No Tempo de Geraldo Pereira

NO TEMPO DE GERALDO PEREIRA

Valmir Araújo dos Santos

“Ô meu Deus o que é que eu faço

Para viver nesse mundo.

Se ando limpo sou malandro

Se ando sujo, sou imundo”.

( Mestre Paulo dos Anjos, trecho de ladainha)

“Cantava à frente de cabrochas, em programas de rádio e espetáculos teatrais, e organizava escolas de samba para apresentações carnavalescas. Dessa maneira Nestor de Holanda, compositor e jornalista, sintetizou a figura de Geraldo Pereira . Nada mais do que isso, circunstância que, por sua natureza sintética e superficial, discrepa do conteúdo do seu livro Memórias do Café Nice, um dos pontos do centro do Rio de Janeiro, mais freqüentado por muitos músicos e compositores durante os seus 26 anos de vida, entre 1928 e 1954.

Em abono de Holanda, excelente memorialista da vida boêmia e musical carioca, pode ser lembrado que, como cronista que foi, coube-lhe a particularidade de registrar em livros, artigos de jornais e revistas aquilo que os seus olhos percebiam, e a sua acuidade em traduzir e filtrar muito do “ouvi dizer”, permitiam-lhe colocar em prosa bastante agradável e isenta de sofisticações.

Geraldo Theodoro Pereira, durante sua vida artística foi compositor, intérprete, figurante em filmes, além de, como o entendeu Holanda, ter-se exibido em shows, auditórios de rádio e boates. Sem qualquer apelo póstumo, pode ser dito que Geraldo Pereira “correu atrás”, não somente no Rio de Janeiro, como também, vez por outra, em São Paulo. Mineiro de Juiz de Fora, chegou ao Rio de Janeiro em 1930, ainda garoto, com seus doze anos, indo morar na Mangueira, mais precisamente na localidade de Santo Antônio, que não deve ser confundida com o morro homônimo, já demolido, e que ficava no centro da cidade, próximo ao largo da Carioca. Dali, até a sua morte, em maio de 1955, no Hospital dos Servidores Municipais na Praça da Cruz Vermelha, e não na Lapa, como insistem alguns, Geraldo Pereira viveu intensamente a partir da sua condição de negro pobre e migrante, procurando ingressar no universo da criação musical popular carioca dos anos 40.

Esse universo era constituído por elementos bastante diferenciados, tanto pela origem social, quanto pela instrução formal. Nele, tinham lugar desde um Orestes Barbosa, poeta e jornalista de renome até um Wilson Batista, reconhecidamente de poucas letras, circunstância que não impediu a construção de uma bela obra, e nem mesmo a sustentação de uma polêmica musical com nada menos que Noel Rosa.

No tempo de Geraldo Pereira, o dia-a-dia de boa parte dos compositores populares já era marcado por uma articulação de atividades que, de uma maneira geral, obrigava muitos deles a entrar noite a dentro. Entre outras razões, havia a necessidade da busca de parceiros e mesmo de compradores de músicas, ou destas mesmas parcerias. De outro lado, a ampliação da popularidade do rádio implicava a luta pelo acesso às emissoras e às gravadoras. A ampliação do alcance do rádio como meio de informação e de entretenimento e o aumento das vendas de discos, desde os anos 30, fundamentavam o que se constituiu a “era do rádio”.

Assim, estruturava-se e ampliava-se o meio – as emissoras de rádio, com ele também o público – o ”amigo ouvinte”. Logo, as mensagens - as músicas e, obviamente, os discos, engrenagens do mecanismo capitalista, aos poucos, davam maioridade ao que se poderia denominar de “cultura do rádio” no país.

Os grandes programas de auditório, em particular aqueles produzidos pela Rádio Nacional, criaram novas condições de trabalho para muitos profissionais. Ao mesmo tempo, as novelas, os jornais informativos, tendo o Repórter Esso, surgido em 1941, como paradigma, além de uma crescente variedade de programas, proporcionaram a sedimentação da respeitabilidade e do prestígio da abrangente profissão de radialista.

Da burocracia exigida pela crescente complexidade do funcionamento das radio- emissoras, passando por compositores e intérpretes da música popular, até os envolvidos na arrecadação de direitos, na divulgação e na distribuição de discos, formou-se uma extensa cadeia menos harmoniosa do que conflituosa, não tão coerente com o que apregoavam aos “fãs” publicações especializadas, como, por exemplo, a Revista do Rádio. Mas, a crescente mercantilização dessa engrenagem de entretenimento implicava também o aumento da competição, incluindo a variedade de ritmos à disposição do público; o que pode ser exemplificado pela difusão, entre outros, do bolero, do tango, do mambo, do fox, e mesmo do samba-canção, além do samba propriamente dito.

A Geraldo Pereira já se chamou de malandro, e até mesmo de desordeiro ; modelos sociais que não são sinônimos. Justamente ele que desde cedo – pouco antes dos 14 anos – começou a trabalhar numa fábrica de laticínios e, logo, em uma cerâmica, tendo posteriormente conseguido uma colocação na Estrada de Ferro Central do Brasil. Em 1939, por indicação política, entrou para a Prefeitura do Distrito Federal como motorista da Limpeza Urbana, cargo que ocupou até a sua morte, em 1955. Se foi um servidor assíduo e disciplinado, é outra questão. Demitido, Geraldo Theodoro Pereira não foi. Desde aquele ano, quando conseguiu gravar Se você sair chorando, seu primeiro samba, entrou numa verdadeira roda-viva, enfrentando muitas das dificuldades próprias do mundo da música popular nas décadas dos quarenta e dos cinqüenta.

