Para onde vão as promessas quebradas?

São 03h19min da manha, eu estou no salão de festas do meu prédio com um Notebook e sem Wifi. Porra, o que um adolescente no século XXI faz sem internet? Por isso estou escrevendo isso. Nem sempre estive triste como estou agora, eu já fui um cara cheio de amigos e rodeado de mulheres, não estou mentindo. Venho presenciando vários casos de abandono virados contra mim, pessoas que eu colocaria a mão no fogo. Filhos da puta me fariam perder a mão! É fácil dizer isso quando você recebe amor, quando você confia na pessoa, ou pelo menos acha que confia. Eu tinha dois melhores amigos, para não foder com a minha imagem, vou chamar um de Tom e o outro de Oliver, ou Oli, tanto faz. Tom é um cara que eu conheço das fraldas, crescemos juntos por mais que nos odiávamos na infância. Mas isso não vem ao caso. Passei milhares de momentos com Tom, tanto ruins como maravilhosos.

Tom e eu descobrimos a vida juntos. E se eu tivesse a merda de um poder de prever o futuro, teria descoberto o egoísmo. Mas como citei antes, quando está tudo em mil maravilhas, fica difícil encontrar a desgraça.

Lembro que Tom estudava de manhã e eu de tarde, e digo por experiência própria, você que está lendo isso e tem um amigo que estuda em horário diferente que você, isso vai dar merda. Lembro que Tom chegava da escola, isso quando ele ia, e fazia a minha cabeça para eu faltar, eu, como um belo amigo, obedecia. A casa da minha avó era do lado da escola, e eu passava para almoçar lá todos os dias antes da escola. Não tinha como faltar sem ser descoberto. Tom e eu passávamos na minha avó para almoçar, e eu sempre dizia a mesma desculpa, "Eu encontrei ele na avenida ali em cima, vó, e trouxe-o para almoçar com a gente". Então almoçávamos e voltávamos para o prédio. Daí, tínhamos à tarde só para nós. Caralho era a melhor sensação do mundo. Andávamos de skate, ficávamos caçando vaginas no computador, nunca fomos felizes nessa. Era simplesmente perfeito. Como minha mãe chegava às 20h, minha irmã às 22h e eu às 18h, não tinha problema com a chegada, poderia ficar em casa o dia todo que não seria pego. Aliás, isso me lembrou um dia em que aplicamos a nossa tática da falta, e eu, um belo gênio, tinha esquecido que a minha irmã estava de folga. Cara, foi o tempo de eu voltar para casa, deixar a mochila na cama, ir mijar, e quando tirei o pinto para fora, quem bate na porta? Sim, a minha irmã. A primeira coisa que veio em minha mente foi fingir que não tinha ninguém em casa, a minha fodida sorte, foi que ela casualmente estava sem a chave, então foi obrigada a descer e ver se estava na portaria. Foi o tempo de eu e Tom descermos pela escada, feito uma bala de Fuzil.

Todo dia era a mesma coisa, eram duas mentes cheias de criatividade e ao mesmo tampo tão vazias. Para você ter noção, chegamos ao ponto de tomar suplemento de academia por lazer, por não ter nada para fazer. Não me pergunte o sentido disso, eu estou procurando até hoje. A mãe de Tom trabalhava no Samu, ela fazia plantão de madrugada quase todo dia, então era uma puta porta aberta para as madrugadas de aventura (Computador, comida e punheta) Sei que tem gente agora pensando: "credo, dois meninos juntos fazendo isso, que coisa ridícula". Não quero acabar com o seu excesso de moralismo, mas dois adolescentes excluídos da roda de amizade e sem uma mulher para saciar a merda da vontade, é só isso que eles fazem. Quantas vezes a mãe de Tom chegou e me pegou dormindo no sofá de calça Jeans e bota. A nossa sorte era que ela era gente boa. Eu no lugar dela expulsaria sem piedade. Mas pelo contrário, ela até trazia suprimentos para os lobos da floresta. Lembro que ela sempre trazia coxinha e frango assado com pão. Eu me acabava de comer. E não, eu ainda não era Vegetariano.

