A família de Nina, em São Gonçalo-PB

A família de Nina

Maria da Costa Soares nasceu no sítio Alto da Boa Vista, no dia 7 de janeiro de 1947, sendo primogênita do casal Manoel Galdino da Costa (20.05.1919-23.08.1985) e Francisca Abrantes da Costa (03.06.1925 -06.02.1999), cujo casamento correra por volta do ano de 1940.

São avós paternos de Nina: José Galdino da Costa - Dadino (18.04.1896 -20.01.1972) e Alexandrina Maria da Conceição - Vevea (11.08.1892-10.10.1981). Curiosamente, Dadino é o único dos doze filhos de Manoel Félix, que não possui o sobrenome Félix. Em vez disso, foi batizado com o sobrenome Galdino, tendo em vista que os seus pais eram católicos fervorosos e resolveram homenagear o santo do dia 18 de abril, São Galdino, com o sobrenome para a família. Dadino nasceu exatamente 800 anos após o nascimento do santo, em Milão, na Itália.

Inicialmente, a família de Nina morava em uma casa própria de alvenaria no Alto da Boa Vista, onde permaneceu até por volta do ano de 1952. Na região, havia poucas casas de alvenaria, sendo a maioria de pau a pique. Além desta residência, João Jó, Júlio Ferreira, Neco Ferreira e Manoel Basílio possuíam casas semelhantes.

Por volta do ano de 1942, Chiquinha sofre um aborto e adoece gravemente, chegando a ficar desfalecida e com as unhas roxas. Desse modo, Manoel Galdino resolve levar a jovem esposa para o curandeiro Zé de Moura, que consegue prontamente curar a enfermidade de Chiquinha.

Manoel Galdino tinha um pequeno roçado e vivia da agricultura de subsistência, assim como todos os moradores sitiantes. Por trás da casa, possuía um pequeno curral em que criava gado, porco, cabras e galinhas. Os sitiantes plantavam principalmente arroz, feijão, banana, milho, goiaba, gergelim, batata doce, tomate, manga, cajá, coco, algodão, entre outros produtos agrícolas.

Após o nascimento do filho Júlio, em 1952, Dona Chiquinha teve depressão pós-parto e, por uma questão cultural da época, a família se mudou para uma humilde casa de taipa, de propriedade de Dadino, pai de Manoel Galdino. Via de regra local, a casa dispunha de um mobiliário simples: alguns tamboretes de assento de couro de vaca; uma trôpega mesa velha preta da cor de carvão, encostada na parede para não cair; um banco de madeira comprido na sala, onde eram assentados dois potes com água, com alguns canecos amassados, de alumínio; mais um pote na cozinha assentado em uma lata de querosene; panelas de barro esfumaçadas; um petisqueiro na cozinha para guardar a velha e surrada louça; uma cama para o casal e redes para a molecada; rústicas malas de madeira ou baú para guardar as roupas; além de retratos da família e imagens de santos católicos espalhados pelos pequenos cômodos. O piso do imóvel era de chão batido, enquanto a sala era revestida por tijolos rejuntados por barro maciço. Nada de revestimentos cerâmicos ou porcelanatos.

Geralmente, as casas possuíam um quarto para o armazenamento dos produtos colhidos, além de um cômodo para o abrigo dos materiais para uso dos animais (arreios, selas, cangalhas) e equipamentos para trato do roçado (enxadas, picaretes, chibancas, foices, roçadeiras).

Também possuíam um terreiro espaçoso na frente, com um banco improvisado com duas forquilhas e um tronco que servia de assentos, em que os moradores e vizinhos proseavam à noite. As conversas eram mais alongadas nas noites de lua cheia.

Nos arredores da morada, destacavam-se alguns pés de mofumbo e de pereiros, plantas típicas da caatinga, que traziam um pouco de sombra, cheiro afável de mato e ar puro para aqueles recantos de serra.