O fato de Geraldo Pereira ter percorrido uma trajetória criativa que o levou da Mangueira até a Lapa, onde foi morar nos anos quarenta, passando pelo Café Nice, por emissoras de rádio, além de pontos de músicos e compositores, configurou-o como um trabalhador intelectual, não como malandro. Para esta avaliação sua condição de funcionário público municipal, de compositor e intérprete pesou bem menos do que o fato de Geraldo ser negro, ter origem favelada, morar na Lapa, ter mais de uma experiência conjugal, ser boêmio, freqüentar gafieira – a Elite, em particular -, ser devoto de São Jorge e, sem dúvida, a sua comprovada disposição para “sair na mão”.

(...) depois que ele ficou mesmo mais famoso como compositor, ele tinha um apartamento na Lapa e todo aniversário dele nós íamos pra lá, pra comer, fazer festa. Ele ia para a Igreja de São Jorge, que ele era muito devoto de São Jorge, ficava lá. Primeiro, ia dançar naquele baile no Elite que tinha debaixo do Souza Aguiar. Ele ia dançar, e de madrugada ele ia cedo pra lá pra poder entrar e ficava em casa esperando a gente (...)

Assim, estas qualidades contribuíram para que o autor de Falsa Baiana fosse visto como um paradigma consentido no âmbito da música popular: o malandro compositor, ou vice-versa. Neste caso, a figura do malandro corresponderia basicamente àquele negro que possui capacidade de transpor as barreiras impostas pela sociedade de classes, mais do que um modelo de negação do trabalho, como foi consagrado por Florestan Fernandes, no seu estudo clássico A integração do negro na sociedade de classes”. Tornar-se-ia, assim, a malandragem um exemplo, tanto da capacidade de o negro driblar as vicissitudes históricas geradas pela longa escravidão, como também da negação do trabalho.

Em verdade, Geraldo Pereira reuniu, ao longo da sua vida, algumas particularidades de comportamento que caracterizariam historicamente o malandro, segundo critérios sociológicos. Valentia, aqui traduzida por disposição para brigar, sem dúvida. Mas, a “dureza, chamada no seu tempo de“ prontidão”, nem tanto. Geraldo pode ter se mantido pobre, embora tenha conseguido mudar-se da Mangueira para a Lapa, comprar um carro de segunda mão, além de manter um ritmo de vida boêmia que, ao lado do trabalho, permitia-lhe freqüentar bares, restaurantes no centro da cidade e na sua Lapa querida. A esperteza, “atributo que se constitui na capacidade de se desvencilhar de situações difíceis através da ´lábia`e do jogo de cintura” , talvez possa ter sido, em alguns momentos e casos, uma tática do compositor empregada no seu cotidiano marcado, entre outros aspectos, pela luta constante em busca de afirmação profissional e artística.

Aliás, é importante ressaltar que malandro e malandragem não são, sequer, “coisas nossas”; não foram e não são exclusividades cariocas e, muito menos, brasileiras. A esse respeito, basta lembrar a figura emblemática do cumpadrito na cultura portenha, e mesmo o fadista na lisboeta. O malandro foi uma construção – um “modelo ideal” – que, colado ao samba, ganhou notoriedade a partir dos anos trinta. Essa construção histórica resultou de uma conjunção de fatores que teve sua origem no pós-abolicionismo, em particular no Rio de Janeiro. Não há como negar que o embate enfrentado pela população negra desde a Abolição gerou alternativas de sobrevivência que iam desde a “viração” à vadiagem pura e simples, passando pelo trabalho em condições aviltantes. Nessa conjuntura, as práticas culturais negras foram, ao mesmo tempo, sujeito e objeto nas ações próprias da convivência social regida pela conjugação dos interesses do capital e da livre oferta do trabalho, sem a interposição do trabalho escravo.

Seja com seu terno branco, sapatos de duas cores ou chinelo charlotte, chapéu de abas largas, ou mesmo curtinha, andar gingado, ou outros traços singulares, seja com camisas listradas, calças brancas, e chapéus de palha duros - os famosos palhinhas – caracterizando o ”malandro de exportação” que conquistou credibilidade na medida em que o rádio foi se tornando, a partir dos anos trinta, um meio de difusão capaz de veicular diferentes ritmos que passaram a entreter um público crescente.

Desde então, a figura do malandro tornou-se diferente daquela dos primeiros tempos: nem tão ameaçadora e, por conseqüência, cada vez mais ajustada ao público burguês urbano. Tornou-se um “faz de conta”, uma peça a mais na engrenagem mercadológica em que o disco, o rádio e o público sustentavam a articulação necessária para a sua expansão. Para o alcance desse objetivo, nada mais oportuno e adequado do que a incorporação de uma figura que era, ao mesmo tempo, um rebelde do passado e um conformista que se exibe, e é exibido, no presente; seja como regenerado ou como prova da diversidade que as concessões dos valores burgueses proporcionam.