Estávamos na época do auge emo, e como um típico adolescente, seguíamos a moda. Lembro que saíamos na rua com uma segunda pele apelidada de calça Jens, que muitas vezes eram roubadas das nossas irmãs, até porque, eu e Tom tínhamos irmãs de praticamente a mesma idade. Tínhamos uma franja lisa e colada no rosto, isso por conta da oleosidade. Não costumávamos lavar o cabelo para não ter que passar a merda da chapinha de novo. E a típica blusa xadrez. Eu, sempre fui mais "ousado". Puta que pariu, que palavra Gay. Sem ofensas, povo LGBT! Eu usava calça colorida, já o Tom não tinha coragem. Com calça colorida ou não, não tinha uma pessoa que não olhava para nós com aquele olhar de: "O que a mãe dessas aberrações deve pensar disso". Mas nós éramos felizes. Lembro que sempre que íamos sair na rua, saiamos imitando alguma banda. Tom sempre era algum guitarrista e eu o Baixista ou Vocalista. Ironia, não. Andávamos na rua nos achando estrelas. Mas na verdade pareciam dois idiotas. Sempre preferi ser um idiota feliz a um inteligente careta. Mas eu estou assim no momento, que merda! Costumávamos falar mal dos outros pelas costas. Falávamos praticamente o tempo todo de mulher. E, não é por nada não, mas até que ficamos com umas meninas com um grau de beleza avançado. Um dia marcamos um encontro com duas meninas, e justo a menina que estava reservada para o Tom, me apareceu de chuteira. Não é brincadeira. E ela não era tão feia. Sempre zoei ele por conta disso, apelidei-o de Maria Chuteira.

Mas não foi só ele que se desgraçou em situações como essa. Uma vez, ele marcou um encontro com uma menina que ele estava conversando há tempos pela internet e pelo telefone. Ela tinha uma voz meio de macho, mas por foto parecia ser bonita. Ele disse para ela trazer uma amiga para o seu amigo, para quem não esta prestando atenção, esse amigo sou eu. Ficamos na porta do prédio esperando elas. Quando de repente, a menina dele chega com uma amiga do lado que chutando longe pesava uns 300k. A menina dele também não era lá essas coisas, mas ela transava que para dois adolescentes de 13 anos, era como achar ouro. Então infelizmente tive que quebrar essa pra ele. Se um dia eu precisar de um rim já sei com quem contar. Lembro que os 10 segundos que beijei ela tentei pensar em tudo, menos nela. Pensava nas minhas bandas preferidas, ou no meu violão. Qualquer merda que não fosse ela. Fiquei com tanta raiva disso, que um dia depois eu entrei no Orkut dela e comentei todas as suas fotos: "gorda, filha da puta". A menina nem tinha culpa, mas esses emos revoltados não medem conseqüências. Já ele não deu muito certo com a outra menina. Ela começou a dar em cima de mim. Ta, porra, eu assumo. Eu peguei. Mas deixo bem claro que pedi desculpas depois. E entramos em um acordo, os dois ficavam com ela. Que nojo dessa época. Tem um detalhe que eu não poderia deixar passar. Essa menina tirou a virgindade de nós dois! Como esquecer uma coisa dessas? E quando ele estava perdendo o cabaço com ela no quarto da mãe dele, eu estava na sala, jogando no computador e rindo absurdamente por dentro. Como isso não é um livro ou pelo menos não é a minha intenção, vou pular uma boa parte.

No final de 2012, Tom com uma de suas Bad's Trips Emo Móda Foca, mudou para a casa dos seus avôs, na praia. Ele ficou lá por aproximadamente dois anos. Dois anos que minha vida diminuiu absurdamente o nível de motivação e felicidade. Perdi as contas de quantas vezes chorei, morrendo de saudades desse filho da puta. Mas como ele sempre foi super seco e frio, creio que não sentia o mesmo. Cheguei a desabafar com a amiga da Chuteira. Eu, que nunca fui de desabafar. Mas precisava botar tudo àquilo para fora, e nada melhor do que falar com uma pessoa que o conhecia.

