Se fosse amor...

Faz tanto tempo, que nem me lembro mais do seu cheiro.

Faz tanto tempo, que nem me lembro mais do seu olhar.

Mas me lembro de te cheirar, me lembro de te olhar.

Me lembro de ser olhada e acariciada pela sua íris dilatada.

Caminhamos de mãos dadas pela vida, mesmo quando não se podia dar as mãos.

Caminhamos pelos planos de não chegar ao fim sozinhas, mesmo que no fim, uma só ficaria, mas independente de quem fosse ou ficasse, teria consigo um derradeiro olhar de companheirismo, amor e saudade.

Eu tenho tentado manter a cabeça erguida, os olhos fixos no futuro e o coração grampeado para não romper de vez.

Tenho tentado sentir saudade com dignidade, sem chorar em público. Na verdade, tenho chorado escondida de mim mesma, embaixo do chuveiro, onde as lágrimas não podem ser mensuradas tal quando encharcam o travesseiro.

A cada dia que passa, refaço um pouco de cada plano que tinha contigo, mas é difícil equilibrar, é o mesmo que tentar brincar de gangorra sozinha, falta o contrapeso, falta aquela crise de riso.

É triste como os sentimentos mudam, não é? E quem fica, sempre fica com a pior parte, seja no amor, seja na morte.

Eu olho ao meu redor, o caminho a minha frente... era diferente quando tinha sua foto no meu papel de parede, pois era só colocar os olhos em ti, para que o mundo a minha volta ganhasse o sentido da existência plena, aquela em que tudo vale a pena, quando a alma não é pequena.

Minha saudade de você é quase infantil, sabe aquela sensação de se perder da mãe no supermercado? Mas eu sei que mesmo que eu mande anunciar seu nome, você não ouvirá e se ouvir, você não virá, porque já não se lembra mais quem fomos um dia. Sou foto esquecida, apagada pelo tempo, onde ainda se pode ver o entrelaçar de dedos e das mãos, só restaram as alianças que eu sei que você ainda guarda em segredo.

Sigo em silêncio, sorrindo, como se nada tivesse acontecido, como se a tempestade que varre meu peito, sem tirar as lembranças do lugar, já tivesse passado.

E até quem me vê lendo o jornal na fila do pão, acredita que te esqueci. Quem me dera você não morasse mais aqui, quem dera meu coração tivesse memória fraca e fosse piscina rasa, quem me dera nosso amor tivesse sido amor, pois se acabou, não devia ser, não é verdade?

De minha parte, como não é amor, vai durar só uma vida inteira, ainda bem, porque se fosse amor, duraria uma eternidade.