De tudo isso algo é indiscutível, Geraldo não viveu de “golpes” ou de expedientes de jogatina e, muito menos, da exploração de mulheres que, aliás, não foram poucas em sua curta vida. Viveu com elas, mas não delas. Em síntese, a sua estratégia de vida foi marcada pela busca de afirmação como compositor, mais do que como intérprete, que lançou mão da sua criatividade intelectual; condição que lhe permitiu a passagem por uma fresta estreita que dava acesso a um universo intelectual bastante heterogêneo. Os recursos empregados por Geraldo já existiam nele, vinham da sua condição de negro, de alguém que viveu em uma favela – a Mangueira – onde deu os primeiros passos como “virador” e onde, também, vivenciou seus primeiros momentos como amante: da música e das mulheres.

A propósito, a condição de intelectual não deve ser restrita àqueles que desempenham atividades compreendidas como de relevância cultural caracterizada pelo emprego, via de regra, de recursos de natureza erudita. Menos do que elitista essa concepção peca pela estreiteza que sustenta a dicotomia rasa e sumária entre trabalho manual e intelectual, que, entre seus desdobramentos, reserva para alguns poucos membros da chamada elite pensante exclusividade da prática intelectual. De outro lado, sem cair no território romântico, fonte histórica da valorização da cultura popular, valeria mais buscar a condição de classe do produtor intelectual. Condição que não se esgota na sua origem social, repousando na articulação entre esta e a natureza da sua obra, compreendida pelo seu conteúdo, sua forma e, por fim, pelo seu desempenho na vida, mais completamente.

A produção musical do compositor mineiro situou-se entre 1939 e 1955, ano da sua morte, tendo alcançado cerca de 100 composições . Essa produção sofreu, como tantas outras, os efeitos das flutuações próprias do mercado, que podem resultar de diferentes razões.

Uma delas diz respeito às condições conjunturais: as condições de vida da população, fator importante no caso em questão, desde que o disco-mercadoria não é um artigo de primeira necessidade; embora deva ser ponderado que a criação musical popular – qualquer que seja o seu significado – não pode ser avaliada em termos mercadológicos somente no período de vida do autor. Em outras palavras, isso significa que a maior ou menor incidência de vendagem de discos, vista como prova efetiva do sucesso, se mostra, por vezes bastante distendida. Além disso, muitas composições ganham o público associadas a determinados intérpretes. Sem parti pris, não constitui exagero a afirmação de que, por exemplo, Aracy de Almeida tornou-se a intérprete de Noel Rosa, ou seja a cantora que soube dizer no tempo e na hora muito do que o poeta da Vila quis dizer, e não pela circunstância de os dois terem sido amigos de jornadas e noitadas.

No caso de Geraldo, foi Ciro Monteiro – o “seu padrinho” - que acabou se tornando o seu maior intérprete, aquele que o acompanhou artisticamente, bem como amigo, inclusive presente no seu velório. É bem verdade, que outros intérpretes de prestígio durante a sua vida gravaram várias das suas composições: Aracy de Almeida, Odete Amaral, Moreira da Silva, Jorge Veiga, Roberto Silva, Déo, Blecaute, Alcides Gerardi, Emilinha Borba, Marlene, Orlando Silva e Dircinha Batista, entre outros. Segundo os biógrafos do compositor, Ciro foi aquele que mais gravou Geraldo Pereira: nada mais do que doze composições, sendo apenas superado pelo próprio autor que levou ao disco quinze das suas criações. A esse respeito, convém notar a variedade na escolha, ou indicação, dos intérpretes, sendo que Déo – o “Ditador de Sucessos” – cantor pouco lembrado no âmbito da música popular, teve oportunidade de gravar dez composições de Geraldo Pereira.

Se cada um desses intérpretes, ao dar sua voz e seu estilo, somou um pouco à divulgação da obra de Pereira, esta, por sua vez, foi construída ao longo de quase quinze anos, merecendo ao final da sua vida o reconhecimento como obra de um grande sambista.

A história de Geraldo Pereira, como a de qualquer artista, não se encerrou com a sua morte. Nada de “obra imortal” ou “sua obra viverá para sempre’, lugares-comuns próprios da retórica de festejos, homenagens ou, até mesmo, por ocasião de discursos fúnebres.

Registrada em discos e partituras, as composições musicais constituem fragmentos de memória que, por sua condição de mercadoria, são sujeitas às flutuações mercadológicas. A questão não se reduz aos esforços na preservação da obra deste ou daquele compositor, circunstância que, sob o aspecto material, os próprios registros fonográficos e as partituras fazem, mesmo que se leve em conta que, muitas vezes, o desinteresse mercadológico ou a incompetência e a incúria de órgãos públicos, contribuam para o “apagamento” de composições musicais. Não é incomum a descoberta de registros fonográficos perdidos em arquivos públicos ou privados; em muitos casos verdadeiros depósitos, de gravações antigas.

Dessa forma, quando se afirma que a história de Geraldo Pereira não se encerrou com a sua morte, pretende-se, em verdade, abrir-se uma discussão envolvendo memória e história, que, antes de tudo, possa esclarecer a distinção e, ao mesmo tempo, a ligação íntima entre as duas. Assim, tudo aquilo que o compositor produziu constitui um lugar de memória. Ou seja, nele repousa a produção concreta da criatividade de Geraldo Pereira que, no entanto, não pode ser compreendida como, por exemplo, uma lousa fria que cobre e compõe uma sepultura. Quando o olhar recai, por exemplo, sobre qualquer monumento buscando, entre outros, o sentido subjacente ao seu estilo arquitetônico, bem como a natureza das imagens e das inscrições porventura existentes, e a sua localização no terreno e as datas nele assinaladas, este gesto sugere um passo para a história. A análise daquilo que, para muitos, são registros de lembrança passam a constituir registros históricos, desde que submetidos a um processo analítico sustentado por pressupostos teóricos capazes de produzir ao fim e ao cabo um trabalho situado no tempo.

