ATÉ QUE A MORTE OS SEPARE ( In memoriam)

Num certo dia em meados de 2006, a comemoração de Bodas de Ouro dos meus pais, meu pai veio até a minha casa querendo conversar. Nos sentamos um em frente ao outro e percebi que ele estava segurando algo que parecia um resultado de exame. Perguntei o que era e ele pediu que eu ficasse calma, mas ele estava com um câncer prostático. Lógico que fiquei pasma e sem fala num primeiro momento. Lembro ter apenas perguntado: Como assim? E li o resultado do exame. Ainda sem acreditar, comecei a questionar. Mas não apareceu nada no ano passado? Esse tumor está assim de um ano para outro? Realmente não estava entendendo. Então veio a frase que não posso esquecer: eu já sabia...Ahn? Já sabia? Aí que fiquei mais tonta. Então ele explicou que no ano anterior já havia aparecido. Mas a mamãe, que também tratava de um câncer, estava toda feliz preparando essa festa de Bodas de Ouro. Convites enviados, salão contratado, tudo como ela sempre sonhou. Então ele achou que não tinha o direito de tirar essa felicidade dela. Quando passou pela primeira lixeira, jogou o exame fora. Nesse momento me desesperei. Queria bater nele, xingar, gritar. Até gritei com ele perguntando: Por que fez isso com você? Por que fez isso conosco? Por quê? E enquanto eu gritava com ele, ao mesmo tempo, essa declaração de amor voltou à lembrança e nunca havia entendido com tanta clareza a profundidade dessa "renúncia" que ele dizia ser o segredo de um casamento de tantos anos, desse amor por inteiro.

Percebi que ele morreria por ela ou viveria por ela. E assim foi. Mamãe lutando e ele também. Juntos na luta. Aos poucos ela foi piorando, ficou acamada por três anos. Papai sempre ali ao lado querendo ajudar, confortar, conversar. Me disse numa outra vez que se ela morresse antes dele, não teria mais motivo para viver. Só vivia para ajudá-la. Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a morte os separasse.

No dia 22 de outubro deste ano, mamãe precisou ser internada. Quando a ambulância veio buscá-la, ele pediu para dar um beijo na testa dela pois poderia ser o último. E ela foi levada ao hospital. Lá a mamãe foi definhando, foi chegando seu finalzinho. Papai em casa chorando sempre, entrando numa depressão profunda. E no dia 29 de outubro, uma semana depois, ele também foi hospitalizado. Um em cada hospital, mas ele parecia sentir o que estava acontecendo. No dia que ela faleceu, sem ele saber ainda, se recusou a comer. Passou a dormir muito, não conseguia deglutir, não falava, não interagia. E cinco dias depois dela, ele também se foi. Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a morte os separasse. Mas o amor deles foi maior que a morte e não conseguiu separá-los. Foi a mamãe, foi o papai, sempre juntos, num pacto inacreditável.

Mariza Schröder
Enviado por Mariza Schröder em 24/11/2016
Código do texto: T5833871
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