Nina fez os estudos primários no sítio onde morava, na escolinha da rígida professora Doralice, esposa de Neco Ferreira, na década de 1950. Após concluir o primário e para não ficar sem estudar, teve que repetir alguns anos a 4ª série, visto que não havia escola ginasial na região.

Por volta do ano de 1960, Nina e a sua prima Dezinha de Candu aprontaram uma grande travessura no sítio. Numa manhã em que tinha ocorrido um (raro) assassinato de uma mulher na localidade, as duas garotas resolveram se esconder em um pomar de goiabas. Passaram o dia se alimentando de frutas e brincando às escondidas. Forte desespero impactou as famílias, que não conseguiam localizar as meninas. Ao final do dia, quando os últimos raios de sol alaranjavam o céu do vale, as pestinhas resolveram aparecer. O alívio das aflitas famílias foi geral, contudo, por muito pouco, as duas não sofrem uma severa surra.

Em outra ocasião, as primas travessas, aproveitando uma oportunidade tentadora, em que a Senhora Domitília, residente do Sítio Alto da Boa Vista, saiu de casa e deixou a porta aberta, resolveram invadir a casa alheia. Dentro do precário imóvel de taipa, vasculharam todos os depósitos de alimentação, mas somente encontraram farinha e açúcar. Desse modo, fizeram uma deliciosa farofa desses produtos. Foi o lanche da tarde. Depois, saíram às escondidas, sem que ninguém tenha desconfiado de nada. Até hoje...

Nos primeiros meses do ano de 1963, a família se muda para São Gonçalo, onde o pai já trabalhava como guarda do DNOCS, indo morar em uma simples casa na Rua da Baixa, tendo como vizinhos: Zé Laurindo e Francisca, Zé Preto e Dona Naninha, Juvenal Arlindo e Lídia, Seu Preto e Dona Raimunda, Manoel Dantas (03.01.1939-22.03.2005) e Terezinha. No dia 24 de março de 1963, nasceria a filha caçula, Júlia, em São Gonçalo, sob os cuidados da parteira Dona Gilda de Seu Lucas.

Nos meses de março e abril de 1963, fortes chuvas castigam a Paraíba, notadamente, o interior do estado. Sousa e São Gonçalo são atingidos pelos temporais, em que o Rio do Peixe e o Rio Piranhas atingem níveis bastante elevados, ocasionando grandes tormentos à população. O sertão também aprontava as suas.

Chove no ano 1.320 mm. O açude de São Gonçalo atinge uma grande sangria e enchentes atingem o acampamento e sítios vizinhos, em que o Rio Piranhas ainda era bastante raso e estreito, ocasionando prejuízos às comunidades. O açude alcançou uma lâmina de sangria de 85 cm.

Ainda no Sítio Alto da Boa Vista, Nina fora atingida por forte emoção ao presenciar a morte da sua tia-avó, Tintina, irmã da sua avó Vevea, haja vista o pânico que fora acometida com a possibilidade do arrombamento do açude de Boqueirão. Não havia automóveis nos sítios nem tampouco ponte sobre Rio Piranhas para acesso à cidade de Sousa. Desta feita, quando a ambulância chegou ao local, via São Gonçalo, a senhora já havia falecido.

Logo em seguida, a família se muda para São Gonçalo. Durante algum tempo, Nina teve horríveis pesadelos com o aparecimento da finada. Certo dia, o seu irmão Júlio, então com 11 anos de idade, teve um sonho pavoroso com a sua tia-avó, Tintina.

No sonho, com sensações realísticas, Júlio seguia nas proximidades de sua casa na Rua da Baixa e se encontra com a alma de Tintina, muito elegante, alta e vestida de branco. A alma penada pega na sua mão, leva-o até um local determinado e diz:

- Aqui tem uma coisa para você! – Mostrando um lugar por trás da casa de seus pais.

A alma disse que voltaria mais duas vezes para explicar sobre o presente do além. Em seguida, por um encanto, desapareceu. Saindo do imaginário e adentrando no real, Júlio passaria pelo local outras vezes, todavia sem jamais avistar a alma penada, nem tampouco sonhar novamente com o espírito da bondosa senhora.

