Caminho de Santiago - Cap. 15/32 - Em Nájera

Cheguei a Nájera numa linda tarde de sol. Fiquei impressionado com sua beleza.

Assim que se entra na cidade, avista-se a ponte sobre o rio Najerilla, este largo e de águas cristalinas com pedras muito brancas em seu leito. Dali podia-se ver grande parte das construções que margeiam o rio e também um morro alto, cor de tijolo, que mais parecia uma falésia, tornando Nájera inconfundível ao viajante. A cidade tem pouco mais de 8.000 habitantes.

Nájera teve um importante papel no passado quando Garcia Sanches, Rei de Pamplona, transferiu para ali toda a sua corte. O terrível Abderramán III no ano de 924 destruiu completamente aquela cidade, não restando a Garcia outra opção que não a mudança.

O Monastério de Santa Maria La Real situado ali perto merece plenamente ser visitado, não só pela sua beleza arquitetônica, mas também pelo acervo histórico que possui, onde se destacam uma imagem antiquíssima em madeira da Virgem Maria com o Menino Jesus e as tumbas dos reis de Nájera e Pamplona nas dinastias Jimena e Abarca. Seu claustro conhecido como “Claustro de los Caballeros”, também é singular e de rara beleza.

Hospedei-me no Albergue particular Puerta de Nájera. Muito bem mantido e finamente decorado. Tem móveis antigos e espelhados, piso de madeira envernizado e até lindos lustres e quadros. A cozinha é pequena, mas funcional. Está situado de frente para o rio Najerilla, em sua margem direita. O banho é amplo e confortável, com boas duchas quentes, mas como sempre funcionando na base do botão com mola: a gente aperta o dito cujo e depois de 15 segundos a água cessa, obrigando-nos a pressioná-lo novamente. A economia em primeiro lugar!

O quarto onde estava tinha apenas 3 beliches com duas caminhas cada. Isso para o peregrino é quase uma “suíte presidencial’.

Tinha acabado de me vestir quando chegou um casal de idosos americanos - deviam estar na faixa dos 80 anos.

Aqui vai outra explicação: alguns peregrinos, principalmente aqueles mais idosos ou com alguma dificuldade de locomoção, não fazem necessariamente todo o Caminho a pé. Muitos se utilizam dos meios de transporte disponíveis, como trens, ônibus e até mesmo táxis, mas usam a rede de albergues porque é bem mais barata. Outros despacham suas mochilas para o destino seguinte no próprio albergue onde estão, preenchendo um formulário próprio e pagando 5 euros. Quando você chega no outro ponto, sua mochila já está lá.

O serviço é perfeito e confiável. Nos dias de chuva a gente costuma ver muitos peregrinos fazendo isso.

A senhora cumprimentou-me e apoiou seu cajado (que deveria ter ficado no cesto na portaria) ao lado do seu beliche.

Virou-se para dizer algo ao marido e quando voltou à posição inicial, bateu violentamente com a mão no cajado que como uma lança, saiu voando e acertou em cheio o grande vidro de uma das portas que dava para uma pequena sacada, fragmentando-o em mil pedaços.

O marido deu-lhe uma bronca magistral dizendo que ela sempre fora desajeitada e desatenciosa. Fiquei meio passado com aquilo e com muita pena da pobre mulher que estava visivelmente melindrada e constrangida. Intercedi em seu socorro dizendo-lhe que não se preocupasse porque isso poderia acontecer com qualquer pessoa, até mesmo com os mais jovens e atenciosos.

O marido olhou-me furiosamente, talvez até mais do que Anfitrião para Alcmena, sua mulher, quando descobriu que esta o traíra com Zeus e que ainda por cima estava grávida dele. Mais tarde dessa relação espúria, nasceria Hércules.

Aquilo também fora uma injustiça, já que Zeus tinha assumido a forma de Anfitrião quando teve uma noite de amor com Alcmena na sua ausência.

Coisa dos imaginativos gregos............

Imediatamente chegou a administradora do albergue e pôs-se em atividade para resolver o problema, dizendo à senhora que se tranquilizasse, pois tinham seguro para esse tipo de acontecimento e que tudo seria resolvido.

Já de banho tomado, barba feita e de roupa limpa, saí instintivamente à procura de um canecão de cerveja, dos bons. Dei sorte: encontrei logo um aconchegante bar bem atrás do albergue.

Fiquei ali sentado um bom tempo pensando no ocorrido. Certamente se aquela senhora tivesse deixado seu cajado na portaria, aquilo não teria acontecido. Quantas vezes na vida temos problemas por não seguir adequadamente certas regras e ensinamentos?

Por outro lado, o cajado a ajudou a subir até o dormitório. Talvez sem ele, pudesse ter escorregado na escada com consequências ainda piores.

Muitos diriam simplesmente que ela deu azar, mas eu particularmente não acredito nem no azar e tampouco na sorte. Ambos são apenas eufemismos para o acaso negativo e o acaso positivo. O bem e o mal correm indistintamente ao justo e ao ímpio e também ao bom e ao mau.

Costumamos dizer que uma pessoa de sucesso e de grande destaque na vida, chegou onde chegou porque teve sorte, quando na realidade deveríamos admitir que ela apenas teve mais capacidade e inteligência do que nós. Da mesma forma dizemos que tivemos azar em realizar algo que queríamos tanto, quando apenas não fomos capazes nem tenazes o bastante para perseguir nosso objetivo até o fim ou aproveitar adequadamente as oportunidades.

Coisas da imperfeição humana....

Pensando assim, fui conhecer aquela linda cidade. Após ter jantado voltei ao Albergue “Puerta de Nájera” para dormir. O vidro da porta já havia sido recolocado, mas o casal de idosos havia desistido da hospedagem e se fora. Acho que ambos se sentiram expostos e constrangidos com o acontecido, principalmente a pobre senhora.

Fui dormir pensando na jornada do dia seguinte. A cidade de Santo Domingo de la Calzada me aguardava de braços abertos a 21 km dali.

Sergio Righy
Enviado por Sergio Righy em 21/08/2017
Reeditado em 22/09/2017
Código do texto: T6090453
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