A FÉ - NOSSO "SIM" AO PLANO DE DEUS

Carta 213

A FÉ – NOSSO “SIM” AO PLANO DE DEUS

O divórcio entre a fé professada e a vida cotidiana de muitos

deve ser enumerado entre os erros mais graves do nosso

tempo (GS 43)

Uma leitora do Paraná pede subsídios bíblico-teológicos sobre a fé.

O que é fé?

Segundo São Paulo, “A fé é um modo de já possuir aquilo que se espera; é um meio de conhecer realidades que não se vêem. Foi por causa da fé que os antigos foram aprovados por Deus” (Hb 11,1s).

A fé, antes de tudo é um dom do Espírito Santo, um presente gratuito de Deus e, ao mesmo um convite que ele nos faz para que aceitemos o seu amor. Teologicamente, se poderia afirmar que fé é a disposição de avançar além do que se vê, abrindo a mente e o coração para o novo de Deus. De acordo com a representação sintética do homem que caracteriza o pensamento semita comparado com as nossas concepções ocidentais, a fé bíblica não é apenas um ato pelo qual a inteligência adere às definições de suas relações com Deus apresentadas pela comunidade. Ela é um ato complexo que envolve o homem como um todo, face a uma Pessoa reconhecida em toda a sua riqueza,

Como podemos definir a fé?

A fé é a nossa resposta global e incondicional a todo o plano de Deus. Pela fé afirmamos aceitar a oferta da graça de Deus. Fé é um “salto no escuro”. Por ela aceitamos sem condições ou comprovações todos os dons que Deus quer nos ofertar. A fé em Deus nos faz crer no incrível, ver o invisível e realizar o impossível. Fé é aceitação da pessoa de Jesus Cristo é entrega e adesão a ele, que compromete toda a nossa vida. É aceitação de sua mensagem (o evangelho). Pela fé nos inserimos na vida divina. Fé, deste modo, não é sentimentalismo, muito menos uma reação emocional

Iluminação bíblica

(alguns subsídios do Novo Testamento sobre a fé)

Mateus 8,5-10 Marcos 11,20-24

Mateus 9,1-8 Lucas 8,43-48

Primeira carta de João 5,1-4

Hb 11,1-3

Em termos de fé, Deus não nos quer pela metade, nem por momentos. Se vamos aderir a ele, deve ser de modo total e totalizante. Nosso Deus não é solidão nem isolamento. Nosso Deus é um Deus revelado que se comunica com o homem. Deus é comunicação, e assim se autocomunica conosco por meio de Jesus Cristo, oferecendo-nos a vida à qual respondemos afirmativamente aceitando seu plano e consentindo viver segundo seus mandamentos. Essa aceitação, esse “sim” se processa pela nossa fé. Fé, como foi dito acima, é um salto no escuro. É aceitar algo como verdade definitiva sem exigir comprovação.

Quem não tem fé exige comprovação de qualquer afirmação com o auxílio da lógica humana, das ciências, dos computadores ou das evidências. Quem tem fé não precisa de comprovação. Ter fé é acreditar que vamos receber o que pedimos, mesmo antes de solicitarmos. Considerada uma das mais importantes graças habituais que o ser humano pode receber de Deus, a fé faz com que o mistério das coisas sagradas seja aceito sem maiores exigências, pois ela nasce do coração (e não da razão), só depois é assimilada pelo intelecto para se transformar em atitude. A fé sem obras é morta, lembra? (cf. Tg 2,26). No cativeiro romano o apóstolo Paulo exalta a fé como garantia da recompensa de Deus no Reino dos céus:

Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a minha fé (2Tm 4,7).

A fé é um dom de Deus, é uma graça divina para que manifestemos uma livre aceitação ao chamado revelador de Deus. Ela sempre traz consigo um compromisso vertical e horizontal. Vertical é nossa relação com Deus, que nos conduz ao horizontal, que é nossa relação com as pessoas, com o nosso próximo. Fé supõe compromisso de vida, coerência de atitudes e necessidade de assumir, em nome de Deus e em favor do irmão. A fé é algo vigoroso nos seus frutos e frágil no seu encaminhamento para a vida. São necessários cuidados para fortalecê-la, é necessária muita atenção para mantê-la. Fé é dom de Deus, e ele nos dará, se nós o pedirmos. Querer ter fé já é ter fé. A fé tentada e buscada já é fé exercitada.