Júlio Galdino cursou o ginásio no Colégio Guimarães Duque entre 1968 a 1971, período em que possuía uma bolsa de estudos, uma vez que era responsável por tocar o sino no início, no intervalo e no final das aulas noturnas. A turma concluinte de 1971 do Guimarães Duque era formada por: Diva Bezerra de Vasconcelos, Edval Bernardino Campos, Elizabete Soares Ferreira, Francisca Assis Silva, Francisca Dantas Lopes, Francinete Fernandes Araujo, Francisca Rodrigues Passos, Geraldina Gonçalves de Abrantes, Gerson Rodrigues da Cruz, Hélio Soares Sarmento, Ivan Marques Sarmento, Jurandir Ferreira da Silva, José Claudio Soares, José Soares da Silva, Jacinta Fernandes de Alencar, João Galdino da Costa, João Tarcísio Braga, José Vanderlei Braga Ponce, Julio Galdino da Costa, José Quirino Filho, Luiz Roberto Rocha de Lucena, Maria Lucy Galdino, Maria Lúcia de Sousa, Maria de Fátima Marques Evangelista, Maria do Carmo Medeiros, Maria de Fátima Batista, Maria de Fátima Bezerra e Maria Louzinha Tavares.

Neste ano de 1971, concluíram o Técnico em Contabilidade no Ginásio Guimarães Duque: Francisco Camilo do Nascimento, Naizia Pereira de Almeida e Otoniel Maia de Vasconcelos.

No período da construção do Perímetro, no ano de 1970, Júlio trabalharia na empresa de engenharia Hidroservice, ao lado de alguns técnicos, dentre os quais Geraldo Dias, efetuando levantamentos topográficos e avaliação das plantações dos sítios e propriedades que seriam desapropriadas. Trabalharia, também, como fiscal de obras das casas do Núcleo I, nos meses de dezembro de 1972 a fevereiro de 1973, a partir de um emprego obtido por Dr. José Eduardo Veríssimo Gadelha, agrônomo do DNOCS, que residiu em São Gonçalo entre 1972 e 1978.

Nos anos de 1972 a 1974, Júlio cursaria o técnico agrícola em Lavras da Mangabeira, no Ceará.

Em 1964, Nina consegue a aprovação no programa de admissão ao ginásio, ingressando na segunda turma da história do Colégio Comercial Guimarães Duque. No período de 1965 a 1968, conclui o curso ginasial. A belíssima festa de formatura foi realizada no Ceres Clube, em dezembro de 1968. Foram seus colegas de turma: Nenzinha e Neverite de João Camilo, Lídia Soares, Lourdes Dantas (08.11.1947-27.08.2011), Lourdes Pereira, Chico de Adonias, Joilton Pereira, Gutemberg (Chopinho), Naizia Pereira, Paulina, Chico Araujo, Otoniel Maia, Luiz Pereira, Lourdes Fonseca...

Entre os anos de 1964 e 1967, Nina atua como professora particular de nível primário até a admissão ao ginásio. A escola se localizava na casa de Dona Felismina, na Rua da Baixa. Alguns de seus alunos: Espedito de Nezinho Barrado, Paulinho de Dorgival, Osmar de Raimundo Carneiro, Pio e Louro de Manoel Dantas, Carlos Augusto de Lavoisier...

No ano de 1967, a família consegue uma moradia melhor na Rua Mecânica, atual Rua José Pereira de Sousa. No dia 5 de dezembro de 1967, cumprindo a resolução do destino, Nina se casa com Zé Tarzan, sendo que o casal passa a residir na casa dos pais da noiva. Eram vizinhos de Manoel Galdino e Chiquinha: Raimundo Alves e Francisca, Felizardo e Maria, Mestre Luiz e Chiquinha, Zé Lopes e Odília, Miguel Dantas (02.02.1917-20.04.2010) e Francisca (13.10.1921-24.02.2008), Pedro Teobaldo e Osmilda, Miguel Dias e Luiza, Janduir de Sousa e Maria de Lourdes, Zé Pequeno e Expedita, Zé Andre e Lalu (24.03.1914- 08.04.1984), Chico Venâncio e Amélia, João Alves e Lourdes Virgilio, Espedito Guarda e Cecília de Severino Barbosa, Luiz Soares e Dona Francisca.

