Carta ao meu pai.

Hoje paizinho, é o seu dia e queria tanto poder te abraçar, mas só o que posso dizer-te nesse dia, é que sinto tanto tua falta.

Sabe, a cada dia que passa percebo que o teu jeito está tão presente em mim, é engraçado te revelar isso, mas quando olho no espelho ou em algum retrato e me vejo com a expressão séria, logo penso, meu Deus, estou igual ao meu pai! E como é bom paizinho que eu tenha um pouco de ti, queria ter mesmo era sua hombridade e essa força e garra do homem que nunca se deixou esmorecer diante das lutas da vida.

Paizinho, se hoje eu fechar meu olhos para vê-lo, o vejo assim, colocando a sacola de pão sobre a mesa e ao lado do fogão, fervendo o leite e coando no velho coador de pano o café preto, que não faltava em nossa casa, o vejo preparando a marmita para o trabalho, o vejo como o homem digno, pai de família, que apesar das dificuldades nunca deixou faltar o alimento para nosso sustento, o vejo como o homem de pouco, mas fiéis amigos e como o pai e pai-avô, pelo amor incondicional que deu aos seus filhos e netos, o vejo de chapéu na cabeça, voz mansa com sotaque nordestino, olhar sincero, com fisionomia séria e ao mesmo tempo tão tranquila, no qual me transmitia serenidade.

Quero também dizer-te paizinho, que a maior lição que aprendi em minha vida, o senhor e a minha mãe me ensinaram exatamente a mesma, a não permitir que ninguém me diminua pelo que sou. Minha mãe dizia assim, filha não conte suas fraquezas para os outros, se eles não puderem ajudá-la, saberão como te atingir. E o senhor, lembro-me que já era aposentado e estava há mais de um ano trabalhando em um novo emprego, um dia voltou pra casa mais cedo e minha mãe questionou o que havia acontecido, e o senhor respondeu, que estavam reformando algumas áreas da empresa, e sem lhe perguntarem nada, pegaram sua mochila com a marmita e a colocaram no banheiro, mas o senhor não era lixo para fazerem isso, então pegou o que era seu e pediu sua demissão. Nossa, nunca mais esqueci o que o senhor fez e te confesso que senti um orgulho danado do meu pai.

Então, sabe paizinho, alguns dias depois que o senhor partiu, voltei lá na nossa casa para organizar as coisas e estava tudo tão triste e sombrio sem o senhor, mas criei coragem e fui ao seu quarto, e comecei a remexer nas suas coisas. Abri a porta, e estava tudo do seu jeitinho, o velho rádio ao lado da cama, os antigos calendários e o atual também ainda estavam na parede com suas anotações, seus remédios e receitas, caixas de sapatos e embaixo da cama uma velha mala, aquela que o senhor guardava com tanto cuidado. Era tanto mistério, que sempre tive a curiosidade de saber o que o senhor guardava nela, lá no fundo, eu ficava imaginando tantas coisas, pensava que nela o senhor pudesse guardar aquele anelão de ouro com a pedra vermelha que a minha mãe reclamava que o senhor tinha perdido, ou até mesmo a capa preta pesada que o senhor usava em dias frios no trabalho, lembro-me tão bem dela, porque uma vez minha mãe a lavou e depois guardou dentro de um saco preto e a minha irmã pensando que era lixo, colocou para o lixeiro levar, quando minha mãe se deu conta, coube a mim ter que sair correndo atrás do caminhão de lixo, gritando feito louca, que haviam levado a capa do meu pai, meus gritos foram úteis, porque a recuperamos. Então paizinho, voltando a mala, após abri-la, começou para mim uma aventura, aventura essa, que me fez comprovar o quanto meu pai, era mesmo um grande homem, um grande pai. Dentro da mala o senhor havia guardado todos os presentinhos de escola que eu e meus irmãos havíamos lhe dado durante nosso período escolar, aqueles bem simples que fazíamos a mão, alguns eram uma camisa de cartolina e no bolso um pente ou um lenço, outros uma gravata feita de papel de presente, cartãozinho de natal, fotografias em preto e branco amareladas pelo tempo, uma agenda telefônica que dei para o senhor quando eu tinha uns 10 anos e na qual o senhor fez várias anotações e pude perceber pelas anotações que fez, que talvez o senhor tivesse medo de algum dia perder a memória, havia também chaveiros, a minha coleção de livros de contos de fadas que foi adquirido no primário, me recordo que jovens bem vestidos e que falavam bonito, faziam um belo discurso e depois ofereciam para comprá-los pelo "olho da cara", uma coleção de notas e moedas antigas e os seus antigos talões de cheques, sim paizinho, aqueles que a minha mãe contava a história que nos rendia boas e altas gargalhadas, na qual um dia perguntou pro senhor, se ainda havia dinheiro no banco e o senhor calmamente respondeu que não, mas ainda tinha os cheques. Perdão meu pai, porém, não tem como não rir lembrando disso. Pois é paizinho, ali remexendo os seus guardados, eu sentei e chorei, porque descobri que realmente o senhor escondia sim, uma preciosidade, porque só um homem que amaria muito seus filhos, guardaria pra si coisas tão simples e insignificantes aos olhos dos outros, como se fosse um tesouro, e eu o amo e o admiro ainda mais por isso. Então, meu querido pai, aqui a vida continua, mas está tudo tão diferente e ao mesmo tempo assustador, que sinto tanta saudade do tempo em que estava conosco, porque a sua presença e os anos vividos, de certa forma me passavam segurança. Hoje, te confesso que tenho medo, muito medo desse mundo onde as pessoas estão se tornando cada vez mais estranhas e os valores estão sendo perdidos, bom mesmo era aquele tempo, mas sei que não posso fraquejar, sabe, agora o senhor tem uma netinha, e eu preciso passar pra ela esses valores que aprendi com o senhor e minha mãe, e por favor, se por um acaso algum dia eu fracassar, me mandem força aí de cima, porque ela tem tanta energia, é tão esperta e tão linda. Ah, sorria meu pai, enquanto vou escrevendo essas palavras estou ouvindo uma canção do Chitãozinho & Xororó, e assim embalada pelo refrão que diz, "É que a saudade apertou meu coração, saudade dos meu pais de meus irmãos. Minha saudade do cantar da juriti, foi a razão que me fez voltar aqui..." vou seguindo meu pai, em meio a tantas recordações e essa imensa saudade que não cabe dentro do peito.

PS: A sua bênção paizinho, sei que um dia nos veremos de novo.

Créditos da música; (Terra Querida/Chitãozinho & Xororó)

Nota ao leitor: Desculpe-me pela palavra Senhor, soar como repetitiva durante todo o texto, mas era exatamente assim que eu me dirigia ao meu pai.