Malgrado as implicações que esse exemplo possa trazer, a idéia de monumento foi aquela que se mostrou mais adequada para expressar metaforicamente a noção de lembrança de uma obra. Assim, tome-se o conjunto da produção de Geraldo Pereira e submeta-o a uma avaliação que não se restrinja ao seu conteúdo temático. De saída, é necessário que seja aferida a progressão da capacidade criativa do autor. Ou seja, quanto o compositor produziu ano a ano, devendo ser notado que, no caso de Geraldo Pereira, como de outros seus contemporâneos, a música de carnaval oferecia uma oportunidade a mais para o lançamento de composições. O próprio Geraldo lançou seu primeiro samba, Se você sair chorando, em um concurso de músicas carnavalescas.

Dessa forma, os anos de 1945 e 1952 foram os mais frutíferos, com 11 e 14 composições respectivamente. De outro lado, os anos com índices mais baixos foram 1941, 1947, 1949 e 1953, todos com apenas três composições; nessa constatação não está incluído 1939, com apenas uma composição, pelo fato de ele ter sido o primeiro ano da atividade artística de Pereira, com apenas um samba. Dessa forma, a disposição gráfica mostra que a produção histórica – e não a história de Geraldo Pereira – atingiu dois piques, em 1945 e 1952, quando o total de cada um dos dois anos atingiu mais do que o dobro da média anual dessa mesma produção. Note-se que a vida criativa de Geraldo Pereira decorreu, em grande parte, durante uma fase de intensa veiculação de composições estrangeiras no mercado nacional, a que o estudioso José Ramos Tinhorão chamou de “atração do internacional” .

A partir desses dados, cabe uma indagação: como seria possível entender-se a ocorrência dos piques na trajetória criativa do compositor mineiro?

Em 1945 Geraldo Pereira já trabalhava na Rádio Nacional, tendo composições suas gravadas por intérpretes de prestígio, como Ciro Monteiro, Aracy de Almeida, Odete Amaral, Quatro Azes e um Coringa, entre outros. No ano anterior, participara do filme Berlim na Batucada, de Luís de Barros, onde interpretou o personagem Cabo Laurindo, um soldado expedicionário que, condecorado na Itália, foi cantado como um herói popular, mais precisamente como um favelado que voltou “coberto de glória”. A propósito, esse samba de Wilson Batista e Haroldo Lobo, gravado originalmente por Jorge Veiga, merece uma leitura política que, se despida de um viés maniqueísta, pode ser avaliado como instrumento a favor de uma “abertura” transformadora no fim do Estado Novo:

Laurindo voltou

Laurindo voltou, coberto de glória

Trazendo garboso no peito a Cruz da Vitória

Salgueiro, Mangueira, Matriz estão agindo

Para homenagear o bravo Cabo Laurindo.

As duas divisas que ele ganhou mereceu

Conheço os princípios que Laurindo sempre defendeu

Amigo da verdade, defensor da igualdade

Dizem que lá no morro vai haver transformação

Camarada Laurindo estamos à sua disposição !”

Naquele mesmo ano Geraldo Pereira foi contratado pela gravadora Continental, fato que, talvez, possa explicar, em parte, o aumento da sua produção. Em 1945 foi lançado Bolinha de Papel, antecedida por Falsa Baiana, em 1944, sambas que demarcaram o sucesso do compositor, já, então, também intérprete de músicas compostas por ele. A partir daí foram compostos alguns sambas que acabaram associados à imagem do compositor; foram, por exemplo, os casos de Escurinha, Cabritada mal sucedida e Escurinho. Em verdade, essas composições, tornaram-se expressões de um certo Geraldo Pereira, aquele constituído menos por ele próprio do que pelo outro Geraldo Pereira: um ser híbrido gerado historicamente pelo mercado. Em outras palavras, trata-se de um Geraldo Pereira compreendido como paradigma de uma trajetória artística possível no âmbito da sociedade urbana brasileira, no caso reduzida à cidade do Rio de Janeiro. Negro, migrante, de poucas letras, com trânsito pela Mangueira e pela Lapa, boêmio com “disposição” , homem de várias mulheres, como já foi notado, mas que nunca perdeu a afinidade com os seus familiares, Geraldo Pereira encarnou a trajetória do negro que lutou por sua afirmação social com as armas que possuía: a sua criatividade. Talvez, nesse particular, sua trajetória possa ser aproximada àquela de outro notável artista negro: Sebastião Prata, o Grande Otelo.

A trajetória descrita pela produção do compositor mineiro não foi distinta, na sua essência, daquela de outros negros no Rio de Janeiro desde o início da década dos anos trinta. A crescente complexidade da sociedade urbana do Rio de Janeiro, decorrente do avanço das práticas capitalistas, bem como o fortalecimento do autoritarismo político que desaguou no Estado Novo, proporcionaram a ampliação das brechas que permitiram a emersão de alguns poucos artistas negros no mercado do espetáculo, quaisquer que fossem suas especificidades. Em tempo, deve ser lembrado que o autoritarismo referido caminhou paralelo a uma política paternalista que, em relação à música popular, não foi exclusivamente marcada por uma atitude controladora como demonstra o surrado exemplo da letra da composição de Wilson Batista e Ataulfo Alves, O bonde de São Januário.