Nos primórdios, a Rua Mecânica era habitada pelos funcionários que trabalhavam na Usina (oficina mecânica), localizando-se próximo a este majestoso edifício do DNOCS. Inclusive, até a década de 1990, havia uma pequena passagem no meio da Rua que dava acesso direto à Usina, servindo de atalho para os operários se deslocarem até o local de trabalho, passando em frente à casa de Zé Tingó e Maria Gaspar. Uma figura acentuada nessas imediações era o Senhor Zé Gaspar, locomovendo-se em sua exótica cadeira de rodas sob as rotineiras inconveniências dos garotos. Zé Gaspar faleceu de morte natural, na década de 1990.

Em 1969, Nina ingressa no curso Técnico em Contabilidade, no Colégio Guimarães Duque; entretanto, abandonaria os estudos na metade do 2º ano, após as férias de junho de 1970, para se dedicar à família.

Nos primeiros anos da década de 1970, João Galdino, irmão de Nina, instala uma bodega na sala da casa de seus pais. João gerenciava a bodega, de propriedade de Gonçalo Capitulino, com o auxílio de Dona Chiquinha e Júlio Galdino.

Na década de 1970, com os filhos João, Júlio e Joaquim cursando com muitas dificuldades o técnico agrícola em Lavras da Mangabeira, Dona Chiquinha instala um pequeno comércio de carvão em sua residência, para auxiliar nas despesas do lar. As mercadorias, adquiridas ao Senhor Assis Firmino, eram vendidas a prazo, com vencimento previsto para o dia do pagamento do DNOCS. Analfabeta, porém detentora de uma memória extraordinária, Chiquinha fazia todo o controle gerencial do empreendimento na cabeça.

Em fevereiro de 1974, João Galdino decide enfrentar a cidade grande e parte para São Paulo, que era o sonho de muitos nordestinos naquela fase. No grande ABC, residiria em São Caetano do Sul e trabalharia até outubro de 1978 na empresa Volkswagem, em São Bernardo do Campo. Em janeiro de 1977, receberia a visita do seu pai. Manoel Galdino conheceria boa parte do litoral paulista, como as cidades de Santos, São Vicente, Praia Grande e Itanhaém.

Em 1974, Júlio, Joaquim e Jucélio tiveram que fazer malabarismos para assistir aos jogos do Brasil na Copa do Mundo pela TV. Inicialmente, foram à casa da irmã, Nina, cuja TV só aparecia "chuviscos". Outro dia, foram assistir na casa de Seu Descartes. No entanto, devido à má qualidade do sinal, resolveram assistir ao 2º tempo na casa de Manoel da Penha, na Rua do Túnel. No jogo decisivo com a Holanda, os irmãos compareceram à casa de Dr. Eduardo Gadelha, próximo ao Catete. Na TV da praça, assistiram ao jogo Brasil e Polônia e à final entre Alemanha e Holanda.

Em todas as situações, havia um rádio a pilha próximo a TV, pois como o sinal era ruim, não se ouvia nada com o "chiado" da TV. Logo, a solução era combinar a voz do rádio com a péssima imagem da TV.

Em 1976, Jucélio Galdino, então com 14 anos de idade, resolveu se alistar nos serviços de emergência em São Gonçalo. Quando tomou conhecimento do alistamento, Jucélio pegou sua Monark e saiu em disparada para o Instituto. No entanto, fora informado de que este serviço estava sendo executado no escritório da zeladoria do açude, para onde se dirigiu imediatamente. Embora a idade mínima para o alistamento fosse de 16 anos, Jucélio conseguiu sensibilizar o recrutador local para a sua contratação, Diá de Adauto (motorista), que também exercia a função de professor de educação física do Colégio Guimarães Duque.

