(A)feto

Oi filho, hoje as notícias que tenho não são boas. É com lágrimas nos olhos que venho te contar não a melhor, mas a pior parte do meu dia. Assim como outras diversas vezes, fui violentada, mas hoje foi diferente. Eu estava esperando o ônibus, num ponto perto de casa quando um homem mais velho passou de bicicleta por mim e escarrou palavras tão sujas quanto as roupas que vestia. Foi como se eu tivesse levado uma surra por simplesmente existir. Dentre os transeuntes que passavam por aquele local, infelizmente, em sua maioria eram homens e dentre os mesmos, minoria foram aqueles que passaram sem expressar algum tipo de malícia no olhar. Mas como sofrer blasfêmia todos os dias simplesmente por andar na rua já é fato corriqueiro na vida de qualquer mulher, apavorei-me mais com aquele bicicleteiro porque jamais ouvira palavras tão repulsivas quanto as que ouvi. Ele passou duas vezes por mim e disse as mesmas palavras, logo fiquei sem reação e como ação automática, apenas fechei a cara e lá no fundo, senti medo e vontade de vomitar a indignação que sentia dele e de outros milhares que fazer vítimas pelo mundo todo. Chamo as ofensas mais comuns, visíveis nos olhos masculinos de violência visual, porque eles nos olham como se fôssemos pedaços de carne suculentos, mas essa situação nova para mim, chamei de violação total dos meus direitos de mulher e de ser humano. Venho a te alertar que muitas pessoas dirão que isso aconteceu pelas roupas que eu usava, talvez provocativas, mas mesmo que nada justifique essa alegação ridícula, eu estava apenas com os braços, mãos e rosto a mostra. Roupas comuns, escuras e nada chamativas. Outra parte das pessoas, te dirão que eu estou apenas me fazendo de vítima da história. Mas não, se estou aqui lhe expondo esse episódio triste de minha vida, me considero corajosa de o fazer, pois muitas das mulheres omitem essa e outras agressões. Então meu filho, quero te dizer que nada justifica o desrespeito de um ser humano por outro. Eu e seu pai que ainda nem conheço, seremos fiéis ao conceito de “Ensinar os filhos a respeitar.”. Além disso, iremos torcer para que a sua geração seja mais humana que a nossa quase toda composta por aberrações. Te ensinaremos que lidar com mulher é fácil, pois basta se colocar no lugar dela e pensar “será que eu gostaria que isso acontecesse comigo? ”. Permita-se aproximar dela quando ela te der abertura. Ame-a do jeito que ela for. E respeite-a sempre e acima de tudo. Trate-a com a integridade que trataria sua filha, sua esposa e a mim. Você pode ainda não existir, filho, mas o espírito materno que existem dentro do meu ser faz com que eu já possa te sentir dentro do meu coração e a minha consciência já clama para que eu te ensine desde já a amar o próximo, assim como eu já te amo.