No meio do ano de 2012, a minha professora que por sinal não devia ter uma vida sexual consideravelmente boa, resolveu colocar todos os alunos para sentar em ordem de chamada. Eu peguei as minhas coisas e sentei em uma mesa encostada na parede, a melhor coisa para um estudante dorminhoco. Oli, que já era da minha sala há anos, mas nunca havíamos nos falado, acabou sentando atrás de mim. Como 90% das aulas daquela escola era um porre de chata, acabei puxando assunto com ele. Meu melhor amigo havia sumido gente, eu estava há anos sem contar minhas merdas para ninguém. Então, toda manhã conversávamos um pouco, e a cada manhã a conversa ia ficando mais legal. Ficávamos trocando SMS's o dia inteiro, e trocávamos elogios super fofos, do tipo "E aí, sua puta mal comida" "E aí, boca de veludo". Começamos a nos encontrar depois da aula. E não, isso não é uma história de amor e eu não sou gay. Mas nós nos fazíamos bem, em meus 15 anos de vida, eu nunca tinha conhecido alguém que me fazia sentir tão à vontade, tirando o Nômade do Tom.

Oli preencheu 90% a falta que Tom fazia. Até o chamei para entrar na minha banda, que na época não passava de adolescentes revoltados fazendo barulho e se achando um Slipknot. Mas de qualquer forma, Oli começou a fazer parte da minha vida. Acordávamos nos falando e íamos dormir na mesma. Passamos assim por dois anos. Até chegamos a fazer shows na escola com a nossa banda. As meninas de 12 anos piravam.

Um dia, estávamos na casa do nosso guitarrista, fingindo criar algo para banda. Mas na verdade estávamos falando merda e rindo feito putas realizadas. Na hora que estávamos indo embora, meu celular tocou, e dessa vez não era ligação da operadora. Era uma voz grossa, da qual não reconheci. Eu com o meu jeito delicado, perguntei quem diabos estava falando. E adivinha quem era o diabo? Sim, o Tom. Fiquei mudo por um tempo, passou um filme na minha cabeça, não queria acreditar que era ele. Até porque, na ultima vez que nos falamos a voz dele era tão grossa quanto à de uma menina de dois anos de idade com amidalite. Com uma mistura de felicidade, espanto, nervosismo e raiva, fui embora da casa do nosso guitarrista correndo, ansioso feito um cão para ver o seu dono depois de um dia de trabalho.

Tive que subir para o meu apartamento. Ajudei o pessoal a desmontar a decoração e comer o resto das guloseimas, e agora estou deitado na minha cama. Já vai amanhecer. São exatamente 05h38min da manhã, e eu prometi a mim mesmo que terminaria a história antes de eu hibernar profundamente e acordar totalmente sem pique numa tarde de sábado. Mas sem perder o foco. Chegando à frente do meu prédio, avistei um menino que não tinha absolutamente nada a ver com o Tom que tinha sumido há dois anos. Dreads e roupas largas realmente não têm nada a ver com um emo de roupas justas. Minha vontade era de dar um puta abraço naquele filho da mãe. Mas o seu jeito frio havia prevalecido. Então apenas se cumprimentamos com as mãos e com um sorriso amarelo de ambos. Parecia que tínhamos nos visto no dia anterior. Mas eu sei que por dentro estávamos eufóricos, não é todo dia que se reencontra um melhor amigo. Mas ao contrário do que eu havia pensado a ligação já não era a mesma coisa. Aquela coisa de irmãos de sangue diferentes tinha morrido. Éramos apenas, amigos. Demorou um tempo para ele voltar ao normal comigo, ou pelo menos, metade do que era. Eu, um filho da puta, chato, falava como se não houvesse amanhã. Mas conhecia seu jeito e respeitava.

Como você já deve estar imaginando, naquele momento, a minha amizade com o Oli, estava exageradamente mais forte do que com o Tom. E por incrível que pareça, eu aceitava isso sem problemas. Oli, obviamente, já conhecia bem o Tom de tanto me ouvir falar dele. Mas por motivos dos quais eu não sei até hoje, preferi não aproximar os dois. Oli sabia de tudo dessa minha nova aproximação com o Tom. Tudo o que acontecia, eu detalhava perfeitamente para ele. Lembrando que essa não é uma história homossexual. Quando finalmente minha amizade com Tom, estava razoavelmente normal, a aproximação dele com o Oli foi inevitável. Até porque, Oli estava ansioso para conhecê-lo, pois sempre disse que Tom era engraçado e besta como a gente, e ele realmente era. Nós três éramos muito parecidos, mesmos gostos, mesmas idiotices, mesma seca sexual. Esse trio caiu como uma luva. Sou péssimo em datas. Deixa eu me esforçar um pouco. Entre 2013 até o final de 2014, éramos carne, unha e mais alguma merda que complete esses dois elementos.