Inicialmente, ingressou na turma de limpeza do rio, nas proximidades da ponte de tábua. Depois, foi promovido para a turma de limpeza da praça central, próximo de sua casa. Em pouco tempo, uma nova promoção: foi removido para trabalhar no escritório da zeladoria do açude (em frente à praça), sob a chefia de Otoniel Maia. Na época, ainda prestavam serviços no setor: Dona Terezinha (esposa de Lauro Justino), Dorinha Batista (esposa de Geraldo Moreno) e Gerson Rodrigues.

Empolgado com o emprego, Jucélio fazia questão de chegar antes do início expediente, fato que lhe rendera rasgados elogios do chefe, Dr. Maia. Com o primeiro salário, Jucélio conseguiu pintar a sua bicicleta Monark, ano 1971, cor vermelha, que ganhara de presente do pai, após Manoel Galdino adquirir um novo modelo Monark, ano 1974. O serviço de pintura, aguardado com demasiada expectativa do adolescente, foi realizado na tradicional oficina de Seu Adonias Fernandes, na Rua Mecânica. O valoroso salário também serviu para Jucélio custear suas despesas nas festividades de final do ano de 1976.

Jucélio iniciou os estudos no Sítio Alto da Boa Vista, no ano de 1969, com a professora Deza. Entre os anos de 1970 (alfabetização, com a professora Ailza) e 1971 (1ª série, com Raimunda de Seu Tércio) estudou na Escolinha do Clube 4S. Fez a 2ª série na Escolinha Reunidas Municipal, no ano de 1972, com a professora Geralda de Mundico (esposa de Kindor Rodrigues). Nos anos de 1973 e 1974, cursou as 3ª e 4ª séries no Grupo Escolar Estevam Marinho, com a professora Mariza Batista, de Seu Emídio e Dona Nazinha. Iniciou o ginásio no ano de 1975 (5ª série), no Colégio Guimarães Duque, porém concluiu o curso no Polivalente I.

No ano de 1977, após se aposentar como guarda do DNOCS, posto que exercera com muito orgulho por quase duas décadas, Manoel Galdino teve que deixar São Gonçalo e ir morar em Sousa com a família, uma vez que não era mais permitido aos aposentadores continuarem morando no acampamento. A dor era tamanha. Sentia-se como um retirante, expulso do seu torrão natal, desta vez não por falta d’água no lugar, mas por ausência de sentimentos de alguns homens detentores do poder. Logo ele que amava sua terra, que adorava a sua gente, que idolatrava a sua farda...

O Setor de Vigilância era composto por aproximadamente 20 guardas aos quais era confiada a responsabilidade pelos prédios, setores, ruas, pomares e culturas do DNOCS.

“Os Guardas do DNOCS” possuíam grande autoridade e status desde a década de 1920. Eram responsáveis pelas apreensões de pessoas e/ou produtos em situação de irregularidade. Até mesmo a Lei do Desarmamento de Sousa, editada no ano de 1922, abriu uma exceção para os guardas da Inspetoria, considerada uma espécie de polícia interna que poderiam continuar andando armados, embora, apenas no acampamento.

Em caso de desordem praticada no âmbito do acampamento, os guardas efetuavam a prisão em flagrante, conduzindo o infrator para passar a noite na cadeia, que até a década de 1960 funcionou no local do atual restaurante “O Mirante”. Caso a desordem fosse praticada por servidor efetivo do DNOCS, este era conduzido à presença do Chefe no IAJAT, para a aplicação de uma possível penalidade de advertência ou suspensão.