Sem negar a importância de exemplos individuais anteriores como Eduardo das Neves, Donga, João da Baiana, Pixinguinha e Sinhô, a ampliação do mercado do entretenimento musical nos anos trinta abriu espaço para a diversificação da oferta de gêneros musicais, entre os quais ritmos estrangeiros. Em 1939, quando Geraldo Pereira gravou o seu primeiro samba, ele configurou o início de uma carreira artística de um negro que modelou aquilo que o sociólogo Costa Pinto denominou homem-símbolo. Grosso modo, pode ser afirmado que Geraldo Pereira buscou, como muitos dos seus anônimos irmãos de cor, destacar-se no seio da massa negra, em um momento histórico em que a proletarização urbana ampliava a aglutinação de consideráveis contingentes de negros, como ocorria no Rio de Janeiro. Se esse fenômeno proporcionava de um lado maiores possibilidades de organização dos trabalhadores, fossem negros ou não, de outro, não facultava aos primeiros uma conscientização da sua condição efetiva: a de explorados pelo capital e de discriminados pela persistência, e mesmo aprimoramento, do odioso racismo. Por amarga ironia, nas mesmas décadas dos anos 30 e 40, contingentes de intelectuais negros criaram formas associativas como instrumentos de luta e conscientização no país. Foram exemplos desse esforço o TEN (Teatro Experimental do Negro) – sob a liderança de Abdias do Nascimento - e a Frente Negra dissolvida durante o Estado Novo.

Sem considerar o incontável contingente de negros que amargava sua existência no seio do lumpesinato carioca, o negro proletarizado pouco soube daquelas iniciativas de organização e conscientização. Provavelmente, muito mais por razões circunstanciais, os caminhos visualizados por muitos negros naqueles anos era o da luta comunitária. A esse respeito, são significativos os testemunhos contidos no importante trabalho Na roda do samba, do jornalista Francisco Guimarães – 0 Vagalume , publicado em 1933, bem como por seus artigos publicados na década dos anos 40 no Correio da Manhã. De uma maneira geral, eles oferecem um panorama parcial das condições de vida em favelas cariocas, onde o enfrentamento com grileiros urbanos, vendeiros e, sem dúvida, com a polícia, constituía um importante fator no cotidiano daquela parcela da população do Rio de Janeiro, em que os contingentes negros eram consideráveis.

Note-se, a propósito, que a organização e a luta constante dos trabalhadores portuários do Rio de Janeiro foi um movimento excepcional, desde que a existência de instituições sindicais proporcionou, desde o início do século passado, a possibilidade de representatividade por parte de lideranças negras, inclusive nos confrontos com trabalhadores portugueses, no início do mesmo século.

Pouco depois de Geraldo Pereira ter iniciado sua carreira, a população negra era a maior no conjunto das favelas cariocas, como observou Costa Pinto ao comentar aspectos do recenseamento de 1940:

Dentre cem habitantes do Rio de Janeiro, aproximadamente 29 são de cor; de cada cem habitantes, aproximadamente 7 vivem nas favelas; de cada cem habitantes 71 são de cor. Isto significa , noutros termos, que a representação dos grupos de cor na população das favelas é muitas vezes maior, quase igual ao triplo, da proporção deles na população total da comunidade.

Assim, logo após o fim do Estado Novo, as favelas cariocas passaram a merecer uma atenção efetiva das autoridades governamentais. Sem desmerecer iniciativas anteriores, foi durante o governo Dutra que se deu o reconhecimento oficial no Distrito Federal de que as favelas eram um problema social a ser enfrentado. Foram exemplos dessa política a criação da Fundação Leão XIII, em 1947, e a dos Parques Proletários da Gávea e do Caju, sendo que a primeira das instituições expressou também a preocupação de setores da Igreja Católica a respeito das favelas da cidade.

Se, de um lado, essa ação paliativa implicava uma forma de penetração política nas favelas, ordenada e orientada teoricamente por um pretenso conhecimento dado pelo novel curso de Serviço Social, de outro, a repressão violenta sobre o movimento operário – uma das marcas do período Dutra – não deixava de lançar seu olhar para aqueles territórios. Inclusive, deve ser lembrada a alegação oficiosa de que era necessário adotar uma ação preventiva nas favelas porque os “comunistas poderiam descer”.

Ainda sob o ponto de vista de muitos que, interessados ou curiosos sobre as favelas, estavam “fora delas”, merecem destaque dois fatos. Assim, a maior visibilidade das favelas e dos seus contingentes negros levou a atitudes distintas com relação ao “morro que descia”, em particular a “descida” das escolas de samba, embora nem todas fossem oriundas de morros; mas, mesmo as suburbanas, como a Portela, “desciam” também, desde que os desfiles oficiais aconteciam no centro da cidade. Note-se a esse respeito que, nos anos trinta e quarenta, tanto o poder municipal, em particular o prefeito Pedro Ernesto (1935-1936), como, mais tarde, intelectuais de esquerda voltaram suas atenções para as escolas de samba.

A esse respeito, pode ser lembrado que, durante o seu curto período de legalidade (1945-1947), o Partido Comunista desenvolveu uma estratégia de aproximação com escolas de samba e clubes de futebol suburbanos, utilizando-se da Tribuna Popular, jornal de circulação diária na capital federal.