Se o Ressuscitado não pode ser visto por nossa visão humana, existe a comunidade cristã que, com sua vida, retrata sua imagem e testemunha que ele está vivo. No IV Evangelho o evangelista São João retoma o assunto da falta de fé de alguns, onde busca responder os problemas dos cristãos de algumas comunidades que pretendiam só crer depois de ver. Com esse objetivo, narra-lhes o episódio de Tomé e explica que o Ressuscitado tem uma presença que foge aos nossos sentidos, uma vida que não pode ser tocada ou vista. Somente pode ser objeto da fé.

Crer para compreender

Nesse particular, a fé é sempre um risco, pois não se trata de tocar e ver, mas de acolher o anúncio tal qual ele é proclamado. Ao cristão que tem fé não são necessárias aparições ou outras manifestações espetaculares. O som da voz do Senhor (a Escritura) é suficiente para reconhecê-lo e segui-lo. Para Jesus, bem-aventurados são aqueles que crêem sem ver, porque a fé deles é mais genuína. Quem vê tem a certeza da evidência, possui a prova material, não a prova da fé. De fato, no que tange às coisas de Deus, é primordial primeiro crer para depois compreender. Embora pareça paradoxal, esta afirmação é a que mais se coaduna com a fé que deve animar nossa vida cristã. A fé, como vigoroso dom de Deus, aparece nas chamadas formulações de Santo Anselmo de Cantuária († 1109). Estando Deus no centro do mistério, nós nunca poderemos apreendê-lo pelos sentidos ou pela inteligência.

Isto já ficou bem claro. O clássico credo ut intelligam (creio para compreender) de Santo Anselmo, em sua clássica obra, o Proslogion (abaixo) faz a troca de mão do ônus de compreender, que se torna posterior ao crer:

Senhor, eu não tenho a intenção de penetrar na tua profundidade, porque minha inteligência não poderia, de modo algum, atingi-la. Desejo, porém, compreender algo da tua verdade, que crê e ama meu coração. Não procuro compreender para crer, mas sim crer para compreender, uma vez que estou seguro que, se não cresse, não compreenderia.

Falta ao homem de hoje, e por isso o mundo está do jeito que está, o modo de conhecer pela contemplação, joelhos em terra, no qual os sentidos são substituídos pela atitude silente e respeitosa de quem está diante do mistério. Assistimos a uma assustadora mutilação dos espíritos, pelos modismos e pela massificação. O problema do homem moderno é que ele rejeita compreender pela fé, e seu desejo de crer acaba naufragando no mar da mediocridade. Falta-nos o crer para compreender.

O apóstolo Paulo volta-e-meia retorna ao tema da fé que promove a justiça (Rm 1,17), nos obtém a salvação (Ef 2,8), faz de nós filhos de Deus (Gl 3,26). Esta fé une o homem a Deus que ressuscitou Cristo com vistas à nossa justificação (Rm 4,24). Nela aderimos ao mistério do Cristo ressuscitado (1Tm 3,16). O que a Lei judaica não conseguiu realizar (a justificação do homem) a fé conseguiu (Rm 4). Desta forma, aquele que crê está livre em relação à Lei, isento de observar seus preceitos muitas vezes alienantes (Gl 3-5).

João acrescenta algumas nuanças, que lhe são próprias, à doutrina neotestamentária da fé. Ele fala em “crer no Filho do Homem (9,36ss), em Jesus (11,45s). A fé traz a vida (3,36 e o não-crer equiivale à condenação (3,18s). A fé só se torna acessível aos que são de Deus. De outro lado, os que são do mundo, esses não podem crer (8,47). A mais autêntica fé não precisa de sinais (20,28). Enfim, a fé encontra sua expressão concreta mais verdadeira no amor ao próximo (1Jo 3,23).

Atitudes para aumentar a nossa fé

• Oração comprometida com a vida – freqüente e efetiva;

• Leituras e meditações bíblicas diárias;

• Recepção freqüente dos sacramentos;

• Atos de misericórdia espontâneos (exercício da caridade);

• Adoração freqüente ao Santíssimo Sacramento;

• Meditação e estudo sobre palestras, homilias, cursos, boas

leituras espirituais, etc.;

• Exercícios de paciência e autodomínio;

• Direção espiritual;

• Vida em comunidade.

Questões práticas para progredir na vivência da fé

• Vamos praticar, nesta semana, uma atitude capaz de aumen tar

nossa fé?

• Você conhece uma pessoa de fé? Como são suas atitudes?