A vida em São Gonçalo seguia pacata, a segurança pública era garantida pelos “guardas do DNOCS”. Alguns servidores que atuaram como guarda: Afrânio Gondim, Afonso Guarda, Antonio Guarda, Antonio Inácio, Argemiro Rocha, Brilhante, Chico Tomaz, Chico Venâncio, Doca Leandro (08.01.1909-28.11.1966), Expedito Ferreira, Julio Tejo, Juvenal Arlindo, Lourival Batista, Raimundo Amâncio, Raimundo Pedro, Raimundo Tejo, Seu Leopoldo, Zé Arsênio, Zé Avelino, Zé Bento, Zé Francisco (05.12.1919-14.07.1985), Zé Grande e Zé Possidônio; e como chefes da corporação, podem ser citados: Simplício Batista, Cajaíba (Posto), Manoel Rodrigues (03.01.1901-22.12.1973) e Zé Inácio.

Manoel Galdino sentia-se envaidecido com aquela farda. E que bela farda! Gostava de ser fotografado com ela. Antonio Luiz e Luiz Carlos que o digam. Seja no gramado do Instituto, na barragem do açude, na Gruta de Nossa Senhora de Lourdes. Apreciava ser um agente da lei e da ordem pública. Afinava com o seu caráter, com a sua retidão.

Quando jovem, mesmo às escondidas e a contragosto do pai, aprendera a ler e escrever. O pai, sertanejo rude, alegava que o estudo não tinha futuro e que atrapalharia os trabalhos nas plantações. Feroz honrador de encargos, Manoel Galdino dispunha de uma caderneta para controlar seus compromissos mensais.

No período de 16 de fevereiro a 4 de setembro de 1978, quando já residia em Sousa , Manoel Galdino prestaria serviços de vigilância à empresa Sotema Engenharia Comércio e Industria Ltda, em um depósito de explosivos, nas proximidades da histórica Fazenda Lagoa Redonda. A tranquilidade e a vastidão do lugar faziam-no relembrar a sua pátria, o Alto da Boa Vista. O silêncio ameno e soberano o inspirava. Suspirava anelante. Em seus devaneios, sempre prestigiava o seu torrão natal. Era constantemente bombardeado por reminiscências extremas de alegrias e angústias daquele velho sertão rural. Com severo desgosto, pensava nos parentes queridos que já haviam partido, inclusive, nas duas filhas pequenas. Algumas recordações dolorosas o machucavam por dentro. Conhecera a morte de perto, levando gente sua sem lástima nenhuma, com a cumplicidade perversa do tempo e de doenças. Gente nova e gente velha. Todos, gente boa...

Mas também flutuava de regozijo ao rememorar o nascimento dos filhos amados e dos netos queridos. Vez por outra, sonhava com os bisnetos. Acreditava que a vida ainda lhe reservava muitos anos. Sentia-se jovem com os seus cinquenta e nove anos. Estava em plena atividade laboral. No entanto, poucos anos depois seria cruelmente traído pelo destino. Não obstante, alguns poetas acreditarem que o destino não seja pérfido, que já venha com as cartas marcadas à frente das vistas, apenas alguns não se consigam enxergá-las.

Manoel Galdino nunca perdera a identidade com aqueles sertões, com aquela comunidade familiar. Vez por outra, conseguia sentir o cheiro da chuva molhando a sua terra. Aquela terra de outrora. Embriagava-se de emoção ao ser atingido na alma, vez por outra, por uma felicidade remota, intangível. A extinção física e geográfica, nem de longe apagaria aquela região do seu mapa astral.

Segundo Cardoso (2013), a Lagoa Redonda era uma das fazendas mais antigas e encantadoras do sertão paraibano, formada por uma vasta planície de terras férteis e produtivas e um belo açude de águas cristalinas que saciava a sede dos moradores, dos animais e dos vegetais. Entre outras culturas, a fazenda produzia arroz, milho, feijão e algodão.

