raiz, ah, ah. Vivo sem futuro. Num lugar escuro. E o diabo diz: ah, ah. Disso eu me encarrego. Moda de viola. Não dá luz a cego, ah, ah.

Outra Música de Edu Lobo que critica o regime autoritário dos militares é “Ponteio”. Era um dia, era claro. Quase meio. Tinha um que jurou
me quebrar. Mas não lembro de dor. Nem receio. Só sabia das ondas do mar... Jogaram a viola no mundo. Mas fui lá no fundo buscar. Se eu tomo a viola. Ponteio! Meu canto não posso parar. Não! Quem me dera agora. Eu tivesse a viola. Prá cantar. Ponteio! A viola era a liberdade e a democracia que os militares queriam quebrar e jogar fora. 

Caetano Veloso na música Podres Poderes também critica os militares. Será que nunca faremos senão confirmar. A incompetência da América católica. Que sempre precisará de ridículos tiranos. Será que esta minha estúpida retórica. Terá que soar, terá que se ouvir. Por mais mil anos. Enquanto os homens exercem. Seus podres poderes. Índios e padres e bichas. Negros e mulheres. E adolescentes. Fazem o carnaval. Enquanto os homens exercem. Seus podres poderes. Morrer e matar de fome. De raiva e de sede. São tantas vezes gestos naturais. Ou então cada paisano e cada capataz. Com sua burrice fará jorrar sangue demais. Nos pantanais, nas cidades. Caatingas e nos gerais

O Brasil é tão imenso que não cabe nem nas músicas dos eminentes cantores da Música Popular Brasileira e nem nesta carta que te escrevo. O Brasil é mais que um país. O Brasil é uma música. Um abraço do Brasil até a França para você. 
Bruno Valverde
Enviado por Bruno Valverde em 29/04/2017
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