O segundo fato dizia respeito à nova situação da figura do malandro: entenda-se o malandro idealizado. Mais uma vez o fim do Estado Novo deve ser entendido como um corte, ou um trauma, na trajetória da figura do malandro, produzida pelo imaginário. A camisa de força conformista que lhe fora imposta durante aquele período histórico, foi, aos poucos, sendo afrouxada. Não foi de um só golpe, mas ela tornou-se lassa com o passar dos anos após 1945.

Logo, a negação do trabalho tornaria a ganhar letra e música, em particular durante o Carnaval, quando a polícia investia violentamente contra as rodas de pernada na Praça Onze – afinal, eram coisas de crioulo – além de reprimir a bebedeira exagerada e a sacanagem desde que ocorressem nas ruas. Ao mesmo tempo o governo Dutra procurava controlar o que era cantado nelas; como pode ser notado pela exigência de autorização prévia, dada pelo Serviço de Censura de Diversões Públicas, para que as músicas de carnaval pudessem ser reproduzidas nas emissoras de rádio.

Assim, Geraldo Pereira foi um exemplo de “homem-símbolo” que construiu uma obra poética e musical dentro de uma conjuntura especialmente singular da história brasileira e, em particular, da vida carioca, mais precisamente daquela vida que era a sua e da qual nunca se desligou na sua mente: a de negro pobre.

Mesmo que seja considerada a sua saída da Mangueira, ela não alterou alguns aspectos da sua vida. Os contatos com a família, por exemplo, continuaram, como esclarece Therezinha Araújo:

Não! Era a mesma coisa. Ele não mudou nada. Nadinha. Tratava todo mundo do mesmo jeito, não saía lá da Mangueira, porque a gente morava no morro. Ele que morava na Lapa; agora, a gente morava na Mangueira, meu pai, minha mãe, todo mundo morava lá. Ele ia sempre lá; minha avó ainda era viva; ele cá pra lá. Ele não sai de lá.

Esse fato é importante desde que Geraldo ao ser forçado a casar pela primeira vez, por pressão explícita do seu irmão Mané Araújo, declarou que “ (...)posso casar, mas vou entrar numa porta e sair na outra”. Em verdade, Geraldo Pereira casou, mas não viveu com a mulher que desposara a contragosto. No entanto, as suas relações com a sua família não foram rompidas, como acentuou sua sobrinha Terezinha Araújo. A sua ida para a Lapa pode ser entendida como uma busca de ascensão, consciente ou não, em que Geraldo procurou situar-se em um espaço em que poderia desfrutar de mais liberdade do que na Mangueira, além de ficar bem mais próximo dos locais em que estavam as oportunidades de trabalho.

A Lapa dos anos quarenta era, então, um espaço de sociabilidade distinto daquele da Mangueira: cabarés decadentes, bares e restaurantes nem tanto, mas de qualquer forma melhor aparelhados e com serviço bem superior ao das tendinhas do morro. Se as mulheres eram, pelo menos em parte, mais gastas, e se o cotidiano noturno do bairro já não espelhasse a excelência as noitadas e os rendez-vous de um passado – uma época de ouro de intelectuais -, a Lapa não era uma área de baixa prostituição, não era o Mangue. Situada entre o centro da cidade, próxima à Cinelândia e ao Senado Federal, a Lapa não estava situada na Zona Sul; confinava com a Glória e era um dos caminhos para Santa Teresa, mas não era Zona Sul que, naqueles anos, cada vez mais se identificava com Copacabana. Enfim, a Lapa era um bairro- fronteira, menos pela sua delimitação geográfica do que pelas práticas culturais nela consentidas que, aliás, não eram exclusividade dela.

De outro lado, Geraldo manteve até o final de sua vida uma variedade de atividades profissionais. O emprego público foi mantido ao mesmo tempo em que a flutuação de ofertas de trabalho permitia-lhe, ora sim, ora não, o ganho exigido por seu ritmo de vida, que conjugava trabalho, mais trabalho e boêmia: ir ao Elite, à igreja de São Jorge, a bares e cafés – como o Nice, por exemplo – não deixando de visitar sua família. Foi o homem de muitas mulheres e de tantas amizades.

Da sua vida agitada, que, comumente entrava pela madrugada, pode ter derivado um certo pouco caso com a saúde. Circunstância que não escapou a seus biógrafos, e que foi provavelmente agravada por algumas extravagâncias, como, por exemplo, ingerir caldo de carne crua - verdadeiro coquetel de bactérias - com cerveja ou aguardente:

V.A -Quando na casa dos parentes estava se moendo carne, geralmente o Geraldo Pereira usava aquele sangue como tira-gosto ou uma coisa assim, ou não?

T – É!

V.A – Era... havia aquele moedor antigo.

T – Ele aparava assim com um copo.

V.A – É?

T – Por que antigamente usava aquelas máquinas. Se lembra daquelas máquinas

V.A – Sei.

T – Então, aqui embaixo tinha que botar alguma coisa. Ele botava um copo, tirava um copo, tirava um pouco e bebia.

V.A – Mas, logo tomava uma “branquinha”, uma cerveja?

T – É! E a gente achava ruim com ele, por que aquilo não era certo. E a gente falava pra ele: isso faz mal. E ele: que faz mal nada, minha sobrinha. Isso é muito bom. E eu: não é bom não. O senhor tá... é...vai acontecer alguma coisa. Aí, é por isso que eu acho que o negócio do intestino foi isso, porque fez um mal danado.