A casa grande ou casa da fazenda, que acolheu as famílias dos proprietários nos séculos XIX e XX, além de seus amplos cômodos, possuía um sótão e um paiol, para guardar os cereais, um vasto alpendre, além de um quintal nos fundos com um pé de cajarana que abrigava sob sua sombra várias cabeças de galinhas, perus, capotes e patos. Na frente, havia um grande terreiro, onde o Coronel Zé Rocha promovia animadas festas para os seus seletos e benquistos moradores. No curral, mais de uma centena de vacas boas de leite abasteciam a cozinha de queijo, manteiga e nata, enquanto o excedente era vendido em Sousa. Na sexta-feira Santa, o coronel Zé Rocha, católico tradicional, mandava distribuir o leite com seus moradores e vizinhos da fazenda.

Destacam-se, ainda, outras atividades típicas da cultura e do lirismo rural nordestino, como a mansa do burro brabo, o adestramento dos potros e a ferra do gado. Ao serenar da noite, os adultos jogavam “conversa fora”, enquanto os jovens e adolescentes se divertiam com as inocentes brincadeiras de roda. Com o passar dos anos, a mudança do Coronel Zé Rocha para a cidade de Sousa e o seu falecimento na década de 1960, a fazenda foi perdendo a sua nostalgia e encanto. A histórica casa grande foi demolida e substituída por uma nova casa mais moderna, no ano de 1977. O golpe final surgiu com a desapropriação do imóvel na década de 2000. Contudo, as fabulosas lembranças, os recheados contos, as lendas reais, os enredos familiares permanecerão eternamente vivos na memória das pessoas que conviveram com aquela época áurea.

Em Sousa, Manoel Galdino também trabalharia como vigilante da empresa Sousauto, no período de 02.01.1980 a 01.02.1985 , a partir da influência do seu padrinho, Senhor Zé Honório (casado com Mundica Nóbrega), que era muito amigo de seu pai, Dadino.

Por volta do ano de 1981, Manoel Galdino adquire a sua residência fixa, na Avenida Nelson Meira, no Bairro da Estação, mediante financiamento da Caixa Econômica. Enquanto o incentivo federal não era liberado, conseguiu um empréstimo com o patrão, Tatá da Sousauto. Quando fora quitar a dívida, Tatá de Zé Honório não aceitou nenhum centavo de juros, face à estreita relação de amizade das famílias.

Em outubro de 1981, faleceria Vevea, mãe de Manoel Galdino. Vevea morava em Sousa com a filha Júlia e o genro Manoel Basílio, desde quando a família se mudou do sítio, em princípios de 1973. Tinha no rosto sulcado e nas mãos calejadas as provas de uma vida sem letargia. Desfilara durante trinta e dois mil, quinhentos e sessenta dias tão só pelas passarelas sagradas do semiárido. Nunca conhecera outras terras. Nem em sonhos...

Por volta do ano de 1970, Dadino passa a sofrer de prováveis problemas cardíacos. Neste período, chega a passar uma semana repousando na casa do filho, Manoel Galdino, em São Gonçalo. Nos fins de tarde, gostava de visitar a neta Nina e o bisneto Josemar, de um ano de idade, na Avenida Rio Piranhas.

Ao mesmo tempo, aproveita para fazer algumas consultas com o médico do DNOCS, Dr. Sinval Vieira Mendes (07.11.1927-10.04.1992). A doença o deixara reflexivo. Sentia a morte rondando sua casa, batendo à porta. Mas pouco podia fazer. Em suas meditações, volta ao passado distante. Rebusca memórias e afeições longínquas. Recorda os carinhos do pai e da mãe. Ao longo da vida, observa as adversidades enfrentadas: secas, miséria, descaso governamental, infortúnios diversos. Em seguida, adianta o tempo. Premoniza o futuro com muitos netos e bisnetos, mas não consegue se ver entre eles. Chega a se convencer da exiguidade do seu tempo. Retorna ao presente. Resolve entregar tudo a Deus. Que seja feita a sua vontade. Retoma a serenidade pela fé.