Nos meses finais de 2014, comecei a sentir uma certa diferença nos dois. Eles não estavam tão bestas como antigamente. E como eu tinha a senha das redes sociais de ambos, vi que essa mudança não ocorreu com os dois.

Eu não conseguia mais fazer nossas conversas durarem mais de 5 minutos. Eu me culpava muito por isso. Sempre me culpei por toda merda que acontece. Resolvi fazer um teste. Fiquei sem chamá-los, por uma semana. Não liguei, não mandei fax ou sinal de fumaça. E nessa uma semana, nem Oli nem Tom se lembraram da minha existência. Por mais que essa fosse à atitude mais sensata, eu não iria desistir tão fácil de duas amizades que praticamente, resumiam minha vida. Continuei dando uma de "menina carente que não sai do seu pé". Até que chegou uma hora em que eu não tinha mais idéia do que fazer. Deixa-me fechar a cortina, o maldito dia está nascendo. Preciso tentar fazer minha noite durar mais. E hoje, com um propósito.

Eu vi uma amizade de vida inteira e outra praticamente igual, descendo pelo bueiro. Como se tivesse vindo uma chuva e levado isso com ela, sem mais, nem menos. Por dois meses eu fiquei isolado. A única coisa que eu fazia, além de acordar e dormir, era ler e ouvir música. Eu não tocava no meu violão, que estava acostumado a sentar no meu colo todas as manhãs. Eu não queria me mexer, não queria respirar, não queria sentir e não queria pensar. Só queria afundar na minha própria lama até alguém aparecer para afastar a dor. O que eu não percebia era que a única pessoa que tinha o poder e os meios de fazer isso, ironicamente, era aquela que estava de calça de pijama desperdiçando tempo no sofá.

Eu via, e vejo até hoje, Tom e Oliver vivendo a vida como amigos de infância. Consigo ver nos seus olhos o egoísmo. Eu perdi totalmente minha inocência. Aprendi que ninguém está a salvo. Nem mesmo um garoto de 17 anos que só queria se adequar, rir e talvez ser amado.

Se você me perguntar, hoje, qual foi o motivo disso tudo eu não vou saber lhe responder. Me sinto um derrotado por isso. Mas não consigo achar uma resposta, já vasculhei em tudo o que você possa imaginar. A única coisa que eu posso te dizer, é que isso infelizmente me mudou. Sempre fui uma pessoa amorosa. Sempre quis agradar até o maior filho da puta. E hoje eu estou mais frio. Já não me enxergo quando olho no espelho. Essa história pode parecer tola para você. Mas uma coisa que eu aprendi com o meu pai é que todos têm seus problemas. E a gravidade deles vai de cada pessoa. Essa amizade era tudo para mim, a minha motivação para levantar da cama, que hoje já não tenho mais. O problema de uma criança de três anos é não ter o brinquedo desejado. E acredite, essa criança terá sua vida aterrorizada até não conseguir esse brinquedo. Essa história não tem uma moral, e não tem um conselho. Só quis desabafar e ao mesmo tempo contar para quem dedicou uns minutos do seu tempo para ler isso. E acredito sim, que essa pequena história pode mudar uma atitude ou abrir o olho de uma pessoa cega, como eu era há meses atrás.

Aqui vou me desligando enquanto olho para a janela, vendo pessoas começando mais um dia de suas vidas, e olhando para essa zona pós festa que está minha casa. Quando ninguém se importa, você aprende a fazer o mesmo para sobreviver.

Câmbio desliga...

- Pedro Zanotti.

Pedro Zanotti
Enviado por Pedro Zanotti em 05/06/2017
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