Enfraquecido e roído por dentro, Geraldo Pereira não deixou de viver intensamente o destino que conquistara com seu talento. Destino que o levara da Mangueira à Lapa, do primeiro violão no morro aos estúdios, com passagens pelo teatro e pelo cinema. Sempre negro, com a inspiração que vinha do cotidiano do morro que, em verdade, nunca deixara em corpo e em espírito. Escurinha, Escurinho e Cabritada mal-sucedida, por exemplo, de onde vieram como fontes de inspiração?

Viveu artisticamente dos meados do Estado Novo até 1955, ultrapassando o fim da era Vargas. Nesse período conviveu com momentos de intensa repressão política, que se estendeu por todo o mandato do presidente Eurico Dutra (1946-1950), quando os trabalhadores cariocas, viveram o que pode ser considerado como um “tempo de ressaca” do Estado Novo. Em verdade, a equivocadamente denominada “redemocratização” caracterizou-se, em linhas gerais, pela reorganização do movimento operário – não tão livre das amarras governamentais – e, ao mesmo tempo, pela violenta ação coercitiva do governo, em particular no Distrito Federal.

As condições do abastecimento - inclusive com racionamento de alguns artigos de primeira necessidade - a carestia de vida, o verdadeiro “suplício” imposto aos trabalhadores pelos trens suburbanos, além da questão habitacional, foram um dos combustíveis para o aquecimento das reivindicações de operários e de algumas categorias de funcionários públicos na capital federal, particularmente entre 1946 e 1948. Esse foi um tempo de protestos, de muitas greves, de filas a madrugar às portas de padarias e de açougues e dos pingentes dos trens da Central do Brasil, que chegavam a levar porrada da Polícia do Exército ou dos fuzileiros navais em algumas estações suburbanas. Mas foi também um tempo de expectativas políticas, com o Partido Comunista vivendo uma breve legalidade, elegendo Prestes como senador pelo Distrito Federal e apresentando Yedo Fiúza como candidato à presidência da República, além de eleger deputados e vereadores, com lugar, nestes últimos, para Aparício Torelly, o notável Barão de Itararé.

Foi, também, um tempo em que a imagem de Getúlio Vargas foi sendo inflada aos poucos. Lá do seu retiro em São Borja, o “sorriso do velhinho” prometia a volta ao Catete nos “braços do povo”; o que acabou acontecendo, para desgosto e raiva de empedernidos reacionários enquistados, principalmente, na União Democrática Nacional.

Nesse tempo, à música popular não faltou oportunidade para que, em diversas composições, a sensibilidade e a criatividade pudessem registrar algumas das vicissitudes enfrentadas por grande parte da população carioca; ao mesmo tempo em que colocavam em letra e melodia suas expectativas e esperanças.

Em 1951, Geraldo Pereira e Arnaldo Passos compuseram Ministério da Economia, que foi gravada pelo próprio Geraldo:

Seu presidente

Sua Excelência mostrou que é de fato

Agora tudo vai ficar barato

Agora o pobre já pode comer.

Seu Presidente

Pois era isso que o povo queria

O Ministério da Economia

Parece que vai resolver.

Seu Presidente

Graças a Deus não vou comer mais gato

Carne de gato no açougue é mato

Com meu amor eu já posso viver.

Eu vou buscar

A minha nêga pra morar comigo

Porque já vi que não há mais perigo

Ela de fome já não vai morrer.

A vida estava tão difícil

Que eu mandei a minha nega bacana

Meter os peitos na cozinha da madame

Em Copacabana.

Agora vou buscar a nega porque gosto

Dela pra cachorro.

Os gatos é que vão dar gargalhadas

De alegria lá no morro.

Esse samba acabou sendo proibido pela censura, só vindo a ser novamente gravado pelo portelense Monarco, em 1981. Quer dizer, no momento em que Geraldo Pereira produziu uma composição com certo apelo político mais direto, deu-se mal. Por quê?

Uma hipótese viável a respeito dessa proibição foi o fato de o samba dirigir-se diretamente ao presidente da República – Sua Excelência, o que não chegava a constituir uma novidade. No entanto, a mensagem dos autores do Ministério da Economia dava como certa a criação de um novo ministério; fato que, em verdade, não passara de uma possibilidade - um verdadeiro “balão de ensaio” governamental – aventada em um momento histórico em que as respostas às dificuldades econômicas eram, como no Estado Novo e no governo Dutra, enfrentadas com medidas de natureza dirigista: comissões disso, coordenações daquilo etc.

Talvez, os limites da intimidade com o novo governo, imaginados por Geraldo Pereira e o seu parceiro, tenham sido superestimados. Quem sabe se eles não foram “longe demais”, confiantes na euforia dos tempos da volta do “velhinho” ao Catete? Afinal, o que não faltou foram composições críticas às dificuldades vividas por grande parte dos trabalhadores desde o fim do Estado Novo. O que dizer, por exemplo, de Falta um zero no meu ordenado, da autoria de Ary Barroso e Benedito Lacerda, gravada por Francisco Alves, em 1948:

Trabalho como um louco

Mas ganho muito pouco

Por isso eu vivo sempre atrapalhado

Fazendo faxina, comendo no ´china`

Ta faltando um zero no meu ordenado

Ta faltando um zero no meu ordenado

Ta faltando sola no meu sapato

Somente o retrato da rainha do meu samba

É que consola nessa corda bamba.