No entanto, já começava a sentir saudades do sertão. Do início das boas invernadas, do cheiro de chuva inebriando o ego dos camponeses, da brisa fresca, da terra molhada, da fragrância da vida ressurgindo nas folhagens verdes da caatinga, nas cheias do Rio Piranhas, no canto alegre dos bem-te-vis e rouxinóis, na alegria saltitante das cabras e de seus encantadores filhotes, no gracejo irreverente dos saguis.

Não temia a morte, mas se entristecia ao sentir a possibilidade de perda da vida. O silêncio das madrugadas frias e alvacentas embalava suas meditações. Ao olhar pela janela da velha casa, via o céu infinito. Era um eterno admirador das atividades celestes noturnas, da brilhante cor azul marinho. Assim como os poetas, era um ilustre bajulador da singularidade das noites sertanejas, do seu sereno, do orvalho inconfundível.

Em seus devaneios, imaginava-se um diretor de um filme sobre os sertões, protagonizado pelo céu, lua, estrelas e nuvens. Eram os seus heróis. Como vilão, brilhava o papel do sol forte. Embora belo, como o do mês de abril, era implacável com o sertanejo. Sempre foi o principal aliado das secas que castigam o sertão.

Em seus enredos, reservava seletas atribuições para as estrelas cadentes, pelas quais possuía um fascínio indisfarçável. Eram sempre retardatárias na hora de se recolherem. Quando se descuidavam, aproveitando os últimos mistérios da noite, eram surpreendidas pelo sol. Na pressa de saírem, muitas vezes, tropeçavam e caíam no caminho, produzindo um espetáculo maravilhosos para os olhos dos camponeses.

Durante as filmagens, atuava com um humor comportado e insuspeito. Não se aborrecia quando a lua, encabulada, se escondia por trás das nuvens, das folhagens da caatinga que resistiam bravamente há meses de estiagem, ou até mesmo da serra que vigia o vale. Mas não ocultava de ninguém que mais gostava das noites de lua inteira, seja nova ou cheia, incendiando de luz a penumbra medonha da caatinga.

As nuvens também atuavam de forma magistral, no palco do céu. Além de representarem a esperança dos sertanejos, andavam sempre em comboio para não se perderem. Em forma de carrossel, desfilavam suas emoções na alta passarela crepuscular do imenso vale.

O seu filme apresentava coadjuvantes. Todos terrenos. Alguns sapos coaxavam, procurando o aconchego das fêmeas no cio. Ao longe, pequenos cães emitiam latidos, enquanto os pais tentavam dormir. Nos arredores da casa, alguns vagalumes cortavam o nada e produziam um tudo de encantamento fluorescente na escuridão do Alto da Boa Vista.

O belo filme seria repetido inúmeras vezes até a morte do seu diretor e produtor. A morte lhe roubaria a vida. Literalmente.

Assim, devido à precariedade das condições de saúde da região, como a falta de um especialista na área de cardiologia, bem como da inexistência de exames cardiológicos básicos, Dadino acabaria falecendo no dia 20 de janeiro de 1972, aos 75 anos. É de se imaginar que o seu problema de saúde tenha se agravado com a desapropriação das terras pelo governo, assim como ocorrera com outros proprietários.

Além de Nina, a primogênita, o casal Manoel Galdino e Chiquinha, que residiu no Sítio Alto da Boa Vista, nas décadas de 1940 ao ano de 1963, teve os seguintes filhos: José Galdino da Costa (casado com Ritinha de Chico Gato), João Galdino da Costa (casado com Edla Costa), Julio Galdino da Costa (casado com Ângela Costa), Joaquim Galdino da Costa (casado com Alcineide), Jucélio Galdino da Costa (casado com Nilza Costa) e Julia Galdino da Costa Fernandes (casada com Edésio Fernandes). Ainda nasceriam duas crianças do sexo feminino na década de 1950, mas que morreriam antes de completar 6 meses de vida, face às dificuldades de acesso a serviços básicos sanitários e de saúde.