• Como o cristão pode demonstrar sua fé em Jesus Cristo?

Uma historinha real

Mariazinha vivia em Campina Grande, na região do Brejo paraibano, no fim da década de 70. Era uma jovem de fé e de muita coragem, apesar da insidiosa enfermidade que pouco a pouco ia debilitando seu corpo. Ela morava no quarto dos fundos de sua casa, e lamentava não poder assistir ao raiar do sol, pois havia, atrás do terreno, uma pequena colina que obstruía a visão do crepúsculo. Ela se entristecia com isso e, baseada no ditado popular “a fé remove montanhas”, sempre orava a Deus para que removesse aquela colina e ela pudesse ver o sol nascer bem cedo, e não tardiamente como estava ocorrendo. Com o passar do tempo, seu estado de saúde se agravou e ela precisou ser hospitalizada. Lá permaneceu durante uns quinze dias. Aconselhada pelos médicos, ante a irreversibilidade do estado, a família levou Mariazinha para casa, para que ali pudesse morrer em paz. Fraca e debilitada, ela abriu a janela do quarto e, surpresa: Pôde assistir ao nascer-do-sol. O milagre acontecera, Deus ouviu suas preces e removeu a colina. Alegre, ela agradeceu a Deus, seu corpo enfermo tremeu e morreu... Para poder construir uma estrada, a Prefeitura havia tirado toda a terra da colina, fazendo o nivelamento do terreno (Esta história é contada naquela região como verídica).

Conclui-se que para atender ao pedido de alguém de fé, Deus pode até se valer da técnica, da ciência humana, como no caso, da engenharia. Nada é impossível para quem crê. Mas, cuidado! Oração sem recolhimento interior, fé sem obras de caridade, caridade sem base espiritual, serviço e oração, são alienações.

Ter fé e confiança em Deus significa não ter a mínima dúvida de

que ele é capaz de nos ajudar. A falta de fé e de confiança

existe numa pessoa quando ela reza e pede a Deus uma graça,

mas no seu íntimo existe a dúvida, a desconfiança se alcançará

não aquela graça (J. Battistini, Como falar com Deus. Ed. Vozes,

1999).

O cristão se define por sua fé em Jesus Cristo. Fé não é um sistema de verdades nem um conjunto de práticas religiosas com as quais se busca influir na divindade nem muito menos, uma atitude piegas de quem vive de forma alienada e fora da realidade. A fé cristã é a aceitação incondicional de Cristo Jesus como norma decisiva da própria existência. Crê em Cristo quem decide seriamente viver a vida de Cristo. Crer é viver e fazer o evangelho acontecer. Que crer (ter fé) e for batizado, será salvo (cf. Mc 16,16). Logo, que não tiver fé está condenado... Jesus dá muita importância à fé de seus seguidores:

Respondeu-lhes o Senhor: Se vocês tiverem fé como um grão de

mostarda, dirão a esta amoreira: Arranca-te e transplanta-te no

mar; e ela obedecerá a vocês. (Lc 17. 6).

Ao carcereiro em Filipos, Paulo e Silas recomendaram “Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua família” (At 16,31).

Várias pessoas tiveram suas vidas transformadas por Jesus e, surpreendentemente, uma frase que Ele disse a muitas delas nos mostra a importância da fé: “Então, Jesus lhe disse: Vai a tua fé te salvou. E imediatamente o homem tornou a ver e seguia a Jesus estrada afora.” (Mc 10, 52). A fé é um elemento de transformação de vida. Em alguns textos de São Paulo, finalizando, encontramos vários trechos que enfatizam a necessidade de fé:

• O justo viverá por sua fé (Rm 1,17; Gl 3,11);

• Tudo o que se faz em desacordo com a fé é pecado (Rm 14,23);

• Somos salvos mediante a fé (Ef 2,8);

• Tenham sempre nas mãos o escudo da fé (Ef 6,16);

• Permaneçam revestidos da couraça da fé (1Ts 5,8);

• A fé é a certeza das coisas que não se vêem (Hb 11,1);

• Sem fé é impossível agradar a Deus (Hb 11,6).

Senhor… Ensina-me a ter paciência e a esperar pelo teu kairós. Segura firme minha mão e aumenta minhas forças na caminhada da vida. Conduz-me pelo melhor caminho guiando meus passos. Protege-me de todo o mal. Aumenta minha fé e renova cada dia a minha confiança em ti (Oração dos monges do deserto).