Das duas uma. Ou a censura foi seletiva, pois desatenta dificilmente estaria; ou, pesou o prestígio de Ary Barroso, consagrado com Aquerela do Brasil, composição composta durante o Estado Novo, e que conquistou enorme prestígio no exterior. De qualquer forma, Barroso não tem nada com aquele episódio, nem sua importância como grande compositor e defensor da música brasileira ficou comprometida.

Do episódio Ministério da Economia ficou mais uma lição do que, propriamente, uma dúvida. Censura é censura, variando de governo para governo, mas sendo sempre fiel ao velho postulado da Física: a toda força corresponde uma reação igual e em sentido contrário. Só que no plano político, as noções de força e de reação são definidas de um lado só: aquele de quem governa; ou seja, de quem pode e manda.

Mas, passados mais de cinqüenta anos da morte de Geraldo Pereira, e que foi muito bem lembrado e reconhecido pelas autoridades da cidade Juiz de Fora, onde se criou em 2005 a “Medalha Geraldo Pereira” que foi entregue a diversos agraciados, o que realmente conta é a criatividade do compositor, independente do possível erro de cálculo do samba Ministério da Economia. Afinal, Geraldo Theodoro Pereira, como qualquer homem teve o seu momento de “viver como pensa”, o que pesou muito pouco no decorrer da sua vida e obra, em que ele foi, verdadeiramente, alguém que “pensou como viveu”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ARAÚJO, Therezinha. Entrevista ao autor, em 24 de setembro de 2003, no Rio de Janeiro.

CALDAS, Klecius. Pelas esquinas do Rio. Tempos idos e jamais esquecidos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1994.

CAMPOS, Alice Duarte Silva e al. Um certo Geraldo Pereira. Rio de Janeiro: FUNARTE. 1983.

FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. 3ª ed. São Paulo: Ática. 3ª ed. 1978.

HOLLANDA, Nestor de. Café Nice e outras histórias. 2ª ed. Rio de Janeiro: Letras e Artes. 1970.

MOURA, Roberto. Grande Otelo. Um artista genial. Rio de Janeiro: Relume Dumará. 1996.

PINTO, L.A. Costa. O negro no Rio de Janeiro. Relações de raça numa sociedade em mudança. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed.UFRJ. 1998.

OLIVEN, Ruben George. Violência e cultura no Brasil. Petrópolis: Vozes. 1982.

PARANHOS, Adalberto. Os desafinados do samba na cadência no Estado Novo. Nossa História. Rio de Janeiro, ano 1, n. 4, p. 16-22, fev. 2004.

TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. Lisboa: Editorial Caminho. 1990.

PIMENTEL, Luiz et al. Um escurinho direitinho. A vida e a obra de Geraldo Pereira. Rio de Janeiro: Relume Dumará. 1995.

Em memoria;

Em 20 de março de 2012, o magistério carioca perdeu um de seus mais significativos representantes, o professor de História Luiz Sérgio Dias, que partilhou seus sonhos e amores com sua companheira Lúcia e suas filhas, Carolina, Mariana e Juliana.

Para os muitos que conviveram com ele nas salas de aulas das escolas e cursos da vida, Luiz Sérgio era um companheiro diferenciado. Calmo, com voz tranquila, ponderado e objetivo, uma referência nos debates e questões que envolviam o cotidiano da sala de aula.

Ponderado sem perder a dimensão histórica do Brasil de seu tempo. Formado nos anos 1960 em História pela Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi), tornou-se membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e lutou contra a ditadura militar brasileira. Preso, foi levado ao Departamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) situado na Rua Barão de Mesquita. Afinal, seu nome, desde a grafia, já trazia em si a marca do que se constituíra sua opção político-ideológica, bem como a ética da solidariedade como princípio.

Sobrevivente da barbárie imposta pela repressão continuou sua militância política no campo da esquerda e do movimento sindical. Foi um significativo ativista do Sinpro-Rio, participando das lutas que retomaram o sindicato em 1979. Participou das disputas eleitorais do Sindicato tendo sido indicado por diversas vezes para a composição de chapas nas eleições para a diretoria.

Militante político, Luiz Sérgio não abandonou a perspectiva da pesquisa acadêmica. Sua dissertação de mestrado em História Social pela UFRJ, publicada pela prefeitura do Rio, inaugurando a coleção Memória Carioca - Quem Tem Medo da Capoeira - foi premiada e é considerada um dos mais significativos estudos sobre o tema. Sua pesquisa sobre a cultura negra e, em especial, a capoeira continuou a ser realizada com a conclusão de tese de doutorado em História Social na UFRJ.

Aluno de Manoel Maurício de Albuquerque, Luiz Sérgio atuou na fundação e funcionamento do Centro de Estudos Manuel Maurício de Albuquerque, o popular CEMMA.

Militante, intelectual, amigo generoso Luiz Sérgio Dias deixa saudades e uma história pautada pela luta política em defesa de uma educação igualitária e de um país livre e democrático.

Fonte: Site do SINPRO-RIO

Uma justa homenagem ao meu amigo, professor e orientador e que muito me incentivou para não desistir de lutar e assim manter viva a obra de meu tio avô Geraldo Pereira.

Valeu professor!

O autor.

Dedicatoria:

Dedico está obra em memoria de minha mãe querida, Therezinha Araújo dos Santos, por gerar em mim o amor que tenho em Geraldo Pereira.

Geraldo Pereira
Enviado por Geraldo Pereira em 31/10/2017
Código do texto: T6158444
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