Ada e Ana: Destinos iguais, tão diferentes destinos



 
        Ada e Ana nasceram em casas geminadas, amigas desde que começaram a engatinhar, ambas filhas de famílias que desse termo 'família' só tinham mesmo o nome, tendo-se em vista a extrema 'união' reinante entre seus membros.
        Ambas tiveram paralisia na perna esquerda. Ambas superprotegidas, mas, Ada fugia de casa o tempo todo, para ir brincar na rua, volta-e-meia se  estropiando feio: vivia nos pronto-socorros da vida. Vivia. Ana ficava lendo na solidão do quarto, o tempo  todo... Brincar lá fora? E o medo? Nos pronto-socorros também, volta-e-meia, não porque vivesse muito.
        Estudaram, fizeram Letras na USP. Ada lia muito também, tanto quanto brincara na infância (lera bastante também nessa infância, por escolha livre, não como fuga do que quer que fosse).
        Sempre juntas, inseparáveis. Ada saíra de casa aos 20. Comera grama, que aos 20 já se tem muito o que reconstruir, quando se vem de uma estrutura viciada. Viveu em repúblicas, passou até fome, mas, aos 23 já pagava as primeiras prestações do seu A.P. próprio. Ana ficou na casa dos pais.
        Tiveram amores e casos. Quando esses e aqueles terminavam, ambas sofriam de modo diverso: Ada como adulta que como tal se moldara; Ana como a criança que jamais deixara de ser.
         Professoras, Ada foi galgando degraus: Fez pós- graduação e ainda hoje, aos 60, prossegue seu trabalho na Universidade. Sempre de andador em punho, pelos problemas de locomoção progressivamente agravados desde a infância. De andador sempre em punho e que bela motorista! Ana, aos 48, aposentou-se como professora de 1º grau de escola pública. Enquanto deu aulas amou de corpo e alma seu trabalho com os meninos. Precocemente aposentada, porque enredada nos problemas de família desde a perda do provedor - Alguém tinha que cuidar do negócio da família o qual, conquanto pequeno, assegurava comida para todos e o pagamento das contas...

(...............................................................)


        Aos 40, após 20 anos de liberdade e de solidão benfazejas, Ada voltou auto-construída para a casa da mãe, para cuidar da mesma que veio a passar por duas cirurgias grandes, em ambos os quadris. A mãe, por três anos em cadeira-de-rodas, alijada de todas as suas tarefas habituais. Ada alugou seu próprio apartamento, arrumou alguém para cuidar da mãe enquanto dá aulas na Universidade. Nas férias, por direito e merecimento, viaja por uns dias enquanto a mãe fica hospedada em 'Casa para Senhoras'. Hospedada mesmo, com todo conforto e respaldo médico. E Ada pode viajar em paz. Vive. Ana, aposentada aos 48, sem jamais ter saído da casa dos pais para tratar da própria vida,  cuidou do pequeno negócio da família até que o negócio faliu. Sua mãe passou por todas as mesmas peripécias da mãe de Ada, agravadas por uma quase completa surdez. Ambas, Ana e a mãe, sozinhas no mesmo espaço, uma no quarto, outra quase todo o tempo na sala. Ana nunca aprendeu a dirigir. Suas dificuldades de locomoção já lhe retiraram, há anos, a autonomia de sair sozinha a rua, a de ir até a padaria mais próxima. Ana ama o mar, figura há muito completamente virtual em sua vida. Ana que, por aguda auto-consciência não pode culpar ninguém por seu destino, senão a si  mesma. Ana, que está sem Vontade alguma para ainda cuidar de si mesma. 

(....................................................)



Moral da (s) história (s): Ninguém que não seja santo abdique totalmente do próprio destino, para cuidar de outro ser, seja este quem seja. Cuide também  de si, de seus próprios interesses, até para poder cuidar bem do outro. Procure sempre o abençoado caminho do meio. Se - perdoem a aparente ironia  do que vou dizer - não houver mesmo nenhum paliativo possível, reze muito, se resigne, se arme de toda a paciência do mundo: Você haverá de ganhar o Paraíso.

 
 
https://youtu.be/iR56k3j5V8A - Long as I can see the light - Banda "Creedence Clearwater Revival"




               
           Feliz fim